sábado, 20 de junho de 2015

Os caminhos das negociações climáticas são inescrutáveis!

Os principais responsáveis pelas atuais emissões de gás à atmosfera, não têm nenhum interesse e se mostram incapazes de fazer algo para detê-las.

Josep Xercavins Valls*
Billy Wilson /  Flickr
























Acabo de participar da Conferência de Bonn, realizada pela UNFCCC (a Convenção Climática), entre 1 e 11 de junho. Fiz parte de uma delegação da Universidade Politécnica da Catalunha, organização observadora da UNFCCC desde 2009 (ano do fracasso de Copenhague).
Hoje necessito falar sobre a minha opinião muito pessoal (e afetada pela irritação, já que foi escrita poucas horas depois de terminada a conferência, mas o faço em representação de mim mesmo e ninguém mais) sobre como estão evoluindo as negociações. O título deste artigo de hoje tenta, logo de cara, resumir minha perplexidade diante da capacidade dos seres humanos de complicar tudo até extremos paradoxais.
Aonde queríamos ir? Até Paris! Para a aprovação de um acordo!
Como se sabe, vamos a Paris porque, entre 30 de novembro e 11 de dezembro, haverá na cidade uma Convenção Climática (UNFCCC), onde se deveria aprovar um novo acordo sobre como lutar contra as mudanças climáticas que vêm ocorrendo como resultado da modificação do funcionamento de fenomenologias essenciais da natureza terrestre, modificação devida às formas como se desenvolveram a revolução industrial e o sistema econômico capitalista nos dois últimos séculos, mas que – e isso deve ficar bem claro – está vivendo sua máxima intensidade “modificadora” do clima na terra, nestes primeiros anos do Século XXI.
Vamos até Paris 2015 (na reunião COP21, da UNFCCC), como nos foi determinado em Durban 2011 (na reunião COP17), sem definir a natureza jurídica do tipo de acordo que se tomaria neste ano de 2015, para que possa entrar em vigor em 2020. Essa continua sendo uma das grandes incógnitas que nenhum dos que participa do processo de negociação parece estar realmente interessado em resolver.
Nesse sentido, a única luz que sou capaz de ver no horizonte, embora não seja pequena, foi a que se ascendeu recentemente em Bonn, e que talvez permita visualizar o que poderia ser o acordo de Paris. Vou comentá-lo mais abaixo, e com detalhes.
E como nos estamos fazendo isso? Como vamos avançando?
Mais de três anos foram dedicados a reuniões de horas e horas, que é difícil saber se eram realmente necessárias, e sobretudo se foram úteis. Algumas das que eu pude estar presente e seguir diretamente foram muitas vezes surrealistas, para dizer o mínimo.
Foram anos de reuniões, com a ressaca de Copenhague ainda vigente, e onde o que foi mais importante foi a maneira com se trabalhou e se queria trabalhar: sempre de baixo para cima, de forma totalmente transparente e inclusiva de todas as partes da convenção (ou seja, de todos os estados participantes da UNFCCC) que implicou, na prática, no fato de que, como existem estados e/ou delegações pequenas, não se pode realizar ´reuniões importantes em horários que impeçam a participação de todos a elas. Nenhum dos participantes das reuniões está autorizado a fazer propostas desse tipo, nem a se reunir com estados ou grupos de estados concretos, nem a criar subgrupos de trabalho específicos para temas especialmente complexos ou sensíveis, para que se possa identificar possíveis pontos de consenso. Todas, absolutamente todas as decisões foram feitas em plenários. Vale recordar aqui que até mesmo não decidir é uma decisão, e que naquele caso também foi debatida.
Foi um trabalho realizado a partir de um princípio manifesto de desconfiança – fruto, insisto, das consequências de Copenhague. Esse sentimento foi incrementado, neste caso, devido ao fato de que o Grupo dos 77 mais a China tem posições muito contraditórias a respeito desse grande desafio para a humanidade, o que muitas vezes lhe impede fazer o papel que historicamente tem feito nas Nações Unidas, o de negociar de forma conjunta com os países desenvolvidos. Os interesses dos BRICS, que, exceto a Rússia, são membros do G77 China, tem pouco a ver com os interesses, por exemplo, dos países menos desenvolvidos, ou dos países africanos, que também são membros do G77. Atualmente, os países do G77 China não estão unidos entre si.
