quarta-feira, 22 de outubro de 2025

JANSEN : Cartão de Ponto (SREP) : Perguntas e Respostas


A Portaria MTE 1.510 de 21 de agosto de 2009 estabelece que o Sistema de Registro Eletrônico de Ponto 


- SREP é o conjunto de equipamentos e programas informatizados destinado à anotação por meio eletrônico da entrada e saída dos trabalhadores nas empresas, previsto no art. 74 da CLT. 


terça-feira, 1 de setembro de 2015         Jansen M. Cavalcante 

Registrador Eletrônico de Ponto - REP é o equipamento de automação utilizado exclusivamente para o registro de jornada de trabalho e com capacidade para emitir documentos fiscais e realizar controles de natureza fiscal, referentes à entrada e à saída de empregados nos locais de trabalho. 

O Ministério do Trabalho e Emprego divulgou em seu site uma lista de perguntas e respostas para melhor esclarecer sobre o assunto, abaixo reproduzidas: 

Perguntas e respostas Sobre as Novas Regras do Sistema de Ponto Eletrônico 

1. Quais são os principais pontos da Portaria MTE 1.510/2009? 

a. Proíbe todo tipo de restrição à marcação de ponto, marcações automáticas e alteração dos dados registrados; 

b. Estabelece requisitos para o equipamento de registro de ponto, identificado pela sigla REP (Registrador Eletrônico de Ponto); 

c. Obriga a emissão de comprovante da marcação a cada registro efetuado no REP; 

d. Estabelece os requisitos para os programas que farão o tratamento dos dados oriundos do REP; 

e. Estabelece os formatos de relatórios e arquivos digitais de registros de ponto que o empregador deverá manter e apresentar à fiscalização do trabalho. 

2. Quando a portaria entra em vigor? 

A Portaria MTE 1.510/2009 estabeleceu sua vigência a partir da data de sua publicação, 21/08/2009, exceto para o uso do REP, que se tornaria obrigatório após 1 ano, ou seja, a partir de 25 de agosto de 2010. No entanto, considerando a crescente demanda dos novos equipamentos, ocorreram várias outras prorrogações conforme tabela abaixo: 
........ 

3. Qual o prazo para a adaptação dos programas de tratamento dos dados de registro de ponto à portaria? 

A adaptação dos programas deve ser feita imediatamente. Como dito na questão precedente, a fiscalização terá caráter orientativo nos primeiros 90 dias de vigência da portaria. 

4. O uso de registro eletrônico de ponto passou a ser obrigatório? 

Não. O artigo 74 da CLT faculta o uso de registro de ponto manual ou mecânico. Porém, se o meio eletrônico for adotado, deverão ser seguidas as instruções da Portaria MTE nº 1.510/2009. 

5. Quais os principais requisitos do REP? 

a. Ter como finalidade exclusiva a marcação de ponto; 

b. Possuir memória das marcações de ponto que não possa ser alterada ou apagada; 

c. Emitir comprovante a cada marcação efetuada pelo trabalhador; 

d. Não possuir mecanismo que permita marcações automáticas ou restrições às marcações. 

6. O MTE especificará um modelo de referência de REP? 

Não. Cada fabricante de equipamentos deverá desenvolver seu equipamento. O MTE estabeleceu regras que devem ser seguidas, mas não especificará tecnologias para a implementação do REP. 

7. Quem atesta que o REP atende aos requisitos da Portaria MTE nº 1.510/2009? 

Órgãos técnicos credenciados pelo MTE serão responsáveis por certificar que os equipamentos atendem as normas vigentes, especialmente a Portaria MTE nº 1.510/2009. 

8. Será permitido o registro de ponto em terminal de computador? 

Não. O registro de ponto de forma eletrônica deverá ser feito obrigatoriamente por meio do REP. 

9. O empregador pode restringir o horário de marcação de ponto? 

Não. Nenhuma restrição à marcação é permitida. 

10. Se nenhum dado pode ser alterado ou apagado, qual o procedimento para marcações incorretas? 

O programa de tratamento admitirá a inserção justificada de informações, seja para a inclusão de marcação faltante, seja para a assinalação de marcação indevida. Porém, os dados originais permanecerão. 

11. O REP poderá emitir um comprovante de marcação de ponto por dia? 

Não. É obrigatória a emissão de um comprovante a cada batida. 

12. A emissão do comprovante é obrigatória desde já? 

Não. A emissão do comprovante só será exigida quando o uso do REP se tornar obrigatório. 

13. Após o prazo de 1 ano previsto na portaria, os equipamentos de registro de ponto que não sigam seus requisitos poderão continuar a ser utilizados? 

Não. Apenas serão permitidos os equipamentos certificados. 

14. Os relatórios e arquivos digitais, na forma padronizada prevista na portaria, já são obrigatórios? 

Sim, à exceção do Arquivo Fonte de Dados no formato previsto. Este, até que o REP torne-se obrigatório, será fornecido pelo empregador no formato produzido pelo equipamento atualmente em uso. 

15. Como o empregador poderá saber se o REP é certificado? 

Os equipamentos certificados serão cadastrados no MTE e poderão ser consultados por meio de seu sítio na internet. 

