quarta-feira, 26 de outubro de 2016

ENTREVISTA: “Quem mais conhece os equívocos da direção partidária são os próprios petistas”...



Materialista e dialético, o Secretário de Governo Edwaldo Alves, filiado histórico do Partido dos Trabalhadores, concedeu entrevista a este blog e demonstra sua não-aderência à majoritária e romântica interpretação de alguns petistas e militantes da esquerda que teimam em descrever com um mar repleto de maravilhas os 13 de gestão petista no Governo Federal. Embora reconheça em Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff figuras exponenciais e em cujos governos teriam sido alcançados os mais extraordinários avanços sociais dos anos pós-Constituição de 1988, Edwaldo tece críticas ferozes à adesão ao partido à aliança conservadora no plano econômico.

Segundo o sociólogo, embora pela primeira o Estado brasileiro tenha promovido “uma política real de defesa dos Direitos Humanos no campo da luta pela igualdade racial, das mulheres, dos idosos e jovens, das pessoas com limitações físicas e mentais, da livre vontade sexual e do combate à violência institucional”, na economia assentou uma aliança com setores conservadores centrada em uma conciliação de classes, “tentando estabelecer e manter a governabilidade sempre ameaçada pela maioria predominante no Congresso”. O modelo foi um sucesso até o Brasil ser atingido pela crise internacional, “criando a base social e parlamentar para o golpe que destituiu Dilma e desmanchou o resultado eleitoral de 2014”.

Ao analisar os resultados nefastos da aliança do PT com “setores conservadores oportunistas”, Edwaldo Alves afirma que faltou ao seu partido “o esforço” para representar uma alternativa real de alteração dos métodos e formas de ação política no Brasil. Explica que internamente as tendências petistas sempre se debruçaram em análises conjunturais, identificando os equívocos cometidos pela direção partidária. “Comentários que são propagados pela mídia de maneira deformada e parcial foram objetos de questionamentos e disputas no interior do partido há muito tempo. Não exagero ao afirmar que a tendência interna hegemônica, atualmente conhecida como Construindo o Novo Brasil/CNB, foi a principal promotora e executora dessa política sob a tenaz resistência de outras correntes internas que nos Encontros e Congressos sempre alertaram sobre a possibilidade de ocorrer o que está acontecendo agora”.

Indagado sobre o segundo turno das eleições, suas perspectivas e avaliações, Edwaldo Alves afirmou que Vitória da Conquista tem um governo democrático, popular e participativo, formado por partidos progressistas há 20 anos, “período em que foram alcançadas as maiores realizações do município em sua história”. Segundo ele, a não-renovação do governo significará “enorme retrocesso na administração do município” e que o resultado eleitoral do primeiro turno já revelou essa possibilidade. Para ele, a “descontinuidade administrativa” em um momento de grave crise econômica no país é altamente arriscada. “O segundo turno em Vitória da Conquista provavelmente será o resultado da avaliação popular sobre os 20 anos de realizações concretas dos Governos Participativos, o que provavelmente fará vencedor o projeto situacionista, ou, se ao contrário o eleitorado se deixará levar por questões estranhas à cidade e à administração municipal que na verdade buscam apenas desviar o povo de seus reais objetivos e desejos”.

Abaixo, a íntegra da entrevista com o sociólogo Edwaldo Alves.

BLOG: Na condição de estudioso da Política do Brasil, que lições podemos tirar do período de 13 do governo do PT, encerrado abruptamente com o impeachment da presidente Dilma Rousseff?

EDWALDO ALVES: Creio que ainda não decorreu o tempo suficiente e o devido distanciamento para avaliar com precisão o período de 13 anos de governos petistas e as consequências futuras do golpe palaciano promovido pelo congresso nacional. Muita coisa ainda virá à tona e a história saberá avaliar e julgar o papel de cada personagem nesse triste episódio. Mas, como não sou um estudioso ou um diletante dos acontecimentos históricos, penso, analiso e me comprometo como militante político, opinando e me situando no calor da luta e da disputa, mesmo correndo o risco dessa impetuosidade possibilitar avaliações e ações equivocadas, sem tempo sequer de arrependimento.

Avalio o golpe como militante petista, democrata e de pensamento de esquerda e socialista, mesmo considerando que muitos julgam, equivocamente no meu entender, ter chegado o “fim da história” e que nos tempos atuais diluiu-se as concepções ideológicas. Ainda creio que, em última instância, as ideias políticas e sociais correspondem aos interesses de classe e decorrem do papel ocupado na estrutura social. Evidentemente, tal concepção teórica é um elemento geral e se interliga com milhares de outros fatores objetivos e subjetivos.

