De uns tempos para cá, as ações que tramitam perante a Justiça do Trabalho mineira espelham os novos desafios por que passa o moderno pai trabalhador. Que o digam as matérias que se repetem em milhares de ações aqui trazidas, como: licença paternidade, salário-família, questões ligadas a acidentes de trabalho, a adoção de crianças, faltas ao trabalho para acompanhar esposa grávida e filhos ao médico, entre outras.
A evolução da legislação protetiva do direito dos pais que trabalham despertou debates importantes sobre o tema. São alterações recentes nas leis trabalhistas que geraram uma mudança de comportamento e, vice-versa, mudanças de comportamento do pai moderno, observadas na sociedade, que acabaram por gerar alterações nas leis trabalhistas. Mas, por outro lado, antigos direitos dos pais trabalhadores, que pareciam consolidados e respeitados, voltaram a ser objeto de ações trabalhistas, em virtude do descumprimento por parte dos empregadores.
Há muito a se comemorar neste mês de agosto, em que celebramos a paternidade, mas também ainda existem muitas dúvidas e desafios. É possível imaginar, nos dias de hoje, que um pai que preencheu todos os requisitos para obter a licença paternidade não usufruiu do benefício por culpa do empregador? Pois isso, infelizmente, ainda é uma realidade.
Com a publicação da Lei nº 13.257/2016, em 09/03/2016, a licença paternidade passa de cinco para 20 dias. Mas será que todos os trabalhadores têm direito ao período maior? Abordaremos casos como esses, a seguir, nesta NJ Especial.
Licença paternidade: direito reconhecido ou ignorado? Desde 1988, a Constituição Federal prevê expressamente cinco dias de licença paternidade no decorrer da primeira semana do nascimento da criança. Entretanto, o exercício desse direito, fato tão comum nos dias de hoje, ainda encontra certa resistência por parte de muitos empregadores. Alguns processos que tramitaram na JT de Minas ilustram bem essa realidade.
No caso julgado na 45ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, o juiz Fernando Rotondo Rocha entendeu que, como o trabalhador estava sujeito a controle de jornada, era ônus da empregadora comprovar que ele usufruiu da licença paternidade. Mas, ao contrário, na visão do julgador, as provas revelaram que o empregado trabalhou durante todo o período que deveria ser destinado ao gozo da licença. “Dessa forma, defiro ao reclamante o pagamento dos dias (05) de licença paternidade não usufruídos em dobro, já que se trata de causa de interrupção do contrato de trabalho e, como tal, a sua não concessão no prazo legal acarreta o pagamento em dobro, como no caso do RSR, feriados e férias”, finalizou. (Processo nº0000437-80.2014.503.0183 – Sentença em: 19/12/2014).
Já em outro caso, um caminhoneiro que trabalhava para uma empresa de logística pediu indenização por danos morais alegando que não usufruiu da licença paternidade. “No tocante à alegada supressão de período de licença paternidade, entendo que o ato ilícito está comprovado”, constatou o juiz Alexandre Gonçalves de Toledo, que julgou o processo na 32ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. É que, ao examinar os documentos juntados ao processo, ele verificou que a ficha de registro de empregado não assinala o afastamento para o gozo do período de licença ao trabalho. Conforme apurou o magistrado, os relatórios de reembolso de quilômetros rodados comprovam que o reclamante trabalhou nos dias seguintes à data de nascimento do seu filho. Por isso, foi reconhecido o direito do caminhoneiro ao recebimento de indenização por dano moral, fixada em 5 mil reais. “Ora, a reclamada exigiu que o reclamante trabalhasse em período no qual deveria gozar o benefício licença paternidade, constitucionalmente garantido e que tem por objetivo permitir o convívio do empregado com sua família em um dos momentos mais importantes da vida de um homem, o nascimento de um filho”, finalizou o julgador. (PJe: Processo nº 0010029-39.2015.5.03.0111 – Sentença em: 31/05/2016).
Evolução das normas referentes ao pai trabalhador regido pela CLTO direito à licença paternidade foi incluído no rol de direitos trabalhistas (art. 473, III da CLT) com o objetivo de possibilitar ao pai a ausência ao trabalho sem desconto salarial (um dia útil) para fazer o registro civil do filho recém-nascido, considerando a necessidade de repouso da mãe após o parto. Nos termos do inciso III do artigo 473 da CLT, inicialmente, essa falta justificada era de um dia:
“O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário:
III – por um dia, em caso de nascimento de filho, no decorrer da primeira semana;”.
Com o tempo, percebeu-se a necessidade de um apoio maior da figura paterna, já que, por exemplo, nos casos de nascimento por cesariana, a mãe terá que dispor de mais tempo para se recuperar. Por essa razão, surgiu a necessidade de o pai permanecer, pelo menos, cinco dias prestando o auxílio necessário e os cuidados que uma criança necessita, principalmente nos primeiros dias de vida. Assim, com a promulgação da Constituição de 1988, o período de licença já previsto foi estendido de um para cinco dias consecutivos, de forma a absorver o único dia previsto no art. 473, III da CLT. Ainda há divergências quanto à contagem do período, mas a maioria dos julgadores entende que os cinco dias devem ser contados a partir do dia útil posterior à data de nascimento.
