A SEGURANÇA COMO QUESTÃO DE PRINCÍPIOS
“Contribuir para o respeito às normas de segurança e constante exercício da vigilância partidária” – Estatutos do PCB
João Silva
Boa parte de fiéis e dedicados camaradas paulistanos deixou de comparecer à Conferência, por considerar que carecia das mínimas condições de segurança. Perguntaram eles: Deve um partido revolucionário marchar para um ato sabidamente inseguro?
Forçoso se torna reconhecer, que não só a série de desastres havidos ao longo de nossa história, como e especialmente, as precárias condições atuais de segurança, colocam, gritantemente, na ordem do dia a discussão aprofundada dessa questão. Por que a segurança é uma questão de princípio?
Ninguém quer perder seus privilégios. Além da ciência e do bom senso, a experiência histórica comprova que a burguesia procura, por todas as formas e meios, manter a propriedade privada dos meios de produção, frente de seus privilégios de classes odiosos e por demais conhecidos. Ela sabe, que a classe operária (por ser despossuída, responsável pela criação da riqueza, etc.) é quem tem condições de encabeçar a revolução social e liquidar com o jugo escravizador do capital. Por isso, toda vez que se sente ameaçada pelas lutas do proletariado e das massas, procura golpear fundamente as organizações operárias, e, especialmente, aos comunistas.
É impressionante notar a frequência com que, em nossa história, a burguesia brasileira golpeou, implacável e cruelmente, a classe operária e seu partido. Em 1935, por exemplo, diante do ascenso das lutas das massas contra o fascismo, da Insurreição, e da criação da República Soviética de Natal, apelou para o Estado Novo e promoveu feroz repressão ao proletariado, ao PC dO B e seus aliados.
Com a derrota do nazi-fascismo no mundo, a viragem democrática externa combinada com as lutas de massas internas, propiciaram a queda do Estado Novo, a Anistia e a Assembléia Nacional Constituinte. Nesse quadro de democratização do País, foi possível ao até pouco antes esmagado País, fazer crescer a tal ponto sua influência, que o candidato comunista à presidência da república obteve cerca de 20% da votação. O comício de Prestes no Pacaembú é bem um testemunho do partido influente de então. Diante disso, novamente as classes dominantes atacaram o Partido, cassando seus parlamentares, seu registro eleitoral, e promovendo a “caça às bruxas”...
No período que vai de 55 a 64, importante foi a contribuição dada pelo PCB para a mobilização e organização das massas, particularmente, da classe operária. Esta chegou a reconquistar de fato, embora não de direito, o seu CGT. Diante do extraordinário crescimento das lutas de nosso povo, a burguesia sentiu-se ameaçada, apoiando a instalação de uma ditadura militar reacionária, cujo objetivo primeiro, foi o de destruir o movimento sindical e o Partido. Diante das chamas que devoravam o prédio da UNE, Sandra Cavalcanti afirmou: "o comunismo está destruído para sempre... " Mas, conseguimos rapidamente reorganizar-nos e voltar a atuar entre as massas. As classes dominantes responderam com o AI-5 e a longa noite de terror fascista que todos conhecemos.
Às vésperas da posse de Geisel, quando tanto se falava em “distensão”, que chegou a iludir muitos de nossos camaradas, foram assassinados dez membros do CC. Por que isso ocorreu se o projeto era de “distensão”? É porque essa política, baseada na “Teoria da Descompressão” exposta por R. Macnamara anos antes, significou a auto-reforma do regime, mantendo seu caráter autoritário; um afrouxamento controlado dos dispositivos ditatoriais (no dizer de Geisel: “de forma lenta, gradual e segura”), para impedir que as massas impulsionem o processo para além dos limites das conveniências das classes dominantes. Evidentemente, que com o PCB atuando, as dificuldades para manter tal política dentro de limites tão rígidos seriam bem maiores. Daí o cruel golpeamento sobre o CC.
Mas, apesar de revés, meses depois o Partido ajudou bastante na vitória eleitoral, esmagadora, das oposições. A ditadura do capital, momentaneamente derrotada, revidou massacrando o Partido nacionalmente, particularmente em São Paulo, onde sua atuação foi mais destacada.
Cabe ainda atentar, que nessas ocasiões os prejuízos não ficaram circunscritos aos presos, mortos e estruturas atingidas. E eles se refletiram sobre o conjunto partidário. Cada desastre desses, traz sempre consigo um recuo geral dos militantes no cumprimento das tarefas, o desânimo, o abandono da luta, a desconfiança no Partido, nos seus dirigentes, e até mesmo no marxismo-leninismo.
Se não bastassem os ensinamentos do marxismo-leninismo e a rica experiência histórica do Movimento Comunista Internacional, tão só a dura e amarga vida de nosso Partido, não possibilita enganos quanto à absoluta necessidade do cumprimento das normas de segurança, e mais, do caráter clandestino desta Organização. Não é por mero acaso que a letra “i” do artigo 3º dos Estatutos, determina: “zelar pela segurança do Partido, não revelar seus segredos e comportar-se com firmeza diante do inimigo de classe”.