Mas toda essa dinâmica deveria se romper, de alguma maneira (que não pode viver pessoalmente), na medida em que já estávamos em 2015 e o mais complicado ainda estava por vir. Foi na reunião de fevereiro, em Genebra, onde se chegou a uma espécie de texto comum, que se chamou “texto de negociação” (“Negotiating Text”), e que no último plenário – realizado durante a última Conferência de Bonn, na quinta-feira, dia 11 de junho – se ratificava, outra vez, como o único texto de referência comum até Paris. Textualmente, foi aprovado que:
“The Geneva Negotiating Text (GNT), as contained in document FCCC / ADP / 2015/1, is the only official document before the ADP until it is withdrawn by Parties at COP-21”.
Por certo, o leitor interessado pode encontrar este texto também em espanhol, neste link:
Por que é tão importante o “Negotiating Text” de Genebra? Porque seguirá sendo tão importante, depois deste último evento em Bonn? Simples: porque, ao final, é o único ponto de partida que todas as partes ainda aceitam.
Apesar de que ficou mais claro que nunca que não é um documento com um nível mínimo de coerência interna, e que, portanto, seja válido para poder fazer a negociação que é preciso realizar já.
Pelo contrário, o texto de Genebra é uma mescla estranha de textos diversos, construído a partir de todos os textos que os participantes quiseram por, ou foram capazes de por, para que suas posições individuais ou grupais estivessem dentro e, portanto, entraram sim ou sim nas negociações futuras. Assim, pode-se encontrar não com uma, mas sim com dezenas e dezenas de posições antagônicas que refletem, perfeitamente neste sentido, as grandes diferenças com as que os diferentes grupos ou participantes queriam enfrentar o problema. Ninguém renunciará a um texto onde estão suas posições: as de todos, mas sobretudo as de cada um dos estados participantes.
Como se desenvolveu e como foi a primeira semana de negociações da última Conferência da UNFCCC em Bonn (de 1 a 6 de junho)?
A metodologia proposta pelos representantes da Plataforma de Durban foi a de tentar racionalizar (fazer um “streamlining”) o texto. Em outras palavras, pretendia, em teoria, que, antes de negociar, fossem apagados os textos duplicados, ou que apareciam em mais de um lugar no mesmo conteúdo final apresentado em Genebra, e que se decidisse em que lugar deveriam ficar. Fazendo isso, em teoria, o texto deveria ser bastante reduzido e, além disso, adotar um formato muito mais apto para uma negociação.
Um inferno! Todo mundo se queixando que aquilo não servia para nada, e por quê não se passava a negociar; coisa que tampouco era possível, já que não foi feito para estabelecer negociação e requeria de meios audiovisuais e intelectuais multidimensionais para poder ser minimamente trabalhado em alguma direção.
Esse ambiente desesperado e exasperado se prolongou durante toda a primeira semana em Bonn, e os ânimos foram se alterando sensivelmente. Os comentaristas interiores falavam que não havia “paz” durante as negociações. Obviamente! Era algo essencial para poder negociar.
A racionalização pretendida, e que os representantes dos grupos de trabalho, correspondentes das grandes supostas partes do documento, tentavam imprimir, seguindo as diretrizes dos líderes, conseguia, no final de toda a conferência, reduzir o documento em pouco mais de dez páginas – o de Genebra – que tem mais de cem. Aliás, só foi apagado o que já não interessava a ninguém presente. Mas, sobretudo, o que não se conseguiu foi deixar o texto numa forma negociável de verdade.
A reunião “stocktaking (brainstorming)” da segunda-feira (8/6) pela manhã teve o chefe da delegação norte-americana como grande encantador de serpentes.