16. Haverá certificação para os programas de tratamento dos dados? 

Não. Caberá ao fornecedor dos programas garantir que estes atendem aos requisitos da portaria. Também cabe ao empregador usuário dos programas verificar a adequação destes à portaria. 

17. Quais os órgãos credenciados para a certificação de REP? 

O MTE está em processo de credenciamento dos órgãos. À medida que forem credenciados, o MTE fará divulgação por meio de seu sítio na Internet. 

18. Os fabricantes de REP deverão se cadastrar no MTE? 

Sim. O Cadastramento será feito pela internet, no sítio do MTE, em página que estará disponível em breve. 

19. Haverá cadastramento dos fornecedores de programas de tratamento de registros de ponto eletrônico? 

Não. Estes deverão apenas entregar ao empregador usuário Atestado Técnico e Termo de Responsabilidade, que deverá permanecer arquivado à disposição da Inspeção do Trabalho. 

20. O empregador poderá desenvolver o seu próprio Sistema de Registro de Ponto Eletrônico (SREP)? 

Sim, desde que atendidos todos os requisitos previstos na portaria. No caso do REP, este deverá seguir os procedimentos de certificação do equipamento e cadastramento no MTE. O programa de tratamento também poderá ser criado pelo empregador, neste caso o responsável técnico assinará o Atestado Técnico e Termo de Responsabilidade previsto na portaria, o qual ficará disponível para a fiscalização do trabalho. 

21. A portaria 1.510 trata do controle de acesso do empregado ao local de trabalho? 

Não. A portaria trata exclusivamente do controle de jornada de trabalho. O acesso ao local de trabalho, seja por catraca eletrônica ou qualquer outro meio, por empregados ou qualquer pessoa é determinado pelo poder diretivo do empregador sobre seu estabelecimento, respeitadas as restrições previstas na legislação. 

22. A portaria 1.510 franqueia ao empregado livre acesso ao local de trabalho, independente do horário? 

Não. O inciso I do art. 2º prevê que não haja qualquer restrição à marcação de ponto. A portaria não altera em nada o poder do empregador de controlar o acesso do empregado ao local de trabalho, nem de fazer cumprir a jornada do trabalhador. O SREP deve apenas registrar fielmente as jornadas efetivamente praticadas pelos empregados, ou seja os horários de início e término de jornada e de intervalos, quando não pré assinalados. 

23. A marcação de ponto poderá ser feita remotamente? 

Não. As marcações de ponto só poderão ser efetuadas diretamente no REP pelo empregado. 

24. O REP poderá se comunicar com outros equipamentos? 

Sim. O REP, desde que certificado por órgão técnico credenciado pelo MTE, poderá ser conectado a outros equipamentos, seja para enviar informações sobre os registros armazenados, seja para receber dados de identificação dos empregados para configuração. Dois pontos importantes a observar: 

a) O REP não pode depender de conexão externa para seu funcionamento, conforme inciso VII do art. 4º 

b) De acordo com o inciso VIII do art. 4º, não pode haver comunicação durante a marcação de ponto, compreendida como os passos descritos nas alíneas do inciso I do art. 7º- Ou seja, a comunicação com dispositivos externos só pode ocorrer quando o equipamento estiver em estado de espera e essa comunicação não deve afetar a disponibilidade do equipamento para que o trabalhador possa efetuar a marcação de ponto. 

25. O REP pode ter função de catraca eletrônica ou fazer parte dela? 

Não. O art. 3º prescreve que o REP será usado exclusivamente para o registro de ponto, portanto não pode ter outras funcionalidades. 

26. O REP deverá funcionar no mínimo 1.440 horas em caso de falta de energia? 

Não. O requisito de funcionamento de 1.440 horas em caso de falta de energia se aplica unicamente ao relógio interno do REP e não a todo o equipamento. 

27. Uma empresa poderá utilizar sistema eletrônico em um setor/estabelecimento e manual em outro? 

Sim. A Portaria 1.510/2009 disciplina apenas o sistema eletrônico. Não cria nenhuma restrição à utilização dos sistemas manuais e mecânicos. 

28. Poderão ser incluídas no REP informações sobre o horário de trabalho do empregado, férias, afastamentos, etc? 

Não. O REP serve unicamente como meio de marcação de ponto. Informações sobre o horário contratual do empregado e outras necessárias à apuração da jornada deverão estar disponíveis no Programa de Tratamento de Registro de Ponto. 

29. Se o horário do empregado não estará disponível no REP, como o equipamento identificará se uma marcação é de entrada ou de saída? 

O reconhecimento das marcações como entrada ou saída ao serviço será feita no Programa de Tratamento de Registro de Ponto com base na ordem em que são registradas. 

30. Uma vez que o empregado será identificado no REP pelo PIS, como fazer com o trabalhador recém admitido que ainda não possui número de PIS? 

Todo trabalhador precisa ter número de PIS, até para efeito de recolhimento ao FGTS e informação ao CAGED. Para o empregado de primeiro emprego, caso não possua PIS nos primeiros dias de trabalho, o controle poderá ser feito manual ou mecanicamente até que ele receba o seu número de PIS. 
Jansen Moreira Cavalcanti

Asteca Contabilidade, Assessoria e Consultoria

terça-feira, 7 de outubro de 2025

PT — uma história

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva 30/07/2024 (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

Comentários sobre o livro de Celso Rocha Barros


03 de setembro de 2024, 22:56 h


O PT é um partido sui generis ou uma típica agremiação social democrata de estilo europeu?

