quarta-feira, 24 de abril de 2024

A chantagem do financismo

Luiz Inácio Lula da Silva e bolsa de valores (Foto: Ricardo Stuckert - PR / Amanda Perobelli - Reuters)
 

"Parcela das classes dominantes e da grande imprensa já parece ter percebido a oportunidade de desgastar ainda mais o governo"


23 de abril de 2024, 12:18 h


“Cría cuervos y te sacarón los ojos” - Este é um ditado espanhol que exprime bastante bem a situação vivida atualmente pelo governo Lula 3.0 em sua relação com os representantes do financismo em nosso País. Como já amplamente discutido em artigos anteriores, as dificuldades todas começaram ainda antes da posse em 1 de janeiro do ano passado. Os representantes do sistema financeiro não haviam conseguido emplacar nenhum candidato ao Planalto com densidade eleitoral pelo campo da então chamada “terceira via” no pleito de outubro de 2022.

A polarização que se instaurou para o segundo turno fez com que o desgaste experimentado pelo quadriênio que se encerrava com Bolsonaro fosse objeto de muitas críticas, mesmo aquelas vindas de parte de setores que haviam apoiado sua candidatura em 2018. Apesar da simpatia e da concordância com as políticas levadas a cabo pelo super Ministro da Economia, Paulo Guedes, o povo da finança desta vez preferiu mudar de campo e terminou por favorecer a vitória de Lula. A estratégia era claramente a de emplacar um Ministro da Fazenda que fosse da confiança da turma da Faria Lima. Quando o presidente eleito optou por Fernando Haddad para o posto, o financismo percebeu a oportunidade de sequestrar o restante da política econômica para seus próprios interesses. Isso porque a política monetária já estava garantida com uma diretoria do Banco Central (BC) toda ela indicada pelo governo anterior.

A partir daquele instante, Haddad ganha protagonismo e recebe carta branca de Lula para negociar a transição entre governos e preparar as linhas mestras daquilo que viria ser a política econômica para o período 2023/26. Assim, o ex professor da Faculdade de Filosofia da USP se transfigura cada vez mais no atual professor do INSPER, uma das mecas do financismo no ensino superior brasileiro. Ele prepara a PEC da Transição com o objetivo declarado de assegurar recursos orçamentários para o primeiro ano do terceiro mandato, mas introduz o primeiro contrabando no programa que havia sido escolhido pela população. Ao invés de simplesmente revogar a Emenda Constitucional nº 95 do teto de gastos, que havia sido introduzida por Temer/Meirelles em 2016, Haddad sugere que a mesma só deixaria de ter validade no momento em que o Congresso Nacional aprovasse o “Novo Arcabouço Fiscal”.

Cortes, cortes e mais cortes nas despesas sociais - Assim, após negociar apenas com o Presidente do BC, o bolsonarista Roberto Campos Neto, e com meia dúzia de presidentes de bancos privados, o Ministro da Fazenda encaminha a Lula um projeto que se transformaria na atual Lei Complementar nº 200. Apesar de ter revogado os dispositivos draconianos do teto de Temer, as novas regras mantêm o espírito do austericídio e impedem a recuperação das despesas públicas e dos investimentos governamentais, itens absolutamente fundamentais para que Lula consiga cumprir com suas promessas de campanha e atenda às necessidades da grande maioria da população.

O namoro de Haddad com a nata do financismo prossegue e em diversas oportunidades ele se manifesta a favor do interesse dos banqueiros. Assim foi quando tentou impedir que a valorização real do salário mínimo fosse efetivada no primeiro semestre de 2023 - neste caso Lula entrou na disputa e assegurou que o valor fosse reajustado para R$ 1.520, ao invés de apenas R$ 1.502, como queria o ministro. Além disso, a verdadeira obsessão com a austeridade fiscal que parece ter tomado conta do corpo e do espírito de Hadad fez com que o mesmo se recusasse a flexibilizar as metas de inflação para permitir uma redução da taxa oficial de juros. E também levou o governo a se comprometer com uma meta, tão equivocada quanto irrealista, de zerar o superavit primário para 2024.

Ora, segundo o roteiro estabelecido pelo Ministro da Fazenda, o rigor do austericídio só seria necessário para as despesas ditas “primárias”. Dessa forma, o Brasil continuou ocupando os primeiros lugares no campeonato mundial de taxa real de juros e batendo recorde atrás de recorde no volume de despesas financeiras. De acordo com o próprio BC, ao longo dos últimos 12 meses foram transferidos R$ 748 bilhões dos cofres do Tesouro a esse título. Mas a principal preocupação da Fazenda continua sendo a de promover cortes, cortes e mais cortes em despesas como assistência social, saúde, educação, previdência social, segurança pública, salários de servidores, saneamento e outras.

Haddad concedeu tudo e o financismo exige mais - Essa sucessão de concessões do governo aos interesses do financismo não atende a nenhum propósito de um governo que se pretenda progressista e desenvolvimentista. Aliás, muito pelo contrário. Com o sequestro da totalidade das facetas da política econômica, os próprios meios de comunicação passam a exercer um controle diário a respeito do cumprimento das metas fiscais inexequíveis que o próprio Haddad sugeriu a Lula. Estava mais do que evidente que o esforço para sair de um déficit primário de quase R$ 300 bi em 2023 para um “zero” no presente ano seria uma loucura. Trata-se de um verdadeiro cavalo de pau na economia, acentuado pelo fato de estarmos em um ano eleitoral, com aumento das demandas por gastos públicos de toda a ordem. Enfim, o Ministro da Fazenda propôs ao seu chefe uma verdadeira aventura irresponsável, cuja única explicação plausível é tentar se cacifar como um bom pupilo junto às elites conservadoras.

