terça-feira, 4 de outubro de 2016

Eleições deram recado para que partidos se reavaliem, diz cientista político

Manifestações de junho de 2013 em Brasília: início de uma crise em que atingiu todos os partidos políticos

Para Leonardo Barreto, número de abstenções pôs por terra a tese de que os decepcionados preferem votar na oposição. Apesar da derrota flagrante do PT, a seu ver PSDB e PMDB também perderam

por Hylda Cavalcanti, da RBA publicado 03/10/2016 19:42, última modificação 03/10/2016 20:03

Brasília – As eleições de ontem (2) deram várias lições aos políticos e seus partidos. Uma delas foi que o grande número de abstenções – 25,3 milhões de pessoas deixaram de comparecer às urnas no Brasil – desconstruiu a tese de que o nível de desencanto dos eleitores com a política levaria ao aumento de votos na oposição. Na avaliação do cientista político Leonardo Barreto, especialista em comportamento eleitoral, essa perspectiva foi por terra com os resultados observados país afora. “O PT perdeu muito espaço, precisa ser repensado pelos seus integrantes, mas isso não se converteu em apoio desses votos diretamente para o PSDB ou para o PMDB em larga escala como se pensava”, afirmou.

De acordo com Barreto, esse descontentamento dos eleitores só leva ao caminho do crescimento de pequenas siglas como o Psol, por exemplo. E as abstenções, a seu ver, representaram um recado para todos, sem deixar ninguém de lado.

“Este primeiro turno pode ter mostrado um ou outro partido com mais destaque, mas a verdade é que todo mundo saiu perdendo e o que se espera é que os governos venham a ter maior trabalho para fazer seus programas funcionarem. Ninguém, nenhuma sigla, pode afirmar hoje que tem capacidade para levar adiante uma agenda de reconciliação do país e este é um problema que os partidos políticos terão que enfrentar”, disse.

O cientista lembrou o resultado observado em São Paulo, no qual os números de votos nulos e brancos bateram recorde e superaram o apoio dado pelos eleitores ao candidato eleito João Doria. “Nunca tivemos na história de uma eleição no país um número de pessoas que se abstiveram maior do que o número de eleitores, como houve em São Paulo. Isso mostra que as pessoas estão chateadas com a política de uma maneira geral, mostra que todos foram perdedores”, destacou.

Leonardo Barreto também considera que, apesar de o mau desempenho dos candidatos do PT ser apontado como consequência da operação Lava Jato, ele acredita que, embora em parte isso seja verdade, também vê como um problema enfrentado pelo partido nestas eleições o fato dos petistas terem deixado o governo federal, o que influencia na escolha de vários políticos no âmbito municipal – que sabem que, com o apoio do Executivo, conseguem ter mais acesso a programas nos ministérios.

Restante do PSDB

Na opinião do cientista político, nem mesmo o PSDB e o PMDB saíram fortalecidos. No caso do PSDB, apesar da vitória do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, com a eleição de João Doria, ele computa a vitória como questão pessoal do próprio Alckmin, que insistiu na candidatura e chegou a brigar com vários integrantes da sigla.

“Alckmin saiu vencedor desse processo e deu uma espécie de golpe dentro do PSDB paulista, de forma que não precisa negociar candidatura dele com nenhum outro nome do estado. Não foi uma vitória dos tucanos, mas dele. Ele fez um jogo de tudo ou nada em que saiu ganhando, mas ainda precisa negociar com o restante da legenda fora do país, caso queira ser um nome para 2018”, analisa.

Para Barreto, o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), sofreu desgaste em relação a Alckmin porque não conseguiu emplacar uma vitória em Belo Horizonte no primeiro turno, mas ainda continua sendo um nome forte dentro da sigla. Enquanto o atual ministro de Relações Exteriores, José Serra, que se contrapõe a Alckmin, saiu tão desgastado que se quiser pensar em candidatura no futuro precisará avaliar a possibilidade de uma transferência partidária.

Também em relação ao PMDB, Leonardo Barreto acredita que um dos grandes derrotados das eleições deste domingo foi o próprio presidente Michel Temer, que insistiu na candidatura de Marta Suplicy em São Paulo. “Foi um papel muito ruim, o desempenhado por Temer em toda essa estratégia montada para o PMDB em São Paulo. Ele é tido como o principal articulador da candidatura de Marta”, afirmou.

De acordo com o cientista, também Gilberto Kassab (ministro de Minas e Energia, ex-prefeito de São Paulo e presidente do PSD) se desgastou ao fazer o PSD apoiar a Marta, sem ter conseguido. "Kassab tentou fazer um aceno de que queria ser parceiro preferencial do governo Temer, tanto em São Paulo como em Brasília em 2018. Mas o PSD não entregou o que poderia ter entregue, conforme o resultado observado nas urnas. E Marta também não teve o que se esperava em torno do seu nome".

"Podemos achar até que houve um nível de contaminação da campanha dela (Marta) por parte do pessoal que rejeita o Temer. Houve erro e desgaste nessa estratégia, mas contabilizo isso como uma derrota pessoal de Michel Temer”, explicou.

Para Barreto, nem o PMDB nem o PSDB, apesar das vitórias obtidas com candidatos no segundo turno das eleições em vários municípios, possuem alternativas para os próximos anos, porque o governo Temer, que apoiam e no qual continuarão tendo assento, precisará adotar uma postura política impopular nos próximos meses. O que dará oportunidade ao PT para fazer uma crítica e capitalizar isto politicamente.

Mas, para tanto, ele acredita que os petistas terão de sair do que chamou do “noticiário policial”, tirando o foco de políticos do partido relacionados a denúncias na Lava Jato, o que inclui o próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E não se sabe se haverá disposição dentro da legenda para pensar numa nova liderança.

Novas lideranças

“O PT perdeu não apenas pelos seus próprios problemas como também porque viu surgir um concorrente forte, que é o Psol, neste vácuo. E se não for repensado enquanto partido e em torno das suas lideranças, verá bons nomes migrando para outras legendas, como muitos já fizeram. É uma situação complicada, mas os petistas vão ter que analisar se vão preferir continuar pagando um preço e manter as mesmas lideranças em 2018 ou se vão lançar outros candidatos, deixando de fora nomes como o próprio Lula”.

Avaliando o PT de forma “desprovida de paixões”, como afirmou, Barreto disse que também considera importante para os petistas a sigla voltar a adotar discursos mais flexíveis, saindo um pouco da radicalização que fez para a esquerda nos últimos tempos. “Poderia ser feita uma nova reaproximação com os movimentos sociais, mas dentro de uma agenda social-democrata mais moderna”, sugeriu.

De acordo com Leonardo Barreto, há opções a serem observadas com vistas a 2018 e um grande debate a ser feito por parte de todas as legendas.

“Se tem uma coisa que a gente sempre analisa em eleições é que não há um vencedor absoluto. Sempre vão ser observadas pequenas derrotas e pequenas vitórias. Mesmo o Democratas, que estava por baixo e teve um momento em que se pensava que iria desaparecer do mapa, cresceu significativamente em Salvador (BA) e teve um certo nicho de vitórias”, contou.

Barreto lembrou que, hoje, o único nicho que restou para o PT em termos municipais foi Rio Branco – onde o prefeito Marcus Alexandre foi reeleito – e Recife (PE) – onde o ex-prefeito João Paulo enfrentará o atual, Geraldo Julio (PSB), no segundo turno. Mas parte da retomada dos petistas dependerá dessa rediscussão interna.

Rede Brasil Atual

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