Depois de muitas intervenções, de muitos dos participantes expressando sua frustração por uma semana perdida, se produziu uma espécie de milagre. Pela primeira vez algumas vozes se alçavam, e vozes que ecoavam em outras vozes, talvez mais surpreendentes ainda, que pediam aos delegados e representantes que fossem eles os que fizessem a racionalização e dessem ao texto uma forma que fosse, no mínimo, um princípio para uma negociação.
Após muito mais de três anos de “levantar tudo o que esteja abaixo”, todo mundo termina cansado, pedindo uma primeira letra, um primeiro movimento, “cima para baixo”. Nunca saberemos se o trabalho da semana anterior se organizou da forma em que se organizou para, precisamente, conseguir este final. Eu apostaria que sim; mas nunca saberei se ganhei ou perdi a aposta.
Nesse contexto tão particular, o delegado estadunidense – Mr. Dan Reifsnyder – colocou todo o plenário no bolso. É incrível, mas é verdade. Inteligente, hábil, empático, rigoroso, enérgico mas ao mesmo tempo suave e encantador, ele conseguiu o que certamente queria obter, e convenceu a todos que o que ele faria seria só uma ferramenta a serviço da negociação. “Nós propomos, vocês dispõem” chegou ele a dizer, no plenário de encerramento de quinta (11/6), com um ponto de paixão que enamorava as partes e às rendia aos seus “encantos”. Para um enamorado das “artes políticas”, foi todo um prazer viver uma atuação de tanto nível – por que não reconhecê-lo?
Depois das reuniões plenárias do dia 8 e do dia 11 de junho de 2015, em Bonn, aparecerão novos textos que serão considerados “não documentos” (a arte das negociações multilaterais segue de vento em popa), e que só jogarão, em teoria, um papel técnico, para ajudar a negociação do texto de Genebra. Sempre, e até o final, recordemos o texto de Genebra. Na prática, porém, o texto de Genebra vai desaparecendo da primeira fila da negociação.
E como o mago norte-americano tirou o acordo de Paris do bolso?
Mr. Dan Reifsnyder não ficou totalmente contente o que via, mas aproveitou que estava conseguindo bons resultados para dar dois passos importantes num só, e reposicionar o processo na direção que parece que algumas forças querem levar. Não sou capaz de precisar exatamente quais são essas forças, mas ela existe, tenho certeza (outra aposta que nunca saberei se ganho ou perco), e essa força já conseguiu a hegemonia do processo final de negociação até o evento de Paris.
A argumentação foi essencialmente a seguinte: na medida em que não havia tempo de ter novas ferramentas prontas para a curta segunda semana, foi proposto um exercício no qual se tentaria separar o que poderia formar parte de um provável acordo de Paris e o que não, e que deveria ser aprovado como decisões mais normais ou habituais ou parâmetros da COP 21 e outras.
Eu não podia acreditar! Que habilidade política tão especial! Conseguiu colocar o plenário no bolso, fazendo um uso moderado mas muito eficiente do poder que estava adquirindo, inclusive se atrevendo a marcar o segundo grande gol das negociações.
No plenário de encerramento ele conseguiu mais. No acordo de Paris, pode haver uma parte do texto que fale dos temas de financiamento, mas, por outro lado, não podem sair quantidades concretas que, naturalmente, devem ser decididas e revisadas com o tempo, através de sucessivas decisões da COP.
No acordo de Paris voltaremos a aprovar que a temperatura na superfície da Terra não aumentará mais de 2ºC. Porém, como conseguir isso é algo que não pode estar no acordo, a não ser por decisão da COP, as revisões desse texto só poderão ser feitas, talvez, a cada cinco anos (o que, para as negociações, parece ser muito tempo de espera), devido à evolução, por exemplo, das novas possibilidades tecnológicas.
Seguindo com o tema da disputa pelo acordo em meio ao tipo de decisão comum dentro da COP, creio que posso afirmar que a reunião de Bonn poderia ser vista como um total fracasso. Mas, em minha opinião, o que aconteceu em Bonn é extremadamente significativo, e abre a única porta metodológica possível para que haja um acordo em Paris. Veremos! Mas o resultado de Bonn foi bastante importante.