Parcela das classes dominantes e da grande imprensa já parece ter percebido a oportunidade de desgastar ainda mais o governo e preparar outra vez o sonho da terceira via em 2026. Cada vez mais são percebidas ações de artilharia pesada contra Lula, ao mesmo tempo em que buscam a preservação da figura de Haddad - o bom mocinho e uma figura “responsável” na condução da política fiscal.

Alguns episódios mais recentes, no entanto, parecem demonstrar que quanto mais espaço é oferecido para agradar à agenda do sistema financeiro no interior do governo, mais eles avançam com a voracidade crescente. Secretários dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento já assumem publicamente que a intenção do governo seria mesmo a revogação dos pisos mínimos constitucionais para a saúde e a educação. Ou seja, estaríamos próximos a um vergonhoso escândalo, onde um governo do PT poderia vir a assumir uma pauta que nem mesmo os governos da direita, como Temer e Bolsonaro, tiveram a ousadia e a coragem política para levar em frente.

Mas a gulodice do financismo parece não ter mesmo limites. Além de bater diariamente no governo por este não conseguir cumprir as metas fiscais para este ano, os grandes meios de comunicação já estendem as críticas para o próximo exercício. Fortalecidos pelo espaço oferecido por Haddad na questão do compromisso com a responsabilidade fiscal a qualquer custo, os escribas a soldo da finança já martelam a mudança de meta fiscal para 2025. No processo de elaboração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para o ano que vem, Haddad reconheceu a impossibilidade que havia sido a intenção de gerar superávit primário já no ano que vem. Com isso, alterou a meta de + 0,5% do PIB para zero novamente. E está sendo impiedosamente metralhado por tal gesto de “populismo e irresponsabilidade” no dizer dos especialistas de sempre chamados a opinar a respeito da matéria.

Lula já deve ter se dado conta de que as sucessivas e crescentes concessões oferecidas por Haddad ao financismo só está criando problemas para seu governo. Essa péssima estratégia de conviver amigavelmente com os donos do capital sem ousar qualquer aposta no campo democrático e popular está começando a apresentar sua fatura política. De tanto oferecer alpiste aos corvos, eles gostaram e vão continuar avançando até chegar aos olhos.



Paulo Kliass


Brasil 247
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Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e 


Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federalGestão Governamental do governo federal


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segunda-feira, 15 de abril de 2024

JANSEN : Cartão de Ponto (SREP) : Perguntas e Respostas


A Portaria MTE 1.510 de 21 de agosto de 2009 estabelece que o Sistema de Registro Eletrônico de Ponto 


- SREP é o conjunto de equipamentos e programas informatizados destinado à anotação por meio eletrônico da entrada e saída dos trabalhadores nas empresas, previsto no art. 74 da CLT. 


terça-feira, 1 de setembro de 2015         Jansen M. Cavalcante 

Registrador Eletrônico de Ponto - REP é o equipamento de automação utilizado exclusivamente para o registro de jornada de trabalho e com capacidade para emitir documentos fiscais e realizar controles de natureza fiscal, referentes à entrada e à saída de empregados nos locais de trabalho. 

O Ministério do Trabalho e Emprego divulgou em seu site uma lista de perguntas e respostas para melhor esclarecer sobre o assunto, abaixo reproduzidas: 

Perguntas e respostas Sobre as Novas Regras do Sistema de Ponto Eletrônico 

1. Quais são os principais pontos da Portaria MTE 1.510/2009? 

a. Proíbe todo tipo de restrição à marcação de ponto, marcações automáticas e alteração dos dados registrados; 

b. Estabelece requisitos para o equipamento de registro de ponto, identificado pela sigla REP (Registrador Eletrônico de Ponto); 

c. Obriga a emissão de comprovante da marcação a cada registro efetuado no REP; 

d. Estabelece os requisitos para os programas que farão o tratamento dos dados oriundos do REP; 

e. Estabelece os formatos de relatórios e arquivos digitais de registros de ponto que o empregador deverá manter e apresentar à fiscalização do trabalho. 

2. Quando a portaria entra em vigor? 

A Portaria MTE 1.510/2009 estabeleceu sua vigência a partir da data de sua publicação, 21/08/2009, exceto para o uso do REP, que se tornaria obrigatório após 1 ano, ou seja, a partir de 25 de agosto de 2010. No entanto, considerando a crescente demanda dos novos equipamentos, ocorreram várias outras prorrogações conforme tabela abaixo: 
........ 

3. Qual o prazo para a adaptação dos programas de tratamento dos dados de registro de ponto à portaria? 

A adaptação dos programas deve ser feita imediatamente. Como dito na questão precedente, a fiscalização terá caráter orientativo nos primeiros 90 dias de vigência da portaria. 

4. O uso de registro eletrônico de ponto passou a ser obrigatório? 

Não. O artigo 74 da CLT faculta o uso de registro de ponto manual ou mecânico. Porém, se o meio eletrônico for adotado, deverão ser seguidas as instruções da Portaria MTE nº 1.510/2009. 

