22 de Outubro de 2017
Num momento no qual o país chora a morte injusta e violenta de dois adolescentes numa escola particular de Goiânia, enquanto outros dois rapazes e uma moça permanecem internados em estado grave, o país tem o dever de fazer uma reflexão honesta sobre uma ideia irresponsável, em curso no Congresso brasileiro, de liberar o porte de armas.
Ao menos na teoria, a casa de onde um garoto de 14 anos saiu com uma pistola .40 na mochila para cometer um massacre na sala de aula era o lugar ideal e seguro para se armazenar uma arma tão perigosa.
Seu pai e sua mãe são pessoas profissionalmente treinadas para o uso de armas de fogo. Ambos são integrantes da PM do Estado, onde a mãe tem a patente de sargento e o pai, de oficial mais graduado.
Não há como imaginar que, num local desse tipo, os adultos não tenham cuidado com uma arma dessa natureza, ou não saibam como guardá-la em local seguro, longe de mãos indesejáveis – em especial, crianças e adolescentes.
Mesmo uma pessoa leiga nestes assuntos pode saber qual a diferença entre uma .40 do tradicional revolver calibre 38 que até 2016 era arma padrão das PMs brasileiras. Basta ler uma reportagem da revista Superinteressante para entender a potência do revolver que, naquela manhã de sexta-feira passada, um adolescente do 8º ano colocou dentro da mochila ante de se dirigir a escola. Num exemplo didático, onde toma o cuidado de substituir a cabeça de um ser humano por uma melancia, numa tentativa de amenizar o choque que seria produzido por uma sem subterfúgios, a revista escreve:
“Se (a melancia) for acertada por um revólver 38, ela fica inteira, exceto pelo furo da bala. Já um tiro de .40 a deixaria toda destroçada – e a bala ficaria dentro com os caroços,” diz a revista.
Não é só: “A bala tem um furo na ponta que se abre no momento em que atinge o alvo. Quando acerta uma pessoa, ela esmaga e rompe os tecidos: abre buracos que são preenchidos com o sangue das veias rompidas. Isso quando não atinge partes mais rígidas, como ossos ou cabeça, que são estilhaçados.”
Diz ainda a Superinteressante, citando fontes da polícia: “a vantagem de uma bala que não atravessa o alvo é que ela não vai acertar sem querer alguém que estiver atrás dele. Ou seja, apesar de fazer maior estrago, faz menos vítimas não intencionais.” A não ser,” lembra a revista, que o atirador “resolva usar todo o arsenal. No 38 cabiam 7 balas; na pistola são 16.”
Estes dados – sem dúvida chocantes – ajudam a refletir sobre o que está em jogo num debate sobre liberação sobre uso de armas.
Estamos falando de instrumentos de um alto grau de letalidade. Também falamos de outra coisa.
Conforme a polícia, o adolescente de Goiânia se inspirou em duas tragédias e já é preocupante notar que uma delas ocorreu no Brasil, em 2011. No colégio Columbine, nos Estados Unidos, e no Realengo, no Rio de Janeiro. Um policial disse à Folha que essa “inspiração fez nascer a ideia de matar alguém”.
Motivado por um bullying que sofria na escola, “resolveu executar e matar pessoas.” O primeiro alvo era um colega que “o amolava muito.” Depois de matar esse colega, “teve vontade de matar mais”.
O estudo mais elementar de psicologia indica que comportamentos dessa natureza podem se manifestar em muitas famílias. Envolvem sombras do inconsciente humano capazes de explodir de uma hora outra, no momento menos esperado, gerando tragédias que todos gostariam de evitar.
Para além das medidas individuais, que devem ser tomadas no interior de cada residência, obviamente cabe ao Estado proteger vidas humanas, de cidadãos, em particular crianças e adolescentes, que nada tem nada a ver com desvios psicóticos nem com a irresponsabilidade alheia.
O professor Ignácio Cano, um dos principais estudiosos da violência no país, sugere que o controle sobre armas não só deve ser mantido – mas reforçado. Cano defende medidas preventivas que incluem a própria polícia.
Lembrando que as armas de um policial não são um bem privado, mas um instrumento de trabalho, como o computador que todo funcionário de escritório usa no serviço e não está autorizado a carregar para casa no fim do expediente, o professor sugere que pistolas, rifles e fuzis devam ficar armazenadas nas delegacias e quartéis em vez de levadas para a residência. Nos casos em que isso não seja possível, sugere novos cuidados, como guardar armas e balas em locais diferentes, dificultando seu acesso e uso. Impossível discordar – quando se comprova que apenas medidas preventivas são ineficazes.
Envolvendo uma dor que jamais será esquecida, os adolescentes mortos e feridos de Goiânia cobram dos adultos a responsabilidade de responder a uma situação que todos compreendem e ninguém tem o direito de fingir que não vê.
Parte do imenso pacote de medidas ruinosas e irresponsáveis que a coalização golpista de Michel Temer tenta impor ao país, a liberação de armas, liderada por um sombrio grupo de lobistas em atividade em Brasilia, conhecidos como a Bancada da Bala, é um passaporte para mais violência, execuções e assassinatos.
Alguma dúvida?
Brasil 247
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