Quando o partido surgiu, os países centrais atravessavam mudanças fundamentais que afetaram sua base social tradicional de operários e trabalhadores de classe média: automação, novas técnicas de gestão, incorporação da telemática, fragmentação das cadeias produtivas, a crise fiscal do Estado, a queda da taxa média de lucro, a globalização e o neoliberalismo.

A social democracia estava no fim dos seus anos de glória iniciados ao fim da II Guerra Mundial. Se antes sua hegemonia impunha limites aos seus adversários, a partir da década de 1980 ocorreu o inverso. Afinal, quem implantou a política econômica neoliberal foi tanto a esquerda socialista de François Miterrand na França e Felipe González na Espanha, quanto a “nova” direita de Margaret Tatcher na Grã-Bretanha e de Ronald Reagan nos Estados Unidos.

Na América Latina o neoliberalismo se implantou na década seguinte com formas mais violentas. Quando os novos membros latino-americanos chegaram ao clube, carregaram o ônus da austeridade sem o bônus do Welfare State. Isso se traduziu num consenso frágil e efêmero que logo deu lugar à onda progressista do início do século XXI.

Por outro lado, a experiência de um partido de sindicalistas, católicos e grupos marxistas dissidentes afastou o PT nos anos 1980 de qualquer vínculo com o socialismo real. Embora a União Soviética ainda existisse e ninguém previsse seu fim próximo, ela também não oferecia mais um modelo de sociedade. Num contexto como aquele era de se esperar que os petistas recusassem tanto a chancela de comunistas como a de sociais democratas. A ideia de socialismo em suas sucessivas resoluções foi vaga e indeterminada.

O livro de Celso Rocha Barros perpassa os grandes debates internos dos anos 1980 e a travessia no deserto das derrotas da década de 1990. O autor mostra um PT que não estava predestinado a “dar certo”. Em alguns momentos ele repete: “o PT era muito fraco”; “o PT tinha tudo para dar errado”. Observa as crises das primeiras gestões municipais em virtude da divisão interna, indefinições ideológicas e falta de experiência. Celso Rocha Barros considerou um erro o PT não ter ido ao Colégio Eleitoral em 1985 e mostra que o PDT ajudou a eleger indiretamente Tancredo Neves e, ainda assim, foi competitivo em 1989, quase indo ao segundo turno.

Para o autor a disputa entre Lula e Leonel Brizola mostrava que a ascensão do PT a principal partido de esquerda brasileiro não era algo dado de antemão e se Brizola tivesse vencido em 1989 formaria um partido de âmbito nacional a partir do Estado e de cima para baixo, seguindo a velha tradição trabalhista. Ao mesmo tempo, Leonel Brizola não venceu exatamente porque não tinha aquele partido: “Embora o PT estivesse longe de ser a máquina bem ordenada das décadas seguintes, já era capaz de oferecer um mínimo de estrutura a Lula” (p. 155).

Leonel Brizola teria que resolver a quadratura do círculo, isto é: chegar ao poder para ter um partido, mas antes ter o poder para criar um partido. Esqueceu que Getúlio Vargas foi o revolucionário de 1930 antes de criar o PTB e ser o candidato de 1950. A votação de Brizola foi expressiva no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, Estados que ele já havia governado, mas teve 1,5% dos votos paulistas. Conclui o autor: “Ninguém se torna presidente do Brasil com apenas 1% do eleitorado paulista” (p. 156). Para ele, “parte importante do crescimento petista em sua origem havia se dado por conta do espaço vazio que Getúlio Vargas havia deixado em São Paulo” (p. 157).

O fato é que em 1989 o PT venceu o PDT no primeiro turno, mas não foi capaz de vencer o candidato direitista no segundo turno. O autor questiona a recusa do apoio de Ulysses Guimarães que, para ele, provavelmente teria garantido a vitória de Lula (p. 159), apesar da pífia votação obtida pelo PMDB.

A narrativa do livro reforça a abordagem típica da ciência política de que, inicialmente, o PT foi um partido operário e da classe média progressista que se espraiou a partir das greves metalúrgicas do ABC paulista e do seu entorno político. Entretanto, houve também a experiência de um partido que brotou em diversos pontos do país a partir de movimentos locais próprios. Ainda assim, a importância da Igreja Católica progressista e sua abrangência nacional foram bem aquilatadas no livro de Celso Rocha Barros. Como ele disse: a importância do catolicismo para a história do PT “é imensa” e os católicos, enquanto grupo, não se deixaram absorver pelo PT ou por suas tendências. O autor registra também as primeiras organizações de homossexuais e sua dinâmica interna, o movimento negro e o das mulheres.

A principal tese do autor é a de que “a história do PT deve ser entendida como parte do movimento global de formação de partidos operários, que (…) engendrou grandes legendas sociais democratas” (p. 54). Ele cita dois historiadores marxistas em apoio a essa ideia: Perry Anderson e Eric Hobsbawm. Para Celso Rocha Barros, no início da década de 1990 “o PT iniciara sua transformação em um partido de massas, semelhante aos partidos europeus baseados em sindicatos, que priorizaria vencer as eleições” (p. 181).

