Publicado em: outubro 19, 2017
Conforme estudos, impacto representará perda de divisas e destruirá política de conteúdo nacional. “É mais uma iniciativa de entrega deste governo para o capital estrangeiro”, afirmou Requião. Foto: Felipe Dana/Ag. Petrobras
Hylda Cavalcanti
Da RBA
Mais uma ameaça ao patrimônio brasileiro está prestes a ser votada em definitivo pela Câmara e o Senado, até a próxima semana. Trata-se da Medida Provisória 795/2017, que teve na quarta-feira (18) relatório aprovado em comissão especial, conforme queria o governo de Michel Temer. A MP propõe redução de tributos de empresas envolvidas nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural e consiste num verdadeiro “pacote de isenções” para favorecer as empresas internacionais.
Somente para 2018, a previsão de renúncia de receita, decorrente desses incentivos fiscais, é de cerca de R$ 16,4 bilhões, conforme previsões de técnicos do setor e de relatórios elaborados pela assessoria legislativa da Câmara dos Deputados. Paralelamente à MP, ainda foi publicado o Decreto 9.128, que prorroga, de 2020 para 2040, o prazo de vigência do Repetro – regime especial que concede suspensão de tributos federais para equipamentos usados em pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e de gás natural.
Para os parlamentares que acompanham as matérias do setor, as modificações acabarão com a política de conteúdo local e tendem a liberar, de vez, todos os incentivos fiscais, estimulando o conteúdo internacional. A medida, que ainda passará por votação nos plenários da Câmara e do Senado, se for aprovada da forma como passou o relatório do relator, deputado Julio Lopes (PP-RJ), significará renúncia de receitas na ordem de R$ 1 trilhão para o país.
“É mais uma iniciativa do pacote de benefícios e de entrega deste governo para o capital estrangeiro”, afirmou o senador Roberto Requião (PMDB-PR). A Frente Parlamentar Mista de Defesa da Soberania Nacional, que reúne deputados e senadores em ações para impedir matérias legislativas sobre temas como esse, também pretende ampliar articulação para impedir ou modificar trechos do texto durante a votação nos plenários das duas Casas.
De 46 emendas, só 8 acolhidas
Encaminhada ao Congresso em setembro passado, a MP 795 teve como argumento por parte do Palácio do Planalto ser uma tentativa de proporcionar ações de estímulo à participação de empresas nas licitações de blocos das camadas pré-sal e pós-sal que serão conduzidas ainda este ano pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
A matéria recebeu 46 emendas de deputados e senadores, que não concordaram com o seu teor. Mas o relator, Julio Lopes, diante de um dia conturbado, marcado por votações polêmicas como a votação da denúncia contra o presidente Michel Temer, na Câmara, deu parecer favorável ao governo, que terminou sendo aprovado, e acolheu apenas oito destas emendas.
“O objetivo do texto é aprimorar a legislação tributária aplicada às empresas do setor de petróleo estabelecendo regras claras de tributação, dando segurança jurídica às empresas e à administração tributária do setor petrolífero”, justificou-se Lopes, sem convencer muito os colegas que não concordam com a atual política de favorecimento à indústria internacional do governo.
Mudança tributária
Para vários parlamentares, a medida consiste em uma das matérias mais complexas em tramitação no Congresso, pelo fato de alterar vários pontos da legislação tributário do setor. Entre eles está a dedução de investimentos.
A partir de 2018, as empresas poderão deduzir, na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), os valores aplicados nas atividades de exploração e produção de jazidas de petróleo e de gás natural. Na prática, a medida reduz os valores que a empresa pagará a título de CSLL e de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
Também será dedutível do IRPJ e da CSLL, caso o texto seja aprovado da forma como se encontra, o gasto com formação de ativos (compra de máquinas e equipamentos) na fase de desenvolvimento. Em termos legais, estas despesas estarão sujeitas à “exaustão”. Excepcionalmente, até 2022, haverá a “exaustão acelerada”, quando a dedução do valor gasto com ativos ocorrerá em maior montante, equivalente à multiplicação de um fator igual a 2,5.