Em resumo: a conferência de Bonn foi um grande fracasso e uma perda de tempo, mas cuidado que pode haver produzido resultados transcendentais, e não casuais, com relação ao final do processo de Paris. Creio sinceramente que era preciso passar por esse beco sem saída para que as formas habituais das negociações multilaterais voltassem a sua ordem habitual – é assim que deveria ser proposto, e foi assim que o delegado norte-americano conseguiu o que conseguiu.
E eu ainda incluiria que, em minha opinião, depois da experiência de Bonn, ninguém parece querer permitir que não haja acordo em Paris. Não tenho claro se isso será assim ou não. São tantos e tão importantes os obstáculos que acho, sinceramente, que não existe uma aposta segura. O que tenho certeza, infelizmente, é que se houver acordo em Paris não servirá praticamente para nada. Lembremos o que é realmente importante, que são os efeitos do que pode ser o acordo de Paris com respeito ao tema central, o da contenção do efeito dos gases sobre a temperatura do planeta.
Em outras palavras, minha conclusão principal é que os sete grandes países ou blocos participantes (China, EUA, UE, Índia, Rússia, Japão e Canadá), principais responsáveis pelas atuais emissões de gás à atmosfera, não têm nenhum interesse e se mostram incapazes de fazer algo para detê-las. Apesar disso, são conscientes de que a humanidade talvez não aceite outra clara demonstração de incapacidade ao tomar decisões sobre um tema que começa a preocupar já de forma muito mais significativa setores bem diversos da população mundial e, portanto, creio que se fará o possível e o impossível para não sujar sua imagem.
Mas, na mesma linha interpretativa do caminho iniciado pelo delegado estadunidense, também ficou claro que o acordo não será o que se necessita, e que, finalmente, o subtitulo deste artigo me parece muito provavelmente bastante descritivo, lamentavelmente, sobre o que realmente acabará acontecendo.
Notas finais:
1. O texto aprovado (explicitamente e significativamente aprovado) no plenário final da quinta-feira (11/6) em Bonn pode ser visto em: 
http://unfccc.int/files/bodies/awg/application/pdf/way_forward_11_june_-_edits_1026am.pdf 
2. Os dois atuais delegados foram escolhidos na última COP de Lima, em 2014: 
“At the 14th plenary meeting on Saturday, 13 December 2014, Mr. Ahmed Djoghlaf and Mr. Daniel Reifsnyder were elected by acclamation as the new Co-Chairs of the ADP, and Ms. Yang Liu as the Rapporteur, to serve until the conclusion of the ADP session to be held in conjunction with COP 21 in 2015”.
3. O elo perdido: existe uma linha de trabalho que está incluída na Plataforma de Durban, e que está descontrolada. Se trata do chamado “Workstream2”, que obriga a trabalhar para a mais ampla ação possível contra as mudanças climáticas no período que vai desde 2013 até 2020. Por que esse período? Porque em 2013 já se havia terminado o primeiro período de compromissos do Protocolo de Kioto e, se ele for aprovado, o possível acordo de Paris não entraria em vigor até 2020.
Desde um ponto de vista estrutural (os delegados, o secretariado da UNFCCC, etc.), ninguém está trabalhando nessa linha, porque se prioriza o trabalho em relação ao acordo de Paris (ou pelo menos é o que se supõe). Contudo, sobretudo a partir do surgimento dos BRICS, esta é uma linha de trabalho que serve para fazer uma clara chantagem em relação ao acordo de Paris: se os países desenvolvidos não agem com muita intensidade, firmeza e ação durante este período 2013-2020, eles não se sentirão obrigados a comprometer sua atuação de 2020 em diante.
Essa foi, aliás, uma das pedras no sapato que levou ao fracasso de Copenhague. Não há dúvidas.
*Professor da Universidade Politécnica da Catalunha, UPC. Responsável pelo Grupo de Governança da Mudança Climática, GGCC, do Grupo Singular de Investigação da UPC em Sustentabilidade, Tecnologia e Humanismo, STH

Publicado : Carta Maior

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