5. Quais os principais requisitos do REP? 

a. Ter como finalidade exclusiva a marcação de ponto; 

b. Possuir memória das marcações de ponto que não possa ser alterada ou apagada; 

c. Emitir comprovante a cada marcação efetuada pelo trabalhador; 

d. Não possuir mecanismo que permita marcações automáticas ou restrições às marcações. 

6. O MTE especificará um modelo de referência de REP? 

Não. Cada fabricante de equipamentos deverá desenvolver seu equipamento. O MTE estabeleceu regras que devem ser seguidas, mas não especificará tecnologias para a implementação do REP. 

7. Quem atesta que o REP atende aos requisitos da Portaria MTE nº 1.510/2009? 

Órgãos técnicos credenciados pelo MTE serão responsáveis por certificar que os equipamentos atendem as normas vigentes, especialmente a Portaria MTE nº 1.510/2009. 

8. Será permitido o registro de ponto em terminal de computador? 

Não. O registro de ponto de forma eletrônica deverá ser feito obrigatoriamente por meio do REP. 

9. O empregador pode restringir o horário de marcação de ponto? 

Não. Nenhuma restrição à marcação é permitida. 

10. Se nenhum dado pode ser alterado ou apagado, qual o procedimento para marcações incorretas? 

O programa de tratamento admitirá a inserção justificada de informações, seja para a inclusão de marcação faltante, seja para a assinalação de marcação indevida. Porém, os dados originais permanecerão. 

11. O REP poderá emitir um comprovante de marcação de ponto por dia? 

Não. É obrigatória a emissão de um comprovante a cada batida. 

12. A emissão do comprovante é obrigatória desde já? 

Não. A emissão do comprovante só será exigida quando o uso do REP se tornar obrigatório. 

13. Após o prazo de 1 ano previsto na portaria, os equipamentos de registro de ponto que não sigam seus requisitos poderão continuar a ser utilizados? 

Não. Apenas serão permitidos os equipamentos certificados. 

14. Os relatórios e arquivos digitais, na forma padronizada prevista na portaria, já são obrigatórios? 

Sim, à exceção do Arquivo Fonte de Dados no formato previsto. Este, até que o REP torne-se obrigatório, será fornecido pelo empregador no formato produzido pelo equipamento atualmente em uso. 

15. Como o empregador poderá saber se o REP é certificado? 

Os equipamentos certificados serão cadastrados no MTE e poderão ser consultados por meio de seu sítio na internet. 

16. Haverá certificação para os programas de tratamento dos dados? 

Não. Caberá ao fornecedor dos programas garantir que estes atendem aos requisitos da portaria. Também cabe ao empregador usuário dos programas verificar a adequação destes à portaria. 

17. Quais os órgãos credenciados para a certificação de REP? 

O MTE está em processo de credenciamento dos órgãos. À medida que forem credenciados, o MTE fará divulgação por meio de seu sítio na Internet. 

18. Os fabricantes de REP deverão se cadastrar no MTE? 

Sim. O Cadastramento será feito pela internet, no sítio do MTE, em página que estará disponível em breve. 

19. Haverá cadastramento dos fornecedores de programas de tratamento de registros de ponto eletrônico? 

Não. Estes deverão apenas entregar ao empregador usuário Atestado Técnico e Termo de Responsabilidade, que deverá permanecer arquivado à disposição da Inspeção do Trabalho. 

20. O empregador poderá desenvolver o seu próprio Sistema de Registro de Ponto Eletrônico (SREP)? 

Sim, desde que atendidos todos os requisitos previstos na portaria. No caso do REP, este deverá seguir os procedimentos de certificação do equipamento e cadastramento no MTE. O programa de tratamento também poderá ser criado pelo empregador, neste caso o responsável técnico assinará o Atestado Técnico e Termo de Responsabilidade previsto na portaria, o qual ficará disponível para a fiscalização do trabalho. 

21. A portaria 1.510 trata do controle de acesso do empregado ao local de trabalho? 

Não. A portaria trata exclusivamente do controle de jornada de trabalho. O acesso ao local de trabalho, seja por catraca eletrônica ou qualquer outro meio, por empregados ou qualquer pessoa é determinado pelo poder diretivo do empregador sobre seu estabelecimento, respeitadas as restrições previstas na legislação. 

22. A portaria 1.510 franqueia ao empregado livre acesso ao local de trabalho, independente do horário? 

Não. O inciso I do art. 2º prevê que não haja qualquer restrição à marcação de ponto. A portaria não altera em nada o poder do empregador de controlar o acesso do empregado ao local de trabalho, nem de fazer cumprir a jornada do trabalhador. O SREP deve apenas registrar fielmente as jornadas efetivamente praticadas pelos empregados, ou seja os horários de início e término de jornada e de intervalos, quando não pré assinalados. 

23. A marcação de ponto poderá ser feita remotamente? 

Não. As marcações de ponto só poderão ser efetuadas diretamente no REP pelo empregado. 

24. O REP poderá se comunicar com outros equipamentos? 

Sim. O REP, desde que certificado por órgão técnico credenciado pelo MTE, poderá ser conectado a outros equipamentos, seja para enviar informações sobre os registros armazenados, seja para receber dados de identificação dos empregados para configuração. Dois pontos importantes a observar: 

a) O REP não pode depender de conexão externa para seu funcionamento, conforme inciso VII do art. 4º 

b) De acordo com o inciso VIII do art. 4º, não pode haver comunicação durante a marcação de ponto, compreendida como os passos descritos nas alíneas do inciso I do art. 7º- Ou seja, a comunicação com dispositivos externos só pode ocorrer quando o equipamento estiver em estado de espera e essa comunicação não deve afetar a disponibilidade do equipamento para que o trabalhador possa efetuar a marcação de ponto. 