Após essa definição ideológica, em decorrência, entendo que os governos Lula e Dilma significaram o maior avanço político e social para os trabalhadores e o povo em geral no período posterior à democratização consagrada pela Constituição de 1988.

Pela primeira vez o Estado brasileiro demonstrou interesse e promoveu uma política real de defesa dos Direitos Humanos no campo da luta pela igualdade racial, das mulheres, dos idosos e jovens, das pessoas com limitações físicas e mentais, da livre vontade sexual e do combate à violência institucional. Consolidou-se o afastamento das Forças Armadas como tutor político da nação, recolhendo-se a corporação às suas legítimas e importantes funções institucionais. A política externa firmou-se como independente, deixando de submeter-se aos interesses do Departamento de Estado norte-americano aproximando-se dos países emergentes, abrindo caminho para novos mercados internacionais. Sem dúvida, os governos Lula e Dilma aumentaram a força e o prestígio do Brasil no cenário mundial. Infelizmente, esse processo tão positivo, no governo Temer foi substituído pela desastrosa política externa do ministro José Serra que aos olhos dos mundo não passa de um amontoado de ações desconexas e ridículas.

O ciclo de desenvolvimento econômico iniciado no Governo Lula, pela primeira vez na história do Brasil não beneficiou apenas as classes privilegiadas. Os trabalhadores e a população mais pobre também participaram do excedente criado, possibilitando condições econômicas favoráveis para diminuir drasticamente a fome e melhorar a perversa distribuição de renda então existente. Também não se pode negar que foi nos governos petistas a estruturação e a necessária autonomia para a Procuradoria Geral e a polícia federal promoverem enérgica campanha contra a corrupção estatal e privada, principalmente àquela existente na forma histórica de financiamento de campanhas eleitorais.

A política dos governos petistas, principalmente a econômica, baseava-se em uma aliança com setores conservadores centrada em uma conciliação de classes, tentando estabelecer e manter a governabilidade sempre ameaçada pela maioria predominante no Congresso. Tal política partia do princípio de todos ganharem, mas quando a crise econômica do capitalismo atingiu o Brasil esse modelo foi simplesmente estraçalhado, criando a base social e parlamentar para o golpe que destituiu Dilma e desmanchou o resultado eleitoral de 2014. Esses fatos entronizaram no poder a figura ridícula de Temer e fez vencedor o conservadorismo e o atraso, inclusive com a participação ativa de segmentos e personalidades que apoiavam a aliança que governava o país.

BLOG: As eleições municipais neste primeiro turno foram marcadas pela perda substancial de poder político do PT e ascensão de forças políticas que ora faziam oposição ora gravitavam na órbita petista. O que aconteceu, de fato?

EDWALDO ALVES: A derrota nacional do PT nas últimas eleições municipais é resultado direto do fracasso da política de alianças que visava a governabilidade prescindindo da ampla participação popular e dos movimentos sociais. Tal aliança conseguiu manter-se durante o ciclo econômico favorável, permitindo que o excedente produzido atendesse as classes dominantes e também parte das reivindicações populares. Derrotada a polÍtica de alianças, sem forças ou vontade para retomar os laços com os movimentos sociais, abandonado pelos supostos aliados de centro e direita, o PT tornou-se presa fácil para ser massacrado pela mídia e pelos meios de comunicação que praticamente destruíram o enorme índice de simpatia e aprovação que o partido desfrutava junto à população. Até aliados históricos do campo de esquerda passaram a fazer restrições à continuidade de alianças com o PT.

Além de promover alianças com setores conservadores oportunistas, o partido, no governo, não se esforçou para representar uma alternativa real de modificação dos métodos e formas de ação política no Brasil. As dificuldades de alterar a institucionalidade burguesa, mantida na essência desde o período escravocrata, não deveriam ser compensadas pela aceitação total e submissão às regras vigentes, principalmente pelos métodos históricos e usuais de financiamento de campanhas eleitorais.

Quem mais conhece os equívocos cometidos pela direção partidária são os próprios petistas. Comentários que são propagados pela mídia de maneira deformada e parcial foram objetos de questionamentos e disputas no interior do partido há muito tempo. Não exagero ao afirmar que a tendência interna hegemônica, atualmente conhecida como Construindo o Novo Brasil/CNB, foi a principal promotora e executora dessa política sob a tenaz resistência de outras correntes internas que nos Encontros e Congressos sempre alertaram sobre a possibilidade de ocorrer o que está acontecendo agora.

BLOG: Levando em conta que o resultado foi bastante desfarovável ao PT, é possível afirmar que a tese do “golpe” não vingou?