A Vara do Trabalho de Patrocínio recebeu a ação de um trabalhador que alegou não ter usufruído da licença-paternidade de um dia, prevista no art. 473, III, da CLT. Ao julgar o caso, o juiz Sérgio Alexandre Resende Nunes explicou que a licença-paternidade prevista na CLT foi ampliada para cinco dias pela Constituição Federal/88 (artigo 7º, XIX e art. 10, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT).
Ao examinar a certidão de nascimento juntada ao processo, o magistrado constatou que a criança nasceu depois de extinto o contrato de trabalho, motivo pelo qual julgou improcedente o pedido. (Processo nº 0000818-09.2014.5.03.0080 – Sentença em: 23/04/2015).
Prorrogação da licença paternidade para 20 dias: quem tem direito e em que momento requererNo dia 08/03/2016, foi sancionada a Lei nº 13.257/2016, que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância. Publicada em 09/03/2016, no Diário Oficial da União, essa nova Lei, dentre outras normas, possibilita a extensão da licença paternidade para até 20 dias, acrescentando 15 dias aos cinco já previstos pela Constituição de 1988.
É importante destacar que o texto da Lei nº 13.257 não substitui o texto constitucional e é válido apenas para empregados de empresas que tenham a pessoa jurídica registrada junto ao “Programa Empresa Cidadã”. Para usufruir do benefício, o empregado deve solicitar a licença até dois dias úteis após o parto e comprovar sua participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável.
Art. 38. Os arts. 1º, 3º, 4º e 5º da Lei no 11.770, de 9 de setembro de 2008, passam a vigorar com as seguintes alterações (Produção de efeito):
“Art. 1º É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar:
(…)
II – por 15 (quinze) dias a duração da licença-paternidade, nos termos desta Lei, além dos 5 (cinco) dias estabelecidos no § 1º do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.
No julgamento do Processo PJe nº 0010396-27.2015.5.03.0026, o juiz Adriano Marcos Soriano Lopes analisou o pedido relativo à licença paternidade de 20 dias, formulado por um trabalhador que prestou serviços para a empresa, de agosto de 2013 a novembro de 2014.
Em sua sentença, o magistrado citou a evolução das normas que disciplinam a matéria: “o art. 7º, XIX, da CRFB estabelece que todos os trabalhadores têm direito à licença paternidade. Já o §1º do art. 10º do ADCT/CRFB-1988 dispõe que até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias. O prazo da licença-paternidade foi prorrogado pelo art. 38 da Lei 13.257/2016 para 20 dias, alterando a Lei 11770/2008, caso a empresa faça parte do programa empresa cidadã e o empregado requeira a extensão do benefício 02 dias úteis após a data do parto, bem como comprove sua participação em “programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável”.
Entretanto, como o contrato de trabalho do autor foi encerrado em 2014, o juiz salientou que a nova lei não se aplica ao caso, pois ela não alcança fatos anteriores à sua publicação. Por essa razão, o magistrado julgou procedente o pedido de licença paternidade, considerando apenas cinco dias de trabalho, já que a prorrogação do benefício não estava vigente à época do contrato de trabalho.
Evolução legal: pais ganham o direito de faltar ao serviço para acompanhar esposa ou filho ao médicoA nova lei, além de estender a duração da licença paternidade, permite que o empregado se ausente do trabalho por até dois dias para acompanhar a esposa ou companheira durante exames e consultas que ocorram durante a gestação e considera como justificada a falta de um dia por ano para acompanhar o filho em consultas médicas nos seis primeiros anos de vida.
É costume em nossa cultura a mãe ficar com a incumbência de levar o filho menor ao médico. Mas, por outro lado, existem aquelas situações em que, literalmente, falta a figura feminina no núcleo familiar. É o caso do pai solteiro, viúvo ou homossexual. Na sociedade moderna, existem também aquelas situações em que o pai sente a necessidade de dividir com a mãe a obrigação de acompanhar o filho nas consultas médicas, por reconhecer que a dupla jornada da mulher a impede de assumir sozinha os cuidados com a criança. Dessa forma, com a publicação da Lei nº 13.257/2016, o pai pode se revezar com a mãe na tarefa de levar o filho ao médico, sendo justificada a falta ao trabalho com esse objetivo.
Mas, antes da publicação dessa Lei, a Justiça do Trabalho mineira já recebia ações com esse tipo de abordagem. Um bom exemplo é a ação trabalhista julgada pela juíza Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt, na 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora. Demonstrando sempre um olhar atento para a realidade, ela enfatiza que houve um reconhecimento do “caráter evolutivo e dinâmico do Direito, que não está perfeito e acabado, mas deve sempre interagir com a realidade e com os fatos sociais”.