O mesmo texto ainda suspende o pagamento do Imposto de Importação, do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e da Contribuição para o PIS/Cofins para os bens importados que ficarem definitivamente no país e que forem usados na exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e derivados.
E prevê a suspensão dos mesmos tributos federais sobre matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem importados ou fornecidos localmente, desde que utilizados em produtos destinados à exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e derivados. A suspensão também será convertida em isenção (Imposto de Importação e o IPI) e em alíquota zero (PIS/Cofins).
O regime especial será aplicado a partir de 2018 e as suspensões somente abrangerão os fatos geradores ocorridos até 31 de julho de 2022. O regime especial é uma alteração significativa na tributação da cadeia de produção de bens para a indústria de petróleo e gás. Até recentemente, os bens importados não poderiam permanecer definitivamente em território nacional sem o pagamento dos tributos.
Um dos pontos mais polêmicos é a mudança nas regras de utilização da alíquota zero do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) incidente sobre os lucros obtidos por residentes no exterior que usam navios no Brasil para fretes e aluguel por companhias petrolíferas.
A nova regra afeta os split contracts, termo utilizado na indústria do petróleo para os contratos de afretamento de embarcações que são celebrados simultaneamente com contratos de prestação de serviço de operação. O split contratual ocorre quando uma companhia freta uma embarcação com armador estrangeiro, e ao mesmo tempo celebra contrato de operação da embarcação com uma empresa local vinculada ao armador.
Segundo a norma, a alíquota zero incidirá sobre um percentual (70%, 65% ou 50%, dependendo do tipo de embarcação) aplicado ao valor global do split contract. Como esses percentuais são menores dos que os que vinham vigendo antes da MP (85%, 80% e 65%), o efeito prático é o aumento do tributo para os donos de navios, que terão mais imposto retido na fonte pelos lucros obtidos no país com fretes e alugueis.
Em compensação, será instituído um programa especial de parcelamento para as empresas que celebram estes contratos e que devem IRRF. O parcelamento incide sobre os fatos geradores ocorridos até 2014. As empresas poderão recolher o imposto, acrescido de juros corrigidos pela taxa Selic, com anistia de 100% das multas, sob a condição de desistência de eventuais processos administrativos e judiciais sobre a questão. O pagamento poderá ser realizado em parcela única ou em 12 vezes, com vencimento a partir de janeiro.
Estratégia para leilões
A matéria foi apreciada na comissão com menos de 30 dias, mediante pedidos do governo para acelerar a tramitação. A intenção é fazer com que seja aprovado pela Câmara e pelo Senado em sua totalidade até a sexta-feira da próxima semana (27). Isto porque nesta data, a ANP realizará a segunda rodada de leilões de áreas do pré-sal e pós-sal.
Caso seja aprovada, as multinacionais, que já foram privilegiadas pelo Executivo com a abertura da operação do pré-sal e os leilões de petróleo que estão sendo acelerados, agora também poderão trazer suas plataformas e equipamentos do exterior, sem pagamento de impostos. Ou seja: os empregos e rendas que a cadeia produtiva do petróleo resultavam no país por meio da política de conteúdo nacional, daqui por diante, podem beneficiar as nações estrangeiras.
Conforme estudo da Consultoria Legislativa da Câmara, a “farra fiscal” fará com que o Brasil deixe de arrecadar R$ 1 trilhão em tributos relacionados ao pré-sal. O trabalho tomou como base somente a extração das reservas. Para chegar ao valor, os consultores fizeram uma simulação considerando o preço do barril de petróleo Brent a US$ 60 (hoje está na casa dos US$ 56).
Pelas regras da medida provisória, a participação do Brasil em cada barril — na prática, a porcentagem que o país recebe de cada um deles — passará de 59,7% para 40%, uma das mais baixas do mundo. O estudo mostra que, por exemplo, a China possui uma participação de 74%; os Estados Unidos, de 67%; a Rússia, de 66%, e o Reino Unido, de 63%. Além da questão dos tributos em que a participação será reduzida, o trabalho também questiona o incentivo fiscal para a importação de máquinas e equipamentos para a exploração, bem como materiais para a embalagem do óleo.
Com informações das agências Câmara e Senado.
Editoria: Economia
Sul 21
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