A pesquisa sobre inserção das mulheres no mercado de trabalho, apresentada na semana passada, lançou um olhar minucioso sobre uma categoria simbólica quando o assunto são os abismos de gênero no mercado de trabalho: trabalhadoras domésticas. Segundo o levantamento feito pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nas moradias das classes média e alta a tarefa é quase exclusivamente feminina: 92 % dos empregados domésticos são mulheres e essa é a ocupação de 5,9 milhões de brasileiras, o equivalente a 14% do total das ocupadas no Brasil.
O estudo, que fez um recorte estatístico de 2004 a 2014 e considerou as mulheres ocupadas a partir dos 10 anos de idade, revelou também o quanto são precárias as condições de quem vive dessa profissão. A média de estudo delas é de seis anos e meio, o salário é de aproximadamente R$ 700, e até um ano atrás mais de 70% não tinha carteira assinada.
Tão espantosa quanto os números é a naturalidade com que se encontra explicação para eles. A baiana Marinalva de Deus Barbosa, 48 anos, que começou a trabalhar como doméstica aos 17, na capital Salvador, garante que essa equação é simples. "Eu saí de Maragojipe, no recôncavo da Bahia, sem registro de nascimento e analfabeta. Em que eu poderia trabalhar? E essa é a realidade de milhares de mulheres."
Marinalva já não se enquadra mais nesse perfil. Aos 18 anos ela providenciou o registro de nascimento, aos 21 se alfabetizou e aos 22 teve a carteira assinada pela primeira vez. Hoje cursa o sexto semestre da faculdade de Direito e dedica dois dias da semana para orientar, gratuitamente, as trabalhadoras que procuram o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Estado da Bahia. A única coisa que ela manteve foi a profissão, que já está, segundo ela, bem melhor do que 30 anos atrás.
"Ainda é um trabalho muito desvalorizado. Mas hoje as mulheres já têm mais informação, e as mudanças recentes na legislação deram a elas também mais dignidade."
Carteira assinada: a principal conquista - Uma das conquistas significativas para a categoria veio em 2015, com a regulamentação da PEC das Domésticas, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. Entre outros benefícios importantes, ela obrigou o empregador a conceder intervalo de almoço, pagar adicional noturno, reduzir a carga horária aos sábados e, principalmente, recolher FGTS das empregadas. A lei representa, além de respeito e proteção social, a melhoria do salário das trabalhadoras - a média dos ganhos de quem tem carteira assinada é de R$ 924, contra R$ 578 pagos na informalidade.
A pesquisa apresentada pelo ministério do Trabalho e Ipea ainda não conseguiu mapear o impacto dessa mudança porque o recorte estatístico foi até 2014. Mas dados do próprio FGTS já dão uma ideia do que a alteração legal representou. Em apenas um ano, o número de trabalhadoras com fundo de garantia subiu de 187,7 mil para mais de 1,3 milhão.
A escolaridade também está melhor, apesar de ser ainda baixa. Em 2004, a média de estudos das domésticas era de cinco anos e meio, um ano a menos do que em 2014. A coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério do Trabalho e Previdência Social, Rosane da Silva, avalia que a tendência é desse índice melhorar.
"A pesquisa mostrou que o número de trabalhadoras jovens vem caindo. Em 2004, a maioria das domésticas tinha até 29 anos. Hoje, a maioria tem 45 anos ou mais. Uma das explicações para isso é que as jovens estão indo para a escola, se qualificando."
Mulheres negras são as que ainda mais sofrem - Se a condição de trabalho das empregadas domésticas é ruim, a das trabalhadoras domésticas negras é ainda pior. Elas são maioria, têm escolaridade menor e ganham menos. Em 2014, 10% das mulheres brancas eram domésticas, índice que chegava a 17% entre as negras.
Entre as trabalhadoras com carteira assinada também existe diferença. O percentual é de 33,5% entre as mulheres brancas e 28,6% entre as negras. Isso reflete diretamente no salário que elas recebem: R$ 766,6 das brancas contra R$ 639 das negras, valor inferior ao salário mínimo.
"As mulheres negras vão mais cedo para o mercado de trabalho, não conseguem estudar e também são mães mais jovens. Toda essa conjuntura faz com que elas se sujeitem a condições mais precárias", analisa a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza Maria Oliveira.
E esse não é o único desafio simbólico que precisa ser enfrentado. Para Creuza, a sociedade precisa se questionar porque esse ainda é um ofício para mulheres e, principalmente, para mulheres negras. Sobre isso, a baiana Marinalva de Deus Barbosa analisa que "trabalho doméstico é feminino porque é muito desvalorizado. Se fosse mais valorizado haveria mais homens, como aconteceu com a profissão de chefe de cozinha. Antes as pessoas tinham vergonha. Agora é moda, está cheio de homens lá. É triste que ainda haja isso em nossa sociedade."
Publicado : MTE
Publicado : Cenofisco
Fonte : www.astecainforma.com.br
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