Créditos da foto: Andrew Caballero-Reynolds/AFO via Getty Images
O comportamento do presidente que se despede, Donald Trump, entre agora e a posse, em janeiro, de seu sucessor, Joe Biden, deve ser obstrucionista no mesmo nível do caos em seu governo
Por Barry Eichengreen 10/11/2020 12:19
BERKELEY - As transições presidenciais nunca são fáceis, especialmente quando envolvem um presidente em exercício derrotado nas urnas. Mas desta vez a transição ocorre em meio a uma crise sem precedentes. O titular se recusa a reconhecer o voto como uma rejeição de suas políticas e tem uma aversão visceral pelo presidente eleito, a quem acusa de desonestidade e o despreza como muito frágil para assumir as funções do cargo. Ele considera seu sucessor um socialista, um defensor de políticas que colocarão o país no caminho da ruína.
O ano era 1932, e a transição de Herbert Hoover para Franklin D. Roosevelt (FDR) ocorreu em meio a uma depressão econômica e uma crise bancária sem paralelos. O presidente que estava de saída, Hoover, nutria uma aversão intensa por seu sucessor, cuja incapacidade que motivava seu sentimento não era qualquer falta de acuidade mental, mas sim a paralisia parcial de Roosevelt. Ele chamou FDR de "camaleão em tecido xadrez" e acusou-o de dar as cartas "pela parte de baixo do baralho". Em sua campanha e posteriormente, Hoover insinuou que as tendências socialistas de FDR colocariam o país em uma "marcha para Moscou".
Naquela época, o interregno durou quatro meses, durante os quais o presidente decorativo e o Congresso pouco fizeram para resolver a crise em curso. Assaltos a bancos e pânico estavam se espalhando contagiosamente, forçando um governador de estado após o outro a fechar seus sistemas bancários. Mas Hoover, unilateralmente, se recusou a declarar feriado bancário. Quando Roosevelt tomou posse, em março de 1933, o sistema bancário e toda a economia estavam praticamente paralisados.
Hoover estava ciente da crise. Mas ele era ideologicamente contrário à intervenção do governo federal. E ele estava convencido de suas opiniões.
Agora podemos esperar um comportamento semelhante do presidente Donald Trump. Por ideologia e raiva, ele parece se recusar a fazer qualquer coisa em relação ao coronavírus. A questão é até onde ele irá para impedir os esforços do presidente eleito Joe Biden para enfrentar o vírus ao assumir o cargo. Trump proibirá membros de sua força-tarefa coronavírus e outros nomeados de informar a equipe de transição? Ele vai reter informações sobre a Operação Velocidade de Dobra, o esforço do governo para produzir uma vacina COVID-19?
Hoover, não vendo necessidade de novas políticas, fez tudo ao seu alcance para limitar as opções do presidente. Um crente na santidade do padrão-ouro, ele pediu à FDR para emitir uma declaração apoiando sua manutenção como forma de reforçar a confiança. Ele encorajou o presidente eleito a endossar, e até mesmo recomendar, membros da delegação dos EUA nomeada por Hoover para a conferência internacional programada para discutir dívidas de guerra europeias e restauração mundial do padrão-ouro.
FDR reconheceu o perigo de amarrar suas próprias mãos e se recusou a se comprometer antes de assumir o cargo. Quando o presidente eleito o rejeitou, Hoover divulgou com raiva cópias de suas comunicações, inflamando a opinião pública.
Da mesma forma, podemos esperar que Biden rejeite as súplicas de Trump – se houver – e evite compromissos que limitem seu espaço para manobras políticas. Mas Trump já o restringiu de outras formas. Em particular, os nomeados por Trump para o Judiciário desafiarão o esforço do novo presidente para fazer política por meio de ordem executiva e diretiva regulatória. Enquanto isso, os esforços para avançar a legislação e confirmar os candidatos a cargos administrativos provavelmente serão frustrados pelo líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, assumindo que não haverá mais surpresas eleitorais da Geórgia (um estado que Biden parece ter vencido e onde as eleições para duas cadeira no Senado serão realizadas em janeiro).
A transição de Hoover para Roosevelt ocorreu em um momento perigoso. Mobilizações políticas espontâneas de todos os tipos estavam em ascensão. Um ‘Exército Bônus’ de mais de 43.000 veteranos da Primeira Guerra Mundial e suas famílias desceram em Washington, DC, em meados de 1932, exigindo o pagamento dos certificados de serviço de seus veteranos. Eles foram violentamente dispersos, com perdas de vidas, pela polícia de Washington e pelo exército dos EUA sob o comando do General Douglas MacArthur. Esse episódio não teve um papel pequeno na derrota eleitoral de Hoover (um resultado que poderia ter servido como um aviso para Trump, que da mesma forma convocou tropas para dispersar manifestantes).
Além disso, houve protestos, alguns violentos, contra leilões de hipotecas, de imóveis retomados de que não tinha conseguido pagar, que ocorriam em tribunais por todo o país. Havia um crescente apoio popular a políticos extremistas como Huey Long, da Louisiana. Dificuldades, desemprego e desesperança econômica formaram o pano de fundo contra o qual Giuseppe Zangara, um pedreiro desempregado com problemas físicos e mentais e visões antissistema extremas, tentou assassinar Roosevelt 17 dias antes da posse.
Há duas lições aqui. O presidente eleito e aqueles ao seu redor precisam tomar precauções extras para sua segurança pessoal, dado o clima político inflamado e os esforços contínuos de Trump para atiçar as chamas. E Biden agora, como FDR então, deve reiterar sua mensagem de esperança e unidade como antídoto para o coronavírus e divisão política. Em 1933, era o "próprio medo" que os norte-americanos tinham que superar. Hoje, quando o temor que um tem do outro é o que os norte-americanos devem superar, a afirmação de Biden de que não há "estados vermelhos ou azuis, apenas os Estados Unidos" é um bom começo.
*Publicado originalmente no Project Syndicate | Tradução por César Locatelli
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