25. O REP pode ter função de catraca eletrônica ou fazer parte dela? 

Não. O art. 3º prescreve que o REP será usado exclusivamente para o registro de ponto, portanto não pode ter outras funcionalidades. 

26. O REP deverá funcionar no mínimo 1.440 horas em caso de falta de energia? 

Não. O requisito de funcionamento de 1.440 horas em caso de falta de energia se aplica unicamente ao relógio interno do REP e não a todo o equipamento. 

27. Uma empresa poderá utilizar sistema eletrônico em um setor/estabelecimento e manual em outro? 

Sim. A Portaria 1.510/2009 disciplina apenas o sistema eletrônico. Não cria nenhuma restrição à utilização dos sistemas manuais e mecânicos. 

28. Poderão ser incluídas no REP informações sobre o horário de trabalho do empregado, férias, afastamentos, etc? 

Não. O REP serve unicamente como meio de marcação de ponto. Informações sobre o horário contratual do empregado e outras necessárias à apuração da jornada deverão estar disponíveis no Programa de Tratamento de Registro de Ponto. 

29. Se o horário do empregado não estará disponível no REP, como o equipamento identificará se uma marcação é de entrada ou de saída? 

O reconhecimento das marcações como entrada ou saída ao serviço será feita no Programa de Tratamento de Registro de Ponto com base na ordem em que são registradas. 

30. Uma vez que o empregado será identificado no REP pelo PIS, como fazer com o trabalhador recém admitido que ainda não possui número de PIS? 

Todo trabalhador precisa ter número de PIS, até para efeito de recolhimento ao FGTS e informação ao CAGED. Para o empregado de primeiro emprego, caso não possua PIS nos primeiros dias de trabalho, o controle poderá ser feito manual ou mecanicamente até que ele receba o seu número de PIS. 
Jansen Moreira Cavalcanti

Asteca Contabilidade, Assessoria e Consultoria

sábado, 13 de abril de 2024

Artigos de Zé Augusto V



AS CONCEPÇÕES LENINISTAS

Lenine foi o genial criador da teoria do partido de novo tipo. Partindo da teoria de luta de classes – que ele considerava a essência mesma do socialismo – viu a necessidade da organização de um partido político do proletariado, baseado no centralismo democrático, na disciplina, voltado para a propaganda das idéias do socialismo e da elevação conseqüente do nível de consciência das massas. Instrumento insubstituível para a classe operária impulsionar a revolução social.

Mas Lenine não esteve limitado a ser apenas o idealizador desse partido – foi o organizador principal e chefe do primeiro partido de novo tipo da classe operária a tomar o poder e construir, de forma a mais conseqüente, o socialismo. Isto, pela primeira vez na história da Humanidade.

Na obra “Que fazer?”, encontramos as condições básicas no terreno da organização do partido de novo tipo:

“Ora, eu afirmo: 1º) que não seria possível haver movimento revolucionário sólido sem uma organização estável de dirigentes que assegure a continuidade do trabalho; 2º) que quanto maior a massa integrada espontaneamente à luta, formando a base do movimento e dele participando, mais imperiosa a necessidade de se ter tal organização, e mais sólida deve ser essa organização ( senão será mais fácil para os demagogos arrastar as camadas incultas da massa ); 3º) que tal organização deve ser composta principalmente de homens tendo por profissão a atividade revolucionária; 4º) que em um país autocrático, quanto mais restringirmos o contigente dessa organização, ao ponto de aí não serem aceitos senão os revolucionários de profissão que fizeram o aprendizado na arte de enfrentar a polícia política, mais difícil será “capturar” tal organização e 5º) mais numerosos serão os operários e os elementos de outras classes sociais, que poderão participar do movimento e nele militar de forma ativa”.

Concebendo a organização como partido de revolução social, Lenine considerava a necessidade imperiosa do trabalho de educação, da capacitação de seus membros para a árdua e complexa tarefa de organizar e mobilizar a classe operária: “nossa primeira e imperiosa obrigação é contribuir para formar revolucionários operários que estejam ao mesmo nível dos revolucionários intelectuais em relação à sua atividade no partido”.

E o trabalho de educação não se resumia, para ele, na mera capacitação para atender as necessidades práticas e imediatas do movimento. Preocupava-se, fundamentalmente, com a teoria revolucionária, com a importância da luta teórica: “Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário. Não seria demasiado insistir sobre essa idéia em um época onde o entusiasmo pelas formas mais limitadas de ação prática aparece acompanhado pela propaganda em voga do oportunismo”. Tal pensamento, diga-se de passagem, é de um impressionante atualidade para o PCB.

Pensava a revolução como obra de milhões, como fenômeno de massa. Para isso, tornava-se necessário organizar e mobilizar as massas operárias, dando-lhes, verdadeiramente, consciência revolucionária. Sentia a necessidade de o proletariado conquistar a hegemonia do processo, o que se daria na medida em que este e seu partido participassem e opinassem ativamente em todos os acontecimentos, quaisquer que fossem as classes envolvidas.