Conforme relatou o técnico em radiologia, durante dois dias ele se ausentou do trabalho para acompanhar sua filha menor, que estava internada no mesmo hospital onde ele trabalhava. Mas esses dias foram descontados do seu salário, razão pela qual pediu a restituição dos valores. Em defesa, o hospital afirmou que todos os descontos realizados foram em razão de faltas injustificadas.
Ao examinar o documento juntado ao processo, a juíza verificou que ele comprova o desconto no valor de R$74,11, no mês de julho de 2014, valor compatível com dois dias de trabalho, enquanto os espelhos de ponto juntados não trazem marcação de falta injustificada.
Na época em que a juíza analisou o processo, não estava em vigor ainda a nova lei que altera o artigo 473 da CLT, ampliando os casos de ausência justificada do trabalhador. Mas ela lembrou que havia normas coletivas que reconheciam outras situações como passíveis de abono de faltas ao trabalho, inclusive para acompanhar filhos menores ao médico. Contudo, observou a magistrada que não era o caso da convenção coletiva de trabalho da categoria do autor.
Entretanto, nesse contexto, a julgadora manifestou o seu entendimento no sentido de que deve ser garantido ao trabalhador o abono do dia de serviço para acompanhar o filho menor ao médico, ainda mais em caso de internação, dentro do princípio da razoabilidade e com vistas à efetivação do direito fundamental do menor à saúde, previsto no artigo 227 da Constituição e também no artigo 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).
Assim, com base nesses fundamentos, a magistrada deferiu ao empregado o ressarcimento do desconto salarial. Nas palavras da julgadora, “se a família pode ser reconhecidamente formada por pessoas do mesmo sexo, todos, independentemente de seu sexo de origem, têm direitos e obrigações perante a sociedade conjugal e os filhos. A mulher não é, portanto, mais a única administradora do lar, nem mais a única “mãe” afetiva, nem mais a única a acumular atividades no lar e no trabalho. Assim, a reinterpretação progressiva dos papéis de cada sexo no casamento, no plano das responsabilidades familiares e na vida profissional impõe, com efeito, medidas que visam desenvolver e promover serviços coletivos, públicos ou privados, de cuidado com crianças, ajuda familiar, organização do tempo de trabalho e de licenças”, finalizou. (Processo nº 0001679-27.2014.5.03.0037 – Sentença em: 06/04/2015).
Pai adotivo tem direito à licença paternidade? O direito do pai adotivo de usufruir da licença paternidade ainda gera polêmica e muitas são as ações que chegam à JT discutindo a questão. Uma delas foi julgada pelo juiz Adriano Marcos Soriano Lopes, na 1ª Vara do Trabalho de Betim. Conforme acentuou o magistrado, o fato de o autor “deter guarda provisória do infante não afasta o direito de se beneficiar da licença paternidade. Aliás, no caso das mulheres, a extensão da licença-maternidade para as mães adotivas existe desde a Lei 10.421/2002”.
No caso, o autor pediu indenização pelo período de licença paternidade não usufruído, juntando ao processo certidão de nascimento da criança, em 28/12/2013, e termo de compromisso de guarda provisória. A empresa se defendeu sustentando que não há direito à licença paternidade quando se trata de guarda provisória e que a concessão deve observar a cláusula 26ª da norma coletiva, ou seja, da data do parto ou da internação.
“A adoção possui caráter humanitário, em que prevalecem os interesses da criança, no sentido de se buscar ambiente favorável ao seu desenvolvimento biopsicossocial. No mesmo sentido, a licença-paternidade visa não só o interesse do pai, mas também da criança, que necessita de cuidados no intuito de estreitar os laços afetivos, garantindo-se à criança um desenvolvimento saudável, na forma do art. 3º do ECA”, pontuou o juiz ao esclarecer as dúvidas sobre a licença paternidade do adotante.
Lembrou o magistrado que “o ordenamento jurídico vai ainda mais longe do que tutelar a licença-paternidade do adotante quando permite, no art. 71-A da Lei 8213/91 a concessão de licença-maternidade de 120 dias ao segurado do sexo masculino que obtém guarda unilateral da criança para fins de adoção”.
Ao finalizar, o julgador enfatizou: “A licença-paternidade, seja em razão do nascimento de filho biológico, seja em razão da adoção, é direito social fundamental que efetiva a proteção constitucional do núcleo familiar, tutelando o direito dos pais ao afastamento do trabalho para se dedicar aos cuidados do filho recém-inserido no seio familiar, sem prejuízo da continuidade do vínculo de trabalho, da remuneração e garantido o cômputo do período para todos os fins de direito. Desse modo, a licença-paternidade e ao adotante são verdadeiros instrumentos viabilizadores da efetiva proteção à família e ao desenvolvimento da criança em estágio extremamente especial da vida. Trata-se, portanto, de período destinado à construção de laços e relações afetivas e aos cuidados especiais com o infante”. (PJe: Processo nº 0010396-27.2015.5.03.0026 – Sentença em: 18/07/2016).
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