EDWALDO ALVES: O resultado das eleições municipais de 2016 não legitima ou nega o caráter golpista e antidemocrático da cassação do mandato de Dilma. Logicamente, um dos seus objetivos era enfraquecer o PT eleitoralmente, criminalizar as suas ações, inviabilizar o futuro político de Lula e como objetivo final cassar ditatorialmente o registro do partido, tal como fizeram com o PCB em 1947.

O pensamento democrático e popular brasileiro e grande parte da opinião pública internacional consideram um golpe inconstitucional a destituição da presidenta legitimamente eleita, uma vez que em sua biografia não há qualquer nódoa ou denúncia de envolvimento em casos de corrupção ou malversação e que não possui contas secretas no Brasil ou no exterior. Como governante cumpriu fielmente o seu juramento de respeito à Constituição Federal, restando contra ela como peça acusatória apenas o falso desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, que o senador Cristovão Buarque classificou como Lei de Irresponsabilidade Social.

Atualmente, no Brasil inteiro, em todos os eventos populares, artísticos e culturais ecoa um grito de todos: “Fora Temer”, que expressa a insatisfação do povo com o golpe que maculou a ainda jovem democracia brasileira.

BLOG: Neste novo cenário pós-eleição municipal, que tipo de força política emerge no Brasil?

EDWALDO ALVES: Obviamente não há vácuo em política. Mas, não se pode esquecer que existem momentos de transição em que o país fica órfão de verdadeiras lideranças políticas. No período ditatorial, por exemplo, esse fato ficou muito bem caracterizado porque as lideranças autênticas estavam manietadas ou no exílio, e, os militares por total ausência de lideres populares, eram obrigados a substituir periodicamente o ditador de plantão.

Atualmente não percebo nenhuma corrente política ou partido que esteja conseguindo superar a enorme descrença popular no processo político brasileiro. Esse fenômeno foi diuturnamente elaborado e estimulado pelos meios de comunicação e o pensamento conservador e alienante. O PT e os partidos populares, para reconquistar o seu espaço, necessitam promover severa autocrítica e corrigir internamente seus erros para apresentar propostas objetivas para superar a nova situação que estão vivendo. É fácil avaliar a enorme dificuldade a ser enfrentada, mas a existência real dos trabalhadores e do povo com seus anseios e necessidades, com contradições objetivas com o regime vigente nos fornecem a esperança e os sonhos de que um mundo melhor é possível.

Entendo que no Brasil não existem partidos ideologicamente de direita com forte base social. O pensamento e a ação direitistas se espalham por diversos segmentos da imprensa, religiosos, fundamentalistas e principalmente com as conhecidas ligações econômicas e políticas com o sistema internacional do capital. A direita no Brasil, na minha opinião, não tem propostas para desenvolver o país e ao mesmo tempo distribuir a renda e amenizar a injusta estrutura de classes. Parceira das forças mais retrógadas do Brasil e submissa ao capital internacional, continua com panaceias como “crescer o bolo primeiro e depois distribuí-lo”.

BLOG: O Brasil tem partidos efetivamente de esquerda e direita? É possível um governo eminentemente de esquerda no Brasil?

EDWALDO ALVES: Entendo que o Brasil tem “Direita” e “Esquerda” e poucos partidos que atendam esses conceitos. O PT tem sido uma rica experiência de partido democrático com base social e com posições avançadas. Hoje, está no dilema de superar a armadilha do “mensalão” e da “lava-jatos”. Há forças no mundo do trabalho, nos meios políticos e culturais que apostam nessa possibilidade. O Congresso do Partido programado para realizar-se em 2017, certamente discutirá e decidirá sobre essa questão central. Quanto à existência efetiva de partidos de direita no Brasil, deixo para os direitistas decidiram porque desse povo quero distância. Acredito que é possível um governo de esquerda no Brasil porque os governos Lula e Dilma confirmaram, em muitos aspectos, essa real possibilidade.

BLOG: Vitória da Conquista tem um governo de 20 anos pelo mesmo partido, o PT. Qual sua opinião sobre o primeiro turno das eleições e perspectiva para o segundo turno?

EDWALDO ALVES: Vitória da Conquista tem um governo democrático, popular e participativo, formado por partidos progressistas há 20 anos, período em que foram alcançadas as maiores realizações do município em sua história. A seriedade e competência do governo permitiram a municipalização plena e implantação definitiva do SUS, criando um sistema público de saúde integrado e que atende praticamente todas as modalidades. O Ensino Público Municipal espalhou-se por todo o município atingindo de forma absoluta sua área rural e urbana, tornando-se um polo de educação em todos os níveis. Foi elaborada e executada uma