O salário dos juízes no Brasil tem um teto. Não pode ultrapassar o salário de ministros do STF (atualmente R$ 33.763). Na prática, não é bem assim, por causa dos constantes penduricalhos. Um levantamento revelado no domingo (21) pelo jornal O Estado de S. Paulo mostra que a correlação é bem mais desproporcional. Um desembargador de Minas Gerais ganha, em média, líquidos, R$ 56 mil por mês. Em São Paulo, R$ 52 mil. No Rio de Janeiro, R$ 38 mil.
Tais valores superam os pagos a um juiz similar no Reino Unido, que recebe cerca de R$ 29 mil, e até dos Estados Unidos, cujo salário mensal médio é de R$ 43 mil. Chega a ser superior a juízes da Suprema Corte de países da União Europeia, como Bélgica e Portugal.
Os salários básicos são generosamente engordados por adicionais legalizados (estes sem tributação), sustentados por brechas e interpretações da legislação. Mas formam vários andares acima do chamado teto.
Como disse recentemente a ministra Cármen Lúcia, publicamente, no STF: “Além do teto, tem cobertura, puxadinho e sei mais lá o quê”, numa referência de que o limite vale mesmo apenas para os 11 ministros do Supremo.
Segundo economistas e profissionais da área de direito, os salários dos juízes, acima do teto, são um alerta para o ajuste fiscal em discussão no País. Mostram que a batalha para a implementação de um limite para o crescimento dos gastos públicos, peça-chave do ajuste, tende a ser bem complexa e dura do que a simples fixação de um limite dentro de uma Proposta de Emenda Constitucional.
Os juízes são o topo da cadeia de servidores públicos, observa Nelson Marconi, coordenador executivo do Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas, que foi o responsável pelo levantamento. Este, nos próximos meses, incluirá outros Estados, entre os quais o RS.
Segundo Marconi – ouvido pela jornalista Alexa Salomão, do Estadão – quando há uma demanda por qualquer tipo de benefícios no funcionalismo, os juízes costumam abrir o ciclo de negociações. Na sequência vêm Polícia Federal, Receita Federal, advogados do Executivo, Banco Central e Tesouro Nacional, numa fila que se estende até funcionários administrativos e professores.
Este ano, o poder de mobilização do Judiciário já foi visto. Foi a primeira categoria a defender o seu reajuste salarial, logo que o governo interino assumiu. Na negociação do pacote de ajuda de União aos Estados, entidades da magistratura se opuseram à contabilização dos ganhos adicionais como parte dos salários, para fins de adequação aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Entendendo o rompimento do teto
Marconi explica que o teto do Judiciário é rompido por uma série de verbas adicionais. Há diferentes abonos e gratificações – por tempo de serviço, por dupla função e substituição de colegas em férias ou em licença.
Também existem os penduricalhos da generosidade: auxílio pré-escolar, auxílio-saúde, auxílio-moradia, auxílio-refeição. Etc…
Os ganhos adicionais são legais e uma parte deles são até eventuais – como gratificações natalinas ou por férias ou mesmo por ganhos em processos judiciais movidos pelos próprios juízes. Detalhe: muitas vezes eles conseguem receber sem se sujeitar aos demorados precatórios.
Uma história de 18 anos atrás
Especialistas lembram que, em 1998, quando foi feita uma emenda da reforma da administração pública, o princípio era incluir todo o subsídio (termo usado para definir o salário de juízes) dentro do teto, mas auxílios, abonos e gratificações acabaram ficando de fora. Foi aí que a Fazenda Pública perdeu e a magistratura começou a ganhar muito.
Janaina Penalva, professora de Direito Constitucional da Universidade de Brasília, explica: “Tudo deveria estar dentro do subsídio, mas ficou difícil conseguir aumentos no subsídio e vieram os penduricalhos – e é justamente por causa desses penduricalhos que a transparência fica prejudicada. Mesmo os dados oficialmente divulgados são “restritos” e “obscuros”.
Para Janaina, a fixação de um teto para os gastos públicos é uma oportunidade: “Se de fato a proposta do ajuste é cortar despesas de todos, precisamos saber quem gasta mais e como gasta. Assim, é extremamente importante que, aproveitando este momento, o Judiciário abra as suas contas.”
As circunstâncias políticas, porém, em que o Judiciário é protagonista, principalmente na área criminal com a operação Lava Jato, não são, para ela, consideradas favoráveis: “Há um desinteresse estratégico neste momento por pressionar o Judiciário.”
Por Marco Antonio Birnfeld, advogado aposentado e jornalista.
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