Nas condições presentes, uns hoje preferem “apostar” na abertura, e outros chegam ao limite de negar que ela sequer exista. Afinal, quais são as verdadeiras condições políticas em que vivemos, e como, nessas circunstâncias, deve conduzir-se o PCB?
A situação atual, caracteriza-se por um contínuo desgaste das bases política e social do Governo que, imensamente desgastado e no bojo de uma série crise econ6omica e social, não mais consegue utilizar regularmente, como vinha fazendo, uma violenta política repressiva e terrorista contra seus adversários e inimigos políticos, sendo forçado a fazer demagogia e concessões às massas, ao invés do “prendo e arrebento”. Mas, disso não podemos concluir, que o Governo Autoritário seja um “Tigre de Papel”, como pensam muitos equivocados. Apesar dos dentes velhos e cariados, ele ainda pode ferir e matar...
De outro lado, embora recebendo maciça votação popular, as oposições, além de fragmentadas, tem pouquíssima influência entre as massas, e ainda não se mostraram capazes de mobilizá-las e organizá-las a altura das necessidades presentes. E nessas críticas insere-se também o PCB. As lutas populares organizadas vem decrescendo de intensidade, a participação de massas nos atos de protesto tem sido insignificante, etc.
Em tal quadro, o apoio da burguesia e a posse do aparelho de Estado vem permitindo a esse Governo manter a iniciativa política e, mansa e pacificamente, por em prática toda sua estratégia e tática delineada na conferência do Gal. Golbery na ESG. Assim, fez aprovar uma lei de anistia dentro dos marcos de sua conveniência; extinguiu o MDB promovendo uma reforma partidária que possibilita a existência precária de alguns partidos, mas impede o pluri-partidarismo; adiou as eleições municipais, fez aprovar o Estatuto dos Estrangeiros, e arquivar as próprias prerrogativas parlamentares. Apesar de certa rebeldia passageira, consegue “eleger” as direções do Congresso Nacional. Expulsa ou condena padres, intervêm em sindicatos, e prende e condena dirigentes sindicais com base na LSN. E ainda, mantêm intactos e apoiados os aparelhos repressivos. As cínicas, conclusões do IPM do Rio-Centro, e a subsequente tentativa de envolver as esquerdas em geral nesse episódio, dão bem uma clara amostra da atual situação...
Nunca é demais repetir, que a única garantia do PCB contra a repressão e o retrocesso político, está na mobilização e organização das massas, particularmente, da classe operária. Por isso, devemos avançar e ocupar audaciosamente os espaços políticos, sem, contudo, abandonar, como vem sendo feito, os princípios da segurança e da clandestinidade partidária. Como cidadãos os comunistas são legais, como membros do Partido são rigorosamente clandestinos. Avançar, pois, preservando ao máximo as estruturas e os quadros.
Nessas condições, considero errônea a forma pela qual a luta pela legalização vem sendo conduzida. Essa é, sem dúvida alguma, uma das bandeiras mais democráticas de nosso povo, e reflete os superiores interesses da classe operária. Mas, a legalidade do Partido só pode se dar através da luta das massas, e numa situação em que a correlação de forças permita ao proletariado e seus aliados não só conquistá-la, como, sobretudo garantir sua continuidade. Seria no mínimo ingenuidade, para não dizer outra coisa, confiar numa legalidade concedida pelo inimigo de classe, e abrir estruturas e quadros ao conhecimento da reação sem o indispensável respaldo de massas. Sem tais requisitos, a legalização não passa de uma aventura, e mesmo de uma provocação aos militares direitistas.
E assim, pois, colocar a luta pela legalidade nas mãos do proletariado e das massas, nada tem a ver com abertura prematura de sedes; com a auto-legalização de militantes e direções; com o uso indiscriminado de telefones, inclusive daqueles sabidamente “grampeados”; com contatos e conversas “em tempo aberto”; com a insegura realização de conferências, etc. Tal processo está levando, para uma curiosa situação que outro dia bem definia um bom camarada: “Somos conhecidos da polícia e desconhecidos das massas ...” Yuktaka Mito.
Nessa linha de liberalismo e ilusão de classes inscreveu-se a conferência recentemente convocada. Decidida quando já se sabia da iminente convocação do VII Congresso, cujas teses, aliás, foram publicadas 30 dias depois, ela pressupunha sua repetição no curto prazo de seis meses, como vai acontecer. Diante disso, do duplo risco e duplo gasto, e, apesar de insistentemente alertadas por diversos dirigentes distritais, as direções em São Paulo não recuaram. Ora, para um Partido que levou 50 anos para fazer 6 congressos, será que não soa como exagero realizar duas conferências estaduais em 6 meses, e ainda nas presentes condições políticas?
Por outro lado, estava claro para todos – menos para as direções – que os exíguos prazos não possibilitariam uma aprofundada discussão como nossa situação requer, o que também se confirmou. Sua função essencial, assim, restringiu-se a eleições, numa clara subestimação ao papel dos militantes de base na crítica e formulação da política do Partido, que assim ficou reservada apenas à “elite”...