Nesse sentido, afirmava que a “consciência da classe operária não pode ser uma consciência política verdadeira, se os operários não estiverem habituados a reagir contra todo abuso, toda manifestação de arbitrariedade, de opressão e de violência, quaisquer que seja as classes atingidas ...”.

“Devemos ir a todas as classes da população” como teóricos, como propagandistas, como agitadores e como organizadores... . pois não basta dizer-se “vanguarda”, destacamento avançado, é preciso proceder de forma que todos os outros destacamentos se dêem conta e sejam obrigados a reconhecer que marchamos à frente”.

É verdade que muitas de suas propostas tinham em mira a Rússia de 1902. Entretanto, não há como negar-lhes uma validade universal no que concerne ao seu espírito, orientador da ação revolucionária. Não se trata, portanto, de transpô-las mecanicamente sem levar em conta o espaço e o tempo, mas de guiar-se por seu espírito criador.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CLANDESTINIDADE

Percebe-se não existir entre os comunistas brasileiros, hoje, uma idéia muito clara à respeito dessa questão. Em geral, limita-se a uma ligação dela com períodos ditatoriais, com o aspecto repressivo em si, sem levar em conta, devidamente, sua conotação de classe. O comportamento do Partido frente à clandestinidade e a segurança flutua ao sabor do grau maior de repressão ou liberdade, de forma mecânica e a reboque da ação do inimigo. Quando a repressão torna-se mais intensa, surge entre os comunistas o chamado “segurismo”; porém, quando a burguesia afrouxa um pouco as cravelhas, reina o liberalismo, a ilusão de classe. Na verdade, clandestinidade é entendida como necessidade frente a este ou aquele ditador de plantão – a ação do Estado “desligada” da luta de classe. A repressão seria produto da vontade de governantes “maus”, de militares “duros”, e não como uma exigência para as classes dominantes criada a partir da existência mesma da luta de classe.

A conquista do socialismo e do comunismo pela classe operária exige que esta última liquide os privilégios e a própria burguesia como classe. Não existe outra forma de construir o socialismo senão expropriando os expropriadores, isto é, desapropriando os meios de produção e tornando-os propriedade social.

Ocorre que a burguesia não é ingênua e sabe disso. Assim, em qualquer sociedade capitalista, mesmo na mais “democrática” das democracias burguesas os exploradores sabem que a função dos partidos comunistas é levar o proletariado a tomar suas fábricas, suas terras, seus edifícios, empórios e bancos, e colocá-los a serviço do interesse da coletividade. Por isso, a burguesia sempre procurou e vai continuar procurando, por todas as formas e meios ao seu alcance, usando dos métodos mais sutis aos mais violentos, exterminar o partido comunista ( às vezes até fisicamente como prova os casos da Indonésia, Brasil, Chile, Grécia etc. ) , para, dessa forma, tentar barrar o avanço da classe operária em direção ao socialismo. A burguesia compreende perfeitamente, mais que até que muitos comunistas, a importância decisiva do partido político do proletariado para a revolução – por isso esforça-se febrilmente para privar os exploradores de seu partido.

Ademais, nem a teoria marxista-leninista admite, e muito menos a prática histórica comprova, existir a hipótese das classes dominantes, espontânea e pacificamente, abrirem mão de seus privilégios e propriedades de suas imensas riquezas e vida fácil...

Dessa forma, temos que a questão da clandestinidade sempre está posta para os partidos comunistas como uma necessidade gerada pela luta de classes. O que varia – de acordo com a época e o lugar, de acordo com as condições concretas – é o seu grau. Rigoroso nos regimes ditatoriais, mais flexível nas democracias burguesas.

No entanto, ninguém pode duvidar que os serviços secretos de democracias burguesas estáveis, como a França e Itália, por exemplo, deixem de “mapear” o partido, de violar suas correspondências e gravar seus telefonemas, de introduzir informantes e provocadores em suas fileiras, etc. E é evidente que essa atuação dos órgãos de segurança do estado burguês não se dá por acaso ou pela vontade deste ou daquele chefete. Ela visa preservar o modo de produção capitalista, servindo, portanto, diretamente aos interesses da classe burguesa. Por isso, alguns partidos comunistas mais precavidos, mesmo nas condições européias, não abrem mão de uma estrutura clandestina paralela à legal.

Nesse ponto, vamos recordar duas afirmações de Lenine: “1º) que não seria possível haver movimento revolucionário sólido sem uma organização estável de dirigentes, que assegure a continuidade do trabalho (...) 4º) que em um país autocrático, quanto mais restringirmos o contingente dessa organização, ao ponto de aí não serem aceitos senão os revolucionários de profissão que fizeram o aprendizado na arte de enfrentar a polícia política, mais difícil será “capturar” tal organização (...)” (grifos meus, AL).

A história brasileira é rica em ensinamentos quanto à necessidade da clandestinidade no grau apropriado, em decorrência da luta de classes. E torna-se mesmo lamentável que o PCB, após 60 anos de lutas, pouco haja aprendido a respeito.

Ora, o que justamente a sua experiência histórica vem demonstrando é que, devido à incompreensão da necessidade da clandestinidade como decorrência da luta de classes – a ilusão de classe, no dizer do Informe ao VI Congresso – tem sido muito fácil ao inimigo “capturar” a organização, isto, acentuadamente nos últimos 20 anos. Em consequência não tem podido existir “uma organização estável de dirigentes, que assegure a continuidade do trabalho”.