Celso desenvolve, em diálogo com meu livro História do PT, a tese de que o PT teve muito menos tempo para o seu aggiornamento social democrata do que os partidos europeus e expandiu sua base eleitoral não para a classe média e sim para os trabalhadores informais e de baixa renda. O que fez toda a diferença na sua história a partir do século XXI. Mas Celso Rocha Barros acrescenta àquela ideia, adstrita às classes sociais, a dimensão política. Ele demonstra que “o centro do qual os social democratas europeus se aproximaram no século XX era muito menos hostil à esquerda do que o centro em direção ao qual o PT tentaria se mover a partir dos anos 1990” (p. 183).

A social democracia remonta ao século XIX, mas sua experiência de governo decisiva (com algumas exceções) é posterior à Segunda Guerra Mundial e coincide com os trinta anos de crescimento econômico mundial. Essa experiência em muitos casos foi mais indireta do que direta. Fora da Escandinávia solidamente social democrata o Welfare State foi erguido por conservadores acuados pelos sindicatos e partidos reformistas da esquerda.

Em algum momento dos anos 1950 os políticos no poder dos principais países que representaram o pacto social democrata eram conservadores: Harold MacMillan (Gran Bretanha), De Gaulle (França), Adenauer (Alemanha Ocidental), Diefenbaker (Canadá) e os primeiro ministros democrata-cristãos italianos. Nenhum ousou desmantelar políticas sociais e a presença de uma oposição de esquerda de massas foi a condição sine qua non para isso.

Em nosso caso, Celso Rocha Barros diz: “Se o PSDB tivesse vencido a eleição de 2002, é provável que também utilizasse ao menos parte do crescimento proporcionado pelas commodities para retomar o investimento público (…). Por mais que petistas e tucanos reclamem da conclusão, os investimentos realizados pelos governos do PT e o ajuste da década de 1990 formam uma sequencia natural e de razoável sucesso” (p. 280).

Exatamente por isso, a visão que o autor tem do papel de Antonio Palocci é a de que foi “um dos grandes ministros da fazenda da história do Brasil” (p. 269) que ao sair do governo deixou a situação fiscal equilibrada, encaminhou reformas microeconômicas (da previdência à lei de falências), juros em queda e a dívida atrelada ao câmbio zerada. José Dirceu não teve a mesma sorte porque não teria havido um “plano real do sistema político”.

O autor elaborou uma síntese notável. Passamos assim pelo Plano Real e as mega privatizações que mudaram a estrutura patrimonial do capitalismo no Brasil (para o autor algumas delas foram boas, como no caso da telefonia; outras foram menos vantajosas, como a da Vale). Assistimos ao PSDB e ao PT tentando “comandar o atraso” do PFL, PMDB e agregados menores; o estelionato eleitoral de 1998, a vitória de Lula em 2002 e, a partir daí, uma história que é menos a do partido e mais a do governo e dos seus interlocutores políticos. Abandonamos os calorosos confrontos dos congressos do PT e viajamos para Brasília.

O autor sustenta essa opção no fato de que o “escândalo do mensalão” e a queda de Dirceu e Palocci deixaram o partido totalmente à mercê do Palácio do Planalto. Há uma ótima discussão da combinação do tripé macroeconômico tucano (câmbio livre, superavit primário e metas de inflação) com as fundamentais políticas sociais petistas, da retomada do papel indutor do Estado no segundo mandato do PT e da Nova Matriz Econômica de Dilma Rousseff. Tudo em linguagem para mortais e não para economistas.

A escrita ganha velocidade a partir da crise de junho de 2013 que, para o autor, não encontrou “expressão política institucional significativa” (p. 315). Aqui surge uma tese polêmica. A apropriação de grande parcela do rescaldo de junho pela direita é um fato. O Movimento Brasil Livre (MBL) foi o exemplar mais característico. Contudo, diz o autor que “Essa ‘nova direita’ poderia ter sido um fenômeno positivo. Por mais toscas que fossem suas formulações, era um embrião de uma direita política formada fora do Estado, o que era raro na história brasileira[i]. Se a democracia do país continuasse se consolidando, esse radicalismo de direita poderia ter sido canalizado em um projeto político consistente, como havia ocorrido com o PT ao longo de décadas” (p. 324).

Mas aconteceu algo que mudou tudo: o fracasso da austeridade fiscal do terceiro governo petista, a decepção de parte da sua base social e a disputa com o Congresso abriram uma crise de governo. Segundo o autor (p. 328), em março de 2016 o MBL percebeu uma movimentação nas redes virtuais em favor de atos contra Dilma Rousseff e deduziu que fosse uma iniciativa do Psol. Para se antecipar e roubar daquele partido a bandeira de uma oposição alternativa ao PT, o MBL convocou as manifestações de 15 de março de 2016, dando início ao processo que levaria ao golpe de 2016. Celso reconhece que o impeachment foi uma “falcatrua, uma manobra espúria”, mas não um golpe. Para ele, essa palavra deve ser preservada para designar o “tipo de coisa” que Jair Bolsonaro tentou fazer no Brasil: “uma intervenção violenta, seja da parte do Exército, das polícias ou de milícias particulares, para estabelecer um governo inconstitucional” (p. 345).