Comentam que nesse processo houveram recrutamentos aos magotes, sem qualquer critério de qualidade e segurança, o que possibilita a infiltração policial, além de provocar um rebaixamento (no já tão baixo) nível ideológico do conjunto do Partido.
Os prazos curtos foram publicados amplamente, e a conferência chegou a ser anunciada nos principais jornais e revistas do País, o que agravou, sobremaneira, as já precárias condições de segurança. Particularmente, numa ocasião na qual os DOI-CODI tinham todo o interesse em desviar as atenções sobre o inquérito do Rio-Centro. Diante de tudo isso, diversos dirigentes e delegados distritais insistentemente ponderaram as direções superiores em São Paulo, dos graves e desnecessários riscos que o Partido estava correndo, sem contudo lograr convencê-las.
Nesse contexto, uma dezena de delegados deixou de comparecer à conferência da cidade. Se é justo que ninguém pode subtrair-se ao centralismo democrático, a rígida e formal aplicação desse princípio neste caso, afigura-se como discutível. Seria correto usar abstratamente do centralismo democrático e voltas as costas à preservação das estruturas partidárias? Ademais, o fato de algumas pessoas haverem sido seguidas nos últimos dias, e os posteriores acontecimentos, só vieram confirmar que, de fato, inexistiam as mínimas condições de segurança para a conferência.
Alguns camaradas, acham que a posição correta dos delegados seria a de comparecer e lá, por formarem maioria, propor a suspensão da conferência. Outros, criticam os delegados porque sua ausência não contribuiu para a escolha de uma direção do comitê plenamente identificada com os princípios marxistas-leninistas, com uma posição de classe, o que era, no dizer deles, o anseio da maioria dos militantes. Sem dúvida que tais críticas e anseios são, por demais, justas e saudáveis. Entretanto, penso que agora clara possibilidade de “mapeamento” dos delegados e da nova direção invalidaria todo esse esforço e objetivos.
Assim, embora os acontecimentos, dia a dia, vem comprovando que são precárias nossas condições de segurança, não se nota uma reação frente a esse problema. Ao contrário, a prática atual, a falta de documento à respeito por parte das direções de São Paulo, a recusa em analisar e debater a fundo os acontecimentos de 75, indicam claramente uma concepção contrária a de partido clandestino, partido de classe, que assim, não necessita de observar normas de segurança. Prática e concepções que negam o trabalho ilegal, e, portanto, não há combinação a fazer com o legal. Quem afirma, que a tarefa fundamental são as eleições de 82 – e não a construção de um forte e numeroso partido na classe operária – está pensando numa organização para eleger parlamentares, nunca um partido de classe para dirigir a revolução proletária!
Precisamos compreender, no entanto, que tais desvios não são meramente gratuitos. Eles ocorrem não porque este ou aquele militante o queira ... Existem causas profundas que precisam ser estudadas e debatidas amplamente.
É certo que nos últimos 20 anos o extraordinário crescimento do capitalismo no Brasil, proporcionou à burguesia ótimas condições para intensificar a propaganda de sua ideologia em toda a sociedade, particularmente em São Paulo. E desse crescimento capitalista, surgiu uma enorme área de serviços, e uma camada média urbana quantitativa e qualitativamente expressiva. Tal camada, que tem acesso à cultura e aos meios de comunicação, intensificou também, a penetração da ideologia pequeno burguesa na sociedade. Não só por suas condições sociais, mas, ainda, inspirada nos exemplos do sistema socialista, nas idéias do socialismo, passou a ter uma crescente participação política, inclusive nas esquerdas onde é hoje amplamente majoritária, como o prova o exemplo do PCB.
Daí, o peso das posições direitistas, da ilusão de classe e do reboquismo frente à burguesia, de um lado, e de outro, o sectarismo e o desespero pequeno-burguês, que assistimos no movimento estudantil, na classe operária e em outras camadas. A solução desses problemas em nossas fileiras não será encontrada pela via administrativa como pensam alguns. Ela implica numa implacável guerra à ideologia burguesa, no combate sem trégua ao espírito pequeno-burguês. Sem uma intensa propaganda do marxismo-leninismo em nossas fileiras e na sociedade, sem uma firme política de educação de quadros, sem construir o Partido na classe operária, o PCB não avançará.
O VII Congresso é uma oportunidade de ouro para debatermos os princípios de segurança e clandestinidade. Para defendermos intransigentemente e ganharmos a maioria para a aceitação e prática dos conceitos leninistas do Partido. Por isso, todos aqueles que desejam transformar o VII Congresso num importante passo à frente em direção a superação de nossas debilidades, devem se concentrar com todo o entusiasmo na construção do Partido, especialmente na classe operária. Devem defender intransigentemente a unidade do Partido, porém, unidade feita à base dos princípios marxistas-leninistas. E, combater resolutamente a penetração da ideologia burguesa e o espírito pequeno-burguês.
Não tenho dúvidas de que enfrentamos a mais séria crise pela qual já passou o PCB. Entretanto, igualmente não duvido de que o vitorioso será o leninismo.
Junho
de 1981

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