Este País tem uma fortíssima tradição autoritária vinda desde época da colônia. O povo brasileiro tem vivido, como regra, sob regime autocrático, podemos assim dizer. Senão vejamos: nos últimos 50 anos, o Brasil só teve dois períodos onde as liberdades democráticas vigoraram de forma mais ou menos intensa para as massas. Num deles, 1945-1947, o PCB chegou até a legalidade de direito e de fato. No outro, 1958-1964, teve a legalidade de fato, mas não de direito. Feitas as contas, temos 8 anos de vigência maior de liberdades contra 42 anos de arbítrio, fato que comprova, sobejamente, uma tendência autoritária predominante.

De 1935 a 1943, o PCB foi literalmente desbaratado, tendo milhares de militantes presos, torturados ou mortos. Com a cassação do registro em 1948, ou seja, 3 anos após iniciado um processo de democratização, sobreveio nova onda de repressão com a chegada da chamada “guerra fria”. Com o golpe militar reacionário de março de 1964, violenta repressão voltou a se abater sobre o Partido, quase dizimando-o; e o mesmo sucedendo-se após a edição do AI-5. em 1974 teve cerca de uma dezena de membros destacados do CC assassinados, e o massacre que sofreu em 1975, por sua profundidade e amplitude, está ainda por demais vivo na lembrança.

Assim, nesses mesmos 50 anos o PCB sofreu nada menos de 6 grandes massacres, sem contarmos as investidas menores da reação, perdendo-se milhares de militantes. Ou seja, a história ensina que toda vez que o Partido se reorganiza e passa a contribuir melhor para o efetivo assenso das lutas das massas, sofre toda sorte de repressão.

Tais dados nos permitem concluir que as condições específicas de formação da sociedade brasileira, desde a colônia, baseada no grande monopólio da propriedade, não possibilitaram o surgimento de uma democracia burguesa estável, a exemplo dos EE.UU, França, Itália, Suécia, etc. E agora, nada vem indicando que estejamos nesse caminho; pelo menos, não é precisamente nessa direção que apontam as repressões às greves, as centenas de atentados fascistas impunes, o conhecido episódio do Rio-Centro, o ‘pacote” eleitoral de novembro deste ano, os reiterados pronunciamentos reacionários, eminentemente anti-comunistas, dos ministros militares e oficiais do Alto-Comando, a desenfreada campanha anticomunista desenvolvida através dos meios de comunicação, etc.

Por outro lado, temos que a bandeira da legalização do PCB é a mais democrática reivindicação da sociedade brasileira, sem dúvida alguma. Trata-se da conquista da classe operária de poder possuir publicamente seu partido político. Por isso, cabe aos comunistas levantá-la sempre, mais especialmente em épocas de maior vigência das liberdades, ou mesmo da “abertura” atual. Contudo é preciso não perder de vista que uma legalidade “concedida” ou obtida através de conchavos ou abdicação – mesmo parcial – da luta de classes, não pode possuir base social que lhe garanta um futuro. Por isso, trata-se de mera e irresponsável exposição dos militantes e da estrutura partidária à sanha da reação.

A legalidade efetiva do PCB só poderá ser obtida no bojo de um movimento de massas ascendente, em elevado grau de mobilização e organização, e sob a hegemonia do proletariado. Nessas condições, a classe operária – a maior interessada em legalizar seu partido político – não só poderá conquistar a legalidade para o PCB como garantir ( o que é muito mais importante) a sua continuidade. Fora disso, seria tentar uma política aventureira, como a que está sendo posta em prática pela direção de São Paulo, que teria como resultado a entrega leviana do pescoço dos militantes e da estrutura do Partido para a reação.

Sem esquecer a importância da conquista da democracia e da legalidade do PCB, para a caminhada da classe operária rumo ao socialismo, tem o Partido que agir sempre conforme as condições concretas, avaliando bem a correlação das forças na luta de classes, se não quiser ser metódica e periodicamente arrasado. E essas condições concretas exigem a manutenção de um determinado grau de clandestinidade, imprescindível à sobrevivência da organização e a continuidade da ação revolucionária.

As direções, em geral, inclusive e principalmente a Direção Central, tem que ser clandestinas, nas condições do Brasil já explicadas anteriormente. Seria pura ilusão supor a segurança eficiente de um corpo clandestino que possua uma cabeça legal; esta última, levaria inevitavelmente a polícia até os escalões inferiores, em função dos necessários contatos entre dirigentes e dirigidos. Já os militantes de base devem ser legais enquanto cidadãos e políticos participantes do movimento de massas, mas clandestinos quanto à sua condição de membro do Partido. Eis aqui as imensas dificuldades e correspondente habilidade exigida, para a correta combinação do trabalho legal com o ilegal, fato que impõe maior parcimônia e segurança na ligação entre a espinha dorsal dirigente ( que deve ser rigorosamente preservada) e as bases.

Não podemos esquecer que num País de dimensões continentais como este, onde são relevantes as desigualdades regionais, o grau de clandestinidade poderá variar de uma para outra região, talvez entre cidades e até mesmo desta para aquela empresa, segundo as condições concretas de cada lugar. Paralelamente, deve-se considerar ainda a centralização da repressão a nível nacional, que atua em sentido contrário às diferenças regionais, e, ainda, o caráter necessário da clandestinidade.

