Aécio é suspeito não só de conseguir dinheiro indevido para campanhas (suas e de aliados), mas de ter recebido propina diretamente, sem contexto eleitoral
Alline Magalhães, Jéssica Sbardelotto, Rodrigo Menegat - The Intercept Brasil
"É preciso salvar a política", disse há pouco mais de um mês o senador mineiro Aécio Neves, presidente nacional do PSDB e derrotado nas eleições presidenciais de 2014 por uma diferença de pouco mais de 3 milhões de votos. Numa mesa com outros sete políticos em volta, num restaurante de Brasília, Aécio prosseguiu no raciocínio, alertando para o risco do surgimento de um “salvador da pátria” em 2018:
“Um cara que ganhou dinheiro na Petrobras não pode ser considerado a mesma coisa que aquele que ganhou cem pratas para se eleger”, disse Aécio, segundo reproduzido por repórteres que testemunharam a cena.
De fato, são coisas diferentes. Mas ambos são crimes. A situação de Aécio, no entanto, é curiosa não apenas por ele ser alvo de cinco inquéritos instaurados pelo ministro do STF Edson Fachin. Mas especialmente porque, os casos que agora serão investigados pela Procuradoria-Geral da República podem contradizer diretamente o discurso que o tucano mantinha.
Aécio é formalmente suspeito não apenas de conseguir dinheiro indevido para campanhas (suas e de aliados), mas de ter recebido propina diretamente, sem contexto eleitoral. Segundo delatores, ele atuou em benefício de empresas do grupo no setor elétrico em troca de “prestações” milionárias e “informou”, num encontro reservado com um dos executivos da Odebrecht, que a empreiteira venceria uma licitação bilionária que ainda sequer tinha sido anunciada publicamente: a construção da nova sede do governo de Minas Gerais.
Trecho de despacho de ministro Edson Fachin sobre senador Aécio Neves. Reprodução
Os cinco inquéritos a que Aécio agora responde o colocam como um dos políticos com foro privilegiado mais visados nas investigações decorrentes das delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht. Ele está empatado com o senador Romero Jucá (PMDB-RR), com cinco inquéritos cada.
Até agora, Aécio vinha fazendo coro com expoentes do PSDB, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (e tantos outros políticos ameaçados pela Lava Jato que entoaram o lema do “separar o joio do trigo”). Em essência, eles defendiam a diferenciação entre agentes públicos que cometeram crime de corrupção ou enriqueceram de modo ilícito e aqueles que “somente” usaram recursos não declarados para financiar campanhas eleitorais.
Em termos penais, é tudo crime. O uso de recursos não contabilizados para financiar campanhas é crime previsto no Código Eleitoral (artigo 350), mas tem pena muito menor do que crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, formação de cartel e fraudes em licitação. A pena máxima é de cinco anos, o que faz com que condenados por crimes do tipo sequer cumpram pena em regime fechado.
O entendimento que a PGR tem adotado na Lava Jato é que, mesmo que o dinheiro pago pela Odebrecht tenha como fim o financiamento de campanha, o caso tem de ser enquadrado como corrupção passiva e lavagem de dinheiro nos casos em que há indício de que políticos usaram seu poder para defender interesses da empresa.
No caso de Aécio, as acusações mais graves feitas pelos delatores, considerando o que foi divulgado até aqui nos despachos do ministro Fachin, envolve favorecimento do grupo Odebrecht em obras de usinas hidrelétricas e na construção da Cidade Administrativa.
Cidade Administrativa de Minas Gerais, que teria processos de licitação fraudados. Foto: Renato Cobucci/Imprensa-MG
Empresas tiveram de pagar entre 2,5% e 3% de propina por obra bilionária
Em declaração gravada em vídeo, Benedicto Barbosa da Silva Júnior contou que, “no início de 2007”, quando Aécio iniciava seu segundo mandato como governador mineiro, o tucano chamou BJ, como o delator é conhecido, para dar uma boa notícia para a Odebrecht: a empreiteira participaria da obra de construção da faraônica Cidade Administrativa, a nova sede do governo mineiro. “As tratativas”, prossegue o delator, deveriam ser feitas com seu homem de confiança, Oswaldo Borges, o “Oswaldinho”, apontado como tesoureiro informal das campanhas de Aécio.
