Nova Indústria Brasil (Foto: Foto: Ricardo Stuckert / PR)
O processo dramático de desindustrialização precisa urgentemente ser revertido
23 de janeiro de 2024, 13:19 h
No entanto, a entrada na década de 1980 pôs uma pá de cal nesse modelo. Política industrial passou a ser uma expressão herética, em especial pelo fato de que ela exigia a presença ativa de financiamento e de linhas de crédito oferecidas pelos grandes bancos públicos. Esse tipo de aporte, por suas próprias características de setores estratégicos e inovadores, implicava a presença de subsídios públicos nos modelos de empréstimo e capitalização. Além disso, os arranjos adotados envolviam a preferência por grupos nacionais, de forma a internalizar os efeitos positivos da multiplicação do crescimento das atividades de forma geral. Enfim, tratava-se de um caldo que não rezava apenas pela obediência burra e cega às “livres forças de mercado”. Assim, tais afrontas aos dogmas da nova profissão de fé deveriam ser abolidas rapidamente. O Brasil cumpriu à risca as novas recomendações e imposições do financismo internacional em vários aspectos. Privatizamos um conjunto importante de setores e grupos de empresas estatais desde 1990. Incorporamos as regras da austeridade fiscal em nossos marcos legais, em especial a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000. Fernando Henrique Cardoso falou em enterrar a herança de Getúlio Vargas no governo em geral e no BNDES em particular. Ocorre que a partir da crise econômico-financeira de 2008/9 e depois da crise mais recente da COVID, os paradigmas extremos do neoliberalismo do próprio centro do capitalismo foram flexibilizados. A presença do Estado na economia deixou de ser encarada como um problema tão grave como anteriormente. A austeridade passou a ser relativizada e a política industrial voltou ao centro da agenda. Este é o panorama geral no qual deve ser compreendido o surgimento das diretrizes de neoindustrialização que o terceiro mandato de Lula tem apresentado ao País. Os primeiros passos foram dados logo no início de janeiro, com a recriação do Ministério da Indústria e Comércio (MDIC) e a consequente nomeação do Vice Presidente Geraldo Alckmin para o cargo. Com isso, foi restabelecido o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), contando com a participação de quase todos as demais pastas e entidades do mundo empresarial, dos trabalhadores e de pesquisa. Em julho de 2023 foi anunciado um plano de neoindustrialização, com a previsão de aporte de recursos da ordem de R$ 106 bilhões. No entanto, a maior parte das ações ainda não haviam sido encaminhadas até o final do primeiro ano do mandato.
Lula 3.0 e a neoindustrialização.
O segundo ato desse importante movimento foi dado no início desta semana. O governo realizou um evento de peso, com a presença de quase todos integrantes de primeiro escalão para anunciar o “Nova Indústria Brasil”, um Plano de Ação para a Neoindustrialização. Trata-se de um conjunto muito bem elaborado de diretrizes e linhas de ação voltados para recuperar o atraso que a nosso País enfrenta há muito tempo no setor. O processo dramático de desindustrialização precisa urgentemente ser revertido, para que se criem condições de se retomar os rumos de um modelo de desenvolvimento de médio e longo prazos. A nota destoante do evento, liderado pelo Presidente Lula, foi a ausência significativa de seu Ministro da Fazenda. O fato de Fernando Haddad não ter participado do lançamento lançou dúvidas e especulações a respeito dos motivos para tanto. O Plano foi concebido com uma metodologia bastante avançada e se implanta sobre as bases de “missões”. Esse procedimento permite a articulação de um conjunto de atores e mecanismos em torno de temas considerados prioritários para o processo de reindustrialização. São elas:
Missão 1 - Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética.
Missão 2 - Complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde;
Missão 3 - Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades;
Missão 4 – Transformação digital da indústria para ampliar a produtividade;
Missão 5 - Bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as gerações futuras.
Missão 6 - Tecnologias de interesse para a soberania e defesa nacionais
Além disso, o plano incorpora princípios que deverão nortear o conjunto de ações, programas e projetos do “Nova Indústria Brasil”. São eles:
I - inclusão socioeconômica;
II- equidade, em particular de gênero, cor e etnia;
III- promoção do trabalho decente e melhoria da renda;
IV- desenvolvimento produtivo e tecnológico e inovação;
V- incremento da produtividade e da competitividade;
O anúncio oficial menciona o total de R$ 300 bi em recursos para colocar o plano em movimento. No entanto, ali estão contabilizados os R$ 106 bi já destinados em julho e que ainda não foram dispendidos. Assim, trata-se de R$ 194 bi de recursos “novos” a serem gastos até 2026. A maior parte deste total deverá ser desembolsado pelo BNDES (80%) sob a forma de financiamentos e empréstimos, enquanto o restante será de responsabilidade de outros dois órgãos federias, a saber - FINEP e EMBRAPII.
Sucesso da “Nova Indústria Brasil”: fim da austeridade fiscal.
A maior dúvida que permanece dentre os analistas refere-se à capacidade de o governo federal conseguir realizar tais despesas de investimento. Afinal, o Novo Arcabouço Fiscal é um instrumento limitador dos gastos públicos, inibindo o crescimento das rubricas de dispêndios e de investimentos públicos. Além disso, o estabelecimento adicional da “meta zero” para o resultado fiscal primário de 2024 também deverá contribuir para dificultar ou mesmo impedir que os desembolsos previstos no “Nova Indústria Brasil” possam ser efetivados.
Mais uma vez, a possibilidade de este importante projeto sair do papel está nas mãos do Presidente Lula. Caso a meta fiscal seja mantida e as orientações conservadoras do Ministro Haddad em prol da austeridade não sejam corrigidas, muito dificilmente o ambicioso e necessário projeto de neoindustrialização sairá do papel. Não basta apenas apelar para o sentido de responsabilidade dos grupos empresariais. Enquanto não for recuperado o protagonismo do Estado no processo econômico, o capital permanecerá acomodado em seu canto, satisfeito com os ganhos proporcionados pelo parasitismo financista. E para isso, as amarras da austeridade fiscal devem ser superadas e deixadas de lado.
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Paulo Kliass
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal
Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.
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