O importante, a meu ver, é o pleno convencimento de que a opção que se coloca não é entre “segurismo” ou ilusão de classe, como querem fazer crer alguns maldosos e outros equivocados. O Partido carece permanentemente da clandestinidade em função da luta que se trava entre classes inimigas, que possuem contradições antagônicas, e cuja superação pressupõe a liquidação da burguesia como classe pelo proletariado.

Portanto, cabe aos comunistas, a partir da Direção Central, aplicá-la num determinado grau que, sem isolar o Partido das massas e voltá-lo sobre si mesmo, possibilite a continuidade da ação revolucionária pela sobrevivência de um núcleo estável de dirigentes, nacionalmente falando, e da organização como um todo.
Zé Augusto

Asteca Contabilidade e Assessoria

sexta-feira, 12 de abril de 2024

A regulamentação das redes sociais na defesa da democracia

Elon Musk (Foto: Gonzalo Fuentes / Reuters I Reuters)
 

É preciso ficar atento perante as tentativas de alguns indivíduos que desejam governar as leis, ao invés de serem governados por elas


11 de abril de 2024, 20:01 h

Paulo Paim
Fundador do PT RGS

A democracia no Brasil e no mundo enfrenta enormes desafios, com fortes ataques à sua estrutura. É preciso ficar atento perante as tentativas de alguns indivíduos que desejam governar as leis, ao invés de serem governados por elas. Como bem disse, há mais de cem anos, o líder gaúcho Honório Lemes: "quero leis que governem homens e não homens que governem leis", uma frase que ecoa com a importância de construirmos leis justas e equitativas que sirvam como farol para nossa sociedade.

Essa máxima torna-se cada vez mais importante diante das ameaças que enfrentamos. Nossa nação tem instituições consolidadas e uma constituição cidadã, por isso é necessário reafirmarmos o papel fundamental das leis e da democracia. Nossa constituição é o firmamento de garantia dos direitos e deveres dos cidadãos e nada deve estar acima dela, nem mesmo os interesses individuais, de grupos ou de corporações.

Todavia, a cena nacional exige uma vigilância ainda maior. Sob a máscara da respeitabilidade, vemos o uso cada vez maior de fake News para o alastramento do ódio e como ferramenta de manipulação. As redes sociais tornaram-se um campo de batalha. Por isso, a regulamentação dessas plataformas se torna urgente para fortalecer nossa democracia, proteger nossas instituições e garantir a soberania nacional e a estabilidade do país.

O Senado aprovou no ano passado uma proposta nesse sentido. Atualmente a questão está em discussão na Câmara dos Deputados, e o governo brasileiro planeja levar o tema à Corte Interamericana, buscando estabelecer regras que abranjam toda a região.

Regulamentar as redes sociais é também uma questão de respeito aos direitos humanos e à dignidade de cada pessoa. É uma medida para o combate ao racismo, à discriminação, ao preconceito, à homofobia e à xenofobia. Ademais, é fundamental responsabilizar as plataformas por práticas éticas e transparentes, garantindo um ambiente seguro e inclusivo.

Liberdade de expressão não é se utilizar de fake news, de mentiras, de ameaças, de ofensas. Elas servem aos interesses dos inimigos da democracia. Recentemente, observamos ações de algumas plataformas removendo seguidores de perfis comprometidos com a democracia, o que nos alerta para a necessidade de permanecermos vigilantes.

Devemos nos manter firmes na defesa da liberdade, da justiça e dos direitos fundamentais. Somente por meio da vigilância diária podemos proteger nossa democracia e garantir que seus valores permaneçam para as gerações futuras.






Brasil 247

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Saúde e educação sob ataque


"A austeridade nutela de Haddad continua impedindo o governo de cumprir as promessas de recuperar políticas públicas destruídas ao longo dos 6 anos anteriores"

09 de abril de 2024, 14:38 h

Paulo Kliass

As propostas de arrocho fiscal carregam consigo consequências muito mais graves do que simplesmente o discurso mentiroso e demagógico de buscar o tal do saudável equilíbrio das contas públicas. Via de regra, as medidas se concentram sobre a limitação e/ou a redução das despesas orçamentárias para que as receitas possam se igualar aos gastos na apuração final do resultado das contas da tesouraria governamental.

Ocorre que a obsessão irracional com o corte em tais rubricas termina por prejudicar de forma aguda as contas das áreas sociais, dos investimentos públicos e dos salários dos servidores, dentre tantos outros setores estratégicos para a dinâmica econômica e social. Além de provocar redução de direitos legais e constitucionais, o viés pela austeridade também se revela como um tiro no pé da própria capacidade de se promover a recuperação da atividade econômica de forma mais geral.

A teoria macroeconômica convencional reconhece a importância daquilo que até mesmo os manuais de orientação conservadora classificam como “multiplicador do gasto do governo”. Assim, uma eventual despesa do setor público em um determinado momento tende a se converter em elemento ativador da atividade econômica, gerando um aumento da demanda que certamente se transformará em geração de renda, de emprego e mesmo de tributos mais à frente.

Ao insistir única e exclusivamente no corte de despesas, a política do austericídio termina por agudizar os aspectos recessivos do quadro da economia, além de poupar de forma injustificável as despesas financeiras de tal redução ou limite.