O objetivo do esquema era receber propinas oriundas das obras realizadas pelo consórcio formado por Odebrecht, Queiroz Galvão e OAS. A sede acabou custando cerca de R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos e as obras foram concluídas em 2010, com mais de 250 mil metros quadrados de área construída. Aécio teria recebido por esse esquema, somente da Odebrecht (outras empreiteiras também participaram da obra), R$ 5,2 milhões.
De acordo com a Folha de S.Paulo, Benedicto Júnior detalhou o esquema em seu depoimento ao Ministério Público. Os pagamentos seriam equivalentes a um valor entre 2,5% e 3% do total de cada contrato. Os repasses eram, segundo esse relato, operacionalizados por Oswaldo Borges, o “Oswaldinho”, apontado como tesoureiro informal das campanhas de Aécio.
Fachin autorizou abertura de inquérito para investigar suspeitas de corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro, formação de cartel e fraude de licitações.
O presidente do PSDB também teria recebido “parcelas” entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões em “vantagens indevidas” para facilitar a construção de duas das maiores hidrelétricas do país, Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. A acusação foi feita por Marcelo Odebrecht e pelo ex-vice presidente da Odebrecht S.A., Henrique Serrano do Prado Valladares.
Odebrecht ainda aponta na delação que “Mineirinho”, codinome usado nas listas do Setor de Operações Estruturadas do grupo, “detinha forte influência na área energética, razão pela qual o Grupo Odebrecht concordava com expressivos repasses financeiros em seu favor”. Não foram mencionados os valores totais, nem a frequência com que os pagamentos aconteciam.
Em 2008, a hidrelétrica Santo Antônio recebeu financiamento de R$ 6,1 bilhões do BNDES, maior valor na história do banco até o período. O consórcio incluiu a construtora Andrade Gutierrez, a Caixa FIP Amazônia Energia (que tem como acionistas Odebrecht e FGTS), a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e Furnas.
A usina Jirau, por sua vez, recebeu R$ 7,2 bilhões do banco de desenvolvimento em 2009, além de financiamento suplementar de R$ 2,3 bilhões, em 2012. Atualmente, o empreendimento é gerido pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), parceria entre a empresa belga Engie (antiga GDF Suez) Eletrobras Sul, Eletrobras Chesf e a japonesa Mitsui. Outro inquérito investiga suposto pagamento de R$ 5,5 milhões da Odebrecht para o senador Edison Lobão (PMDB/BA), que se comprometeu a tentar reverter a derrota da empreiteira nessa licitação – sem sucesso, porém.
Para Aécio, sua conduta foi absolutamente correta
No contexto eleitoral, outro inquérito trata de pagamentos feitos a pedido do líder tucano para a campanha do então candidato ao governo de Minas Gerais, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). De acordo com os delatores Benedicto Barbosa da Silva Júnior e Sérgio Luiz Neves, a Odebrecht teria repassado um total de R$ 7,27 milhões, dividido em duas parcelas, a primeiro de R$ 1,8 milhão, em 2009 e a segunda, de cerca de R$ 5,47 milhões, no ano seguinte. No caso, ambos os políticos foram indiciados pelos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
O despacho também determina a investigação de Oswaldo Borges, tesoureiro informal das campanhas de Aécio, e de Paulo Vasconcelos do Rosário Neto, publicitário que trabalhou nas campanhas de Anastasia ao Senado, em 2010, e de Aécio à Presidência, em 2014.
Além deste episódio, em mais um inquérito, Aécio Neves é acusado, desta vez junto ao deputado federal Dimas Fabiano Toledo (PP/MG), de solicitar e receber o pagamento de “vantagens indevidas”. Benedicto Júnior, Sérgio Luiz Neves e Marcelo Odebrecht afirmam que repassaram valores para a campanha presidencial do tucano em 2014. Outros políticos, como Anastasia e João Pimenta da Veiga Filho (PSDB/MG) também teriam recebido dinheiro da empreiteira.
Aécio Neves afirmou, por meio de nota, a importância do fim do sigilo sobre o conteúdo das delações. Segundo ele, só assim será possível desmascarar as “mentiras” e demonstrar a “absoluta correção de sua conduta”.
Colaboração: Bruno Pavan, Guilherme Zocchio, Kleyson Barbosa, Lúcio Lambranho, Reinaldo Chaves e Renan Antunes de Oliveira.
Créditos da foto: Getty Images
Carta Maior
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