Estruturado em 16 capítulos, o livro não tem uma periodização explícita. Apesar da extensão (afinal são quase 500 páginas), acompanhamos a trajetória do PT desde a fundação até o início da campanha de 2022 conduzidos por um autor que lida com recursos novelescos, usa o flash back quando introduz suas personagens, a primeira pessoa se necessário e a segunda pessoa para invocar a cumplicidade com quem lê as partes mais intrincadas das disputas internas do PT. Ele percorreu inúmeras fontes, teses, livros, artigos de jornal e, particularmente, entrevistas com dirigentes do PT, políticos de outros partidos, técnicos do governo, acadêmicos e jornalistas.

Ao fim parece haver a saudade de um mundo político que não subsistiu. O autor se situa numa zona comum de (des) entendimento entre tucanos e petistas. Intelectualmente honesto, Celso Rocha Barros expõe suas contribuições sem deixar de reconhecer outras. Fez um livro acima de tudo aberto ao debate.


*Lincoln Secco é professor do Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de História do PT (Ateliê). [https://amzn.to/3RTS2dB]

Publicado originalmente na Revista Teoria e Debate

Referência

Celso Rocha Barros. PT: uma história. São Paulo, Companhia das Letras, 2023, 486 págs. [https://amzn.to/3XoD8yd]



Lincoln Secco

Professor do deLipartamento de história da USP, é autor, entre outros livros, de História do PT (Ateliê)


Lincoln Secco
Professor de História da USP é autor, entre outros livros de História do PT (Atelie)

Brasil 247

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

João Nogueira o mestre do samba


João Nogueira foi muito mais que um cantor: ele foi um verdadeiro embaixador do samba, um artista que trouxe a essência do subúrbio carioca para o Brasil inteiro. 


Nascido em 1941, no bairro do Méier, no Rio de Janeiro, cresceu entre rodas de samba, blocos carnavalescos e o ambiente popular que moldaria sua alma de compositor. Desde cedo, encantava-se com os versos e melodias que surgiam dos quintais, e logo se tornou um dos grandes nomes da geração de sambistas pós-Cartola.

A Criação do Clube do Samba

Nos anos 1970, incomodado com o descaso da indústria fonográfica e da mídia em relação ao samba, João fundou o Clube do Samba em sua própria casa, em 1979. A ideia era simples e genial: reunir sambistas, jornalistas e fãs apaixonados para valorizar e fortalecer o gênero. Foi nesse espaço democrático que se encontraram nomes como Clara Nunes, Beth Carvalho, Martinho da Vila, Candeia, Zeca Pagodinho, entre tantos outros. O Clube do Samba tornou-se uma verdadeira trincheira cultural e ajudou a manter viva a chama do samba em tempos de adversidade.

O Cantor e o Poeta

Com uma voz marcante e um jeito elegante de interpretar, João imortalizou canções como “Espelho”, “Clube do Samba”, “Poder da Criação” e “Súplica”. Seus versos eram profundos e ao mesmo tempo populares, tocando a vida do povo com lirismo e simplicidade. Era também um sambista de personalidade: não se curvava às imposições do mercado e fazia questão de cantar a vida real, as dores e alegrias do brasileiro.

O Legado Continuado pelo Filho

João Nogueira partiu cedo, em 2000, mas deixou um legado que segue vivo através de seu filho, o também cantor e compositor Diogo Nogueira. Diogo cresceu cercado de pandeiros, cavaquinhos e violões, herdando do pai o amor incondicional pelo samba. Hoje, é um dos nomes mais respeitados da nova geração, levando adiante a bandeira que João ergueu com tanto orgulho. O filho chegou a gravar sucessos do pai, mantendo o elo entre passado e presente e mostrando que o samba é, acima de tudo, herança cultural e afetiva.

Curiosidades Contagiantes

João Nogueira também foi advogado, embora sua verdadeira vocação fosse a música.
Seu samba “Espelho” é uma das mais belas reflexões sobre a relação entre pai e filho na música brasileira.
O Clube do Samba não era só música: era um ponto de resistência, onde se discutia política, cultura e identidade nacional.
João era torcedor apaixonado do Botafogo, e não escondia esse amor em suas entrevistas.
Diogo Nogueira, anos depois, confessou que foi no Clube do Samba, ainda menino, que entendeu o verdadeiro significado do que o pai havia construído.

João Nogueira deixou muito mais que músicas: deixou um movimento de valorização cultural e um filho que segue iluminando os palcos do Brasil. Seu nome ecoa como sinônimo de poesia, resistência e autenticidade no samba.

Repique de Mão
Música

terça-feira, 29 de julho de 2025

Mapa da Fome e Mapa dos Juros


Sede do Banco Central, em Brasília - 17/12/2024 (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

Saímos do Mapa da Fome, mas seguimos presos ao Mapa dos Juros, onde a austeridade recai sobre os pobres e a generosidade se reserva aos rentistas

29 de julho de 2025, 12:18 h

O Brasil saiu novamente do Mapa da Fome, de acordo com informações divulgadas pela “Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura” (FAO/ONU). A novidade foi apresentada durante o evento denominado 2ª Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, realizado no final de julho na Etiópia. A primeira vez que tal fato ocorreu foi em 2014, quando o país apresentou resultados de políticas públicas que permitiram sua retirada do Mapa da Fome. Essa importante conquista havia sido alcançada depois de uma sequência de 11 anos de programas governamentais iniciados no primeiro mandato de Lula, em 2003. Um dos instrumentos mais conhecidos para tal feito é o Programa Fome Zero.