Austeridade: saúde e educação na mira

Isso foi o que ocorreu desse 2006, quando a dupla Temer/Meireles conseguiu introduzir no texto constitucional a chamada política do teto de gastos. A previsão é que durante longos 20 anos (2017 a 2036) o Brasil estaria impedido de aumentar as despesas orçamentárias para além das perdas inflacionárias.

Uma loucura! Pois a política foi mantida até o final de 2022, quando a campanha de Lula para Presidente da República prometia a revogação da medida. Porém, a nomeação de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda alterou bastante as expectativas criadas para mudanças na política econômica para o terceiro mandato.

O novo ministro manteve a essência da política austericida, ao convencer Lula a enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar instituindo o Novo Arcabouço Fiscal (NAF). A estratégia para agradar ao povo do financismo era substituir o teto de gastos, ao invés de simplesmente revogá-lo. A obstinação com a disciplina fiscal manteve a política de contenção de despesas para alcançar os resultados nas contas federais.

Assim, a austeridade nutela de Haddad continua impedindo o governo de cumprir as promessas de recuperar políticas públicas que haviam sido destruídas ao longo dos 6 anos anteriores, além de criar obstáculos concretos para que Lula consiga cumprir a promessa de realizar 40 anos em 4.

Para tais projetos políticos, seria necessária uma reviravolta na contenção de gastos, uma vez que qualquer programa nacional de desenvolvimento envolve aumentos expressivos nas despesas públicas e nos investimentos estatais. O NAF impede tal movimento.

Para agravar ainda mais a situação, o governo encaminhou uma proposta para o presente ano que pressupõe a meta de “zerar o déficit primário”. Isso significa que haverá preocupação apenas com a contenção das chamadas despesas primárias. No dicionário do fiscalês, a definição de gastos primários refere-se apenas às rubricas não-financeiras. Assim, estão fora do cálculo todas despesas de natureza financeira, como as relativas ao pagamento de juros da dívida pública.

Novo Arcabouço Fiscal e o fim dos direitos sociais

Ora, como a NAF limita o crescimento das despesas em 70% da elevação das receitas, o fato concreto é que as políticas sociais ficam ameaçadas, assim como os investimentos públicos. No entanto, existem alguns grupos de gastos para os quais a própria Constituição preserva um patamar mínimo atrelado a algum tipo de indexação.

As despesas previdenciárias, por exemplo, ficam atreladas ao valor da salário mínimo. As despesas de saúde e de educação, por seu turno, ficam atreladas a fórmulas envolvendo a receita tributária do governo federal.

Assim, como a limitação das despesas gerais está dada com o novo teto do Haddad, a tendência é de permanecerem as disputas dentro do bolo geral dos gastos. Se ela não pode crescer mais de 70% do que crescem as receitas, haverá uma espécie de autofagia entre as despesas primárias.

O governo, ao invés de revogar o equívoco que foi o NAF, desde então vem alimentando a imprensa com boatos e notícias de promover a eliminação dos pisos constitucionais de saúde e de educação. O Ministro da Fazenda ainda não se manifestou, pois sabe que o tema é muito sensível e caro às forças progressistas que ajudaram a derrotar Bolsonaro e eleger Lula mais uma vez em 2022.

Porém, vários integrantes do segundo escalão da área econômica já falam há muito tempo abertamente de tal alternativa para acelerar o austericídio. Em março de 2023 o Secretário do Tesouro Nacional abriu a temporada de caça aos pisos constitucionais. Em setembro do ano passado, o governo resolve fazer uma consulta formal ao Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito do tema. Uma atitude temerária, tendo em vista o comportamento daquele órgão, quando deu aval ao impeachment de Dilma Roussef, sob a falsa alegação das pedaladas fiscais.

Na sequência das ameaças aos pisos, em dezembro de 2023, o Secretário do Orçamento (subordinado de Simone Tebet, titular do Ministério do Planejamento) fez outra declaração favorável à retirada das garantias constitucionais para a saúde e para a educação.

Finalmente no boletim de março recente, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) divulgou um boletim com dados e cálculos que justificam a necessidade de se promover a desvinculação constitucional dos pisos mínimos paras estas duas áreas sociais tão carentes e tão sensíveis. A cronologia acima preocupa bastante, pois demonstra uma intenção explícita em eliminar as conquistas.

Lula precisa defender os pisos

O argumento falacioso de que não existem recursos não se sustenta a uma primeira avaliação. Ao longo dos últimos 12 meses, o governo gastou exatamente R$ 747 bilhões a título de pagamento de juros da dívida pública. Trata-se de mais um recorde na série histórica apresentada pelo Banco Central em sua página.

Não faz sentido dar um tratamento arrochado para os gastos de natureza social e liberar um volume como esse sem teto, sem limite sem contingenciamento para atender aos desejos dos detentores de títulos da dívida pública. Governar é estabelecer prioridades. Haddad, ao que tudo indica, já fez a sua a favor dos interesses do povo da banca.

É fundamental que Lula assuma para si o comando estratégico de tais decisões de política econômica. Não é possível que, em nome de uma suposta obstinação de seu Ministro da Fazenda com as metas do austericídio tão querido à Faria Lima, o terceiro mandato termine por realizar o trabalho sujo que nem mesmo Joaquim Levy, Henrique Meirelles ou Paulo Guedes ousaram concluir. Os pisos da saúde e da educação não podem e não devem ser tocados!


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Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal



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