No entanto, logo depois do golpe do impeachment contra a presidente Dilma, levado a cabo em 2016, o Brasil passou a ser governado por uma orientação ultraconservadora em termos de política econômica. Com Michel Temer no Palácio do Planalto e Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda, tem início a implementação de medidas de rigidez fiscal e de redução do espaço do Estado na atividade econômica. Dentre uma série de retrocessos que foram perpetrados, salta aos olhos a retomada da concentração de renda e da redução da importância das medidas dirigidas à grande maioria da população.

Brasil e o Mapa da Fome - Assim, os dados levantados pela FAO concluem pelo retorno do Brasil ao Mapa da Fome durante o triênio 2018/20. A eleição de Jair Bolsonaro e a nomeação de Paulo Guedes para o superministério da Economia levaram ao aprofundamento dessa tendência, com redução significativa nas condições de vida da maioria da população. Com isso, foram necessários dois anos após o retorno de Lula à Presidência da República para que, mais uma vez, o país estivesse retirado de tal condição.

Esse marco deve, obviamente, ser comemorado. Apesar de todas as consequências negativas trazidas pela manutenção da lógica da austeridade fiscal desde 2023 e apesar da permanência do arrocho na política monetária desde então, o fato é que ainda restou alguma parcela da abrangência da política econômica conservadora de Fernando Haddad para reduzir a fome de nossa população. Esse procedimento envolve a utilização do indicador “Prevalência de Subnutrição” para avaliar as condições da população em termos nutricionais.

Esse indicador busca identificar o percentual da população em risco de subnutrição, isto é, que não tem acesso regular a alimentos em quantidade suficiente para uma vida saudável. Se esse percentual ficar acima de 2,5% da população, isso significa que o país está no Mapa da Fome. O índice é calculado a partir de três variáveis: i) quantidade de alimentos disponíveis no país, considerando produção interna, importação e exportação; ii) o consumo de alimentos pela população, considerando as diferenças de capacidade de aquisição (a renda); e iii) a quantidade adequada de calorias/dia, definida para um “indivíduo médio” representativo da população. Como o cálculo envolve a definição de uma média trienal, os dados divulgados agora referem-se ao período entre 2022 e 2024. Assim, é razoável imaginar que os próximos anos mantenham tal tendência de um percentual abaixo de 2,5%.

Apesar do inequívoco avanço representado pela novidade, o fato é que ainda permanece um longo caminho a ser percorrido na busca de melhores condições alimentares e nutricionais para nossa população. Assim, por exemplo, permanece bastante elevado o percentual de pessoas incapazes de ter renda suficiente para uma alimentação saudável. Apesar de tal índice ter apresentado queda nos últimos anos, em 2024 ele estava próximo a 24% da população, ou seja, mais de 50 milhões de pessoas. Além disso, a qualidade da alimentação também ainda deixa muito a desejar, uma vez que os índices de obesidade apresentaram uma elevação expressiva ao longo da década entre 2012 e 2022: de 19% para 28% da população.


Fonte: STN(Photo: Reprodução)Reprodução

Brasil e o Mapa dos Juros - O fato de o Brasil ter saído do Mapa da Fome, porém, não implicou mudança alguma no que se refere ao Mapa dos Juros. Conhecido por sua trágica marca de país de imensa desigualdade socioeconômica e de expressiva concentração de renda e patrimônio, por aqui a farra com a gastança do orçamento público pelos setores da elite se mantém em ritmo crescente. Caso levemos em consideração o mesmo triênio utilizado para retirar o Brasil do Mapa da Fome, perceberemos uma impressionante elevação dos gastos com juros no total do PIB. Entre 2022 e 2024, as despesas financeiras da União cresceram em torno de 62%, saindo de R$ 586 bilhões para atingir R$ 950 bilhões


 .Fonte: STN(Photo: 


Outra leitura desse mesmo fenômeno pode ser observada a partir do peso que tais despesas representam no Produto Interno Bruto do país. Considerando o mesmo triênio utilizado pela FAO, percebe-se que houve um aumento de 46% no indicador que mede a participação do volume de dispêndios com juros da dívida pública sobre o PIB. Ele sai de 5% em 2022 e atinge 7,3% em 2024. Este último, aliás, é o maior índice nos 28 anos de apuração da informação pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), desde o início da série em 1997.


Fonte: STN(Photo:

Assim, o Mapa dos Juros apresenta uma evolução crescente ao longo de todo o período, fato que pode também ser confirmado pela linha de tendência do gráfico abaixo. A fase aqui apresentada tem início com 2% em 1997 e se encerra em 2024 com 7,3%. Tal evolução apresenta etapas de crescimento e recuos, mas com a tendência de elevação permanente. Entre 2002 e 2003, por exemplo, o crescimento foi superior a 100%, saindo de 2,8% para 5,9%. Já entre 2012 e 2015, o aumento foi ainda maior, saindo de 3,1% para 6,6%. Finalmente, a fase mais recente registra a subida de 3,5% em 2020 para 7,3% em 2024, o que significa um crescimento de 109% na participação do volume de gastos com juros no PIB.

A avaliação dos dois mapas acima expostos nos revela a dura realidade de como as políticas públicas são tratadas no Brasil. De um lado, um governo que se propõe progressista oferece efetivamente avanços positivos em um quesito fundamental da dignidade humana e da cidadania. A retirada do Brasil do Mapa da Fome neste terceiro mandato de Lula representa um inegável avanço civilizacional. No entanto, tal processo convive com o injustificável avanço do Mapa dos Juros. Se o que se busca é uma diretriz estratégica de governo que aponte para a redução das desigualdades e da concentração de renda e de patrimônio, o fato é que essa dualidade revela a absoluta falta de isonomia na alocação de recursos públicos no tratamento das duas questões.

As políticas públicas que concorrem para a melhoria das condições de vida da maioria da população encontram-se no lado da contabilidade fiscal “primária” e estão submetidas desde sempre ao controle da austeridade fiscal. Ainda que os fatos apresentem melhorias pontuais, como a recente e importante saída do Mapa da Fome, o fato é que o potencial de evolução dessa tendência é constantemente reprimido pela contenção das despesas não financeiras. Quer seja pelos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, pelo extinto Teto de Gastos ou pelo atual Arcabouço Fiscal, a lógica se mantém pela redução sistemática de despesas não financeiras.

Já o comportamento que o Estado brasileiro oferece à parcela bastante reduzida que integra os grupos do topo de nossa pirâmide da desigualdade é exatamente o oposto. Os gastos com o pagamento de juros aos detentores dos títulos da dívida pública brasileira não estão submetidos aos controles draconianos da austeridade fiscal. Para os dispêndios com esse tipo de rubrica, não há limite, nem teto, nem contingenciamento. Trata-se da conta orçamentária que apresenta o maior volume de déficit. Por exemplo, entre o início de 1997 e o mês de maio de 2025, a União gastou o equivalente a R$ 11,1 trilhões a esse título. Ou seja, um volume astronômico que se destinou, em sua maior parte, a fundos de investimento, bancos, instituições financeiras e seguradoras.

Além de comemorar a saída do Mapa da Fome, é fundamental que o governo brasileiro estabeleça medidas e políticas públicas com o objetivo de redesenhar o vergonhoso Mapa dos Juros. A mais importante delas é, sem dúvida alguma, a orientação para redução da taxa oficial de juros, a Selic. Afinal, dentre inúmeras outras consequências negativas em termos econômicos e sociais, a manutenção de tais níveis estratosféricos da mesma impacta diretamente o estoque de endividamento, provocando esse monumental volume anual de juros que são desviados do orçamento da União para um grupo reduzido de privilegiados em nossa sociedade.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.





Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal



Brasil 247

sábado, 26 de julho de 2025

Assalto ao quartel de Moncada: As razões revolucionárias


O assalto ao Quartel de Moncada, em 26 de julho de 1953, portanto completando hoje 72 anos, foi um dos principais acontecimentos que antecederam a revolução cubana. A ação envolveu 131 jovens (eram 135 mas quatro desistiram pouco antes). Eles foram organizados e liderados por Fidel Castro, Abel Santamaría e Raúl Castro, e tinham por objetivo desencadear a luta armada contra a ditadura de Fulgêncio Batista.


Por Wevergton Brito Lima*

Antes de partir para a ação, Fidel fez um último discurso a seus camaradas:

“Companheiros: Poderemos vencer dentro de poucas horas ou sermos vencidos, mas em todo caso, ouçam bem, companheiros, o movimento triunfará de qualquer forma. Se vencermos amanhã, será mais cedo do que Martí esperava. Se ocorrer o contrário, nosso gesto servirá de exemplo ao povo de Cuba, para tomar a bandeira e seguir adiante, o povo nos apoiará no oriente e em toda a ilha. Jovens do Centenário do Apóstolo! Como em 68 e 95, aqui no oriente damos o primeiro grito de Liberdade ou Morte! Vocês já conhecem os objetivos do plano. Sem dúvida alguma é perigoso, e todo aquele que saia comigo esta noite deve fazê-lo por sua vontade absoluta. Ainda está em tempo de decidir. Alguns terão que ficar por falta de armas, aqueles que estão determinados a ir, deem um passo à frente (foi este o momento em que quatro desistiram, Nota do Autor). A consigna é não matar, a não ser como última necessidade“.

Quartel de Moncada crivado de tiros.

A heroica iniciativa resultou em uma derrota militar. O Quartel de Moncada abrigava mil homens fortemente armados e o fator surpresa, fundamental para o sucesso da ação, por uma série de imprevistos não se concretizou. Outros 28 jovens atacaram, conforme os planos, o quartel Carlos Manuel de Céspedes, em uma ação que igualmente fracassou. Mesmo assim, o assalto aos quartéis Moncada e Céspedes foi o motor impulsionador e inspirador das ações futuras que redundaram na Revolução Cubana.

Seis revolucionários morreram no momento da ação. Outros 55, feitos prisioneiros ou capturados em seguida, foram torturados e assassinados, entre eles o segundo no comando do ataque, Abel Santamaria, de 25 anos.

Poucos rebeldes conseguem escapar da furiosa onda repressiva. Fidel e Raúl afinal são presos e condenados, assim como outros companheiros, a pesadas penas de prisão. No entanto, a simpatia popular cresce em torno dos jovens patriotas e em 1955 os presos políticos são anistiados e exilam-se no México, onde formam o Movimento 26 de Julho.

Rebeldes libertados em maio de 1955

Regressam a Cuba em Dezembro de 1956, a bordo do iate Granma e dão início à guerrilha contra o regime a partir da Sierra Maestra. A Revolução triunfa em 1º de janeiro de 1959.

Para Fidel, não haveria revolução sem Moncada:

“Em primeiro lugar (Moncada) iniciou um período de luta armada que não terminou até a derrota da tirania, e em segundo lugar criou novas lideranças e uma nova organização que repudiava o conformismo e o reformismo, que eram combatentes e decididos e que no próprio julgamento levantaram um programa de transformações socioeconômicas e políticas exigidas pela situação em Cuba“.

Em 2003, Fidel faz um discurso em homenagem aos 50 anos do Assalto aos Quartéis de Moncada/Céspedes e citou trechos selecionados de sua histórica autodefesa (“A história me absolverá”) pronunciada durante o julgamento que a tirania de Batista promovia contra os sobreviventes do ataque aos Quartéis em 16 de outubro de 1953. Eis os trechos selecionados pelo próprio Fidel:

“600 mil cubanos estão sem trabalho.”

“500 mil camponeses trabalham quatro meses por ano e passam fome no restante.”

“400 mil trabalhadores industriais e braçais cujas pensões estão desfalcadas, cujas moradias são os infernais quartinhos dos cortiços, cujos salários passam das mãos do patrão às do vendeiro, cuja vida é o trabalho perene, e cujo descanso é a tumba.”

“10 mil profissionais jovens: médicos, engenheiros, advogados, veterinários, pedagogos, dentistas, farmacêuticos, jornalistas, pintores, escultores etc. saem das escolas com seus diplomas, ansiosos por luta e cheios de esperança, para ver-se num beco sem saída, com todas as portas fechadas.”

“85 por cento dos pequenos agricultores cubanos estão pagando arrendamentos e vivem sob a constante ameaça do desalojamento de seus lotes.”

“200 mil famílias camponesas não têm um pedaço de terra onde semear alimentos para seus filhos famintos.”

“Mais da metade das melhores terras de produção cultivadas está em mãos estrangeiras.”

“Cerca de 300 mil ‘caballerías’ (mais de três milhões de hectares) permanecem sem cultivar.”

“Dois milhões e duzentas mil pessoas de nossa população urbana pagam aluguéis que consomem entre um quinto e um terço de seus rendimentos.”

“Dois milhões e oitocentas mil pessoas de nossa população rural e suburbana não têm luz elétrica.”

“Às escolinhas públicas rurais comparecem, descalças, seminuas e desnutridas, menos da metade das crianças em idade escolar.”

“90 por cento das crianças do campo estão cheias de vermes.”

“A sociedade permanece indiferente diante do assassinato em massa de milhares e milhares de crianças que, todos os anos, morrem por falta de recursos.”

“Entre os meses de maio e de dezembro, um milhão de pessoas se encontram sem trabalho em Cuba, com uma população de cinco milhões e meio de habitantes.”

“Quando um pai de família trabalha quatro meses por ano, com que poderá comprar roupas e medicamentos para seus filhos? Crescerão raquíticos, aos 30 anos não terão um dente saudável na boca, terão ouvido dez milhões de discursos, e no final morrerão de miséria e decepção. O acesso aos hospitais públicos, sempre repletos, só é possível mediante a recomendação de um magnata político, que exigirá do infeliz seu voto e o de toda a sua família, para que Cuba continue sempre igual ou pior.”

“O futuro da nação e a solução de seus problemas não podem continuar dependendo do interesse egoísta de uma dúzia de financistas, dos frios cálculos de lucros traçados por dez ou doze magnatas, em seus escritórios com ar-condicionado. O país não pode continuar de joelhos, implorando os milagres de uns poucos bezerros de ouro que, como aquele do Velho Testamento derrubado pela ira do profeta, não fazem nenhum milagre. […] E não é com estadistas cujo estadismo consiste em deixar tudo como está e passar a vida gaguejando bobagens sobre a ‘liberdade absoluta da empresa’, ‘garantias ao capital investido’ e a ‘lei da oferta e da procura’ que serão resolvidos tais problemas.”

“No mundo atual, nenhum problema social se resolve por geração espontânea.”
O Quartel de Moncada hoje é uma cidade universitária / Foto: Roberto Merino

Esta seleção mostra perfeito domínio da realidade concreta do povo, profundo apego aos seus anseios como motor primário para a ação e descortino sobre as causas e soluções dos problemas.

Mais do que isso, revela a completa atualidade da opção revolucionária.

Transcorridos 65 anos desta defesa/denúncia de Fidel, constata-se que as razões que motivaram a juventude cubana no assalto aos quartéis de Moncada e Céspedes ainda retratam a triste realidade de boa parte do Brasil e do mundo.

* Wevergton Brito Lima é jornalista, secretário-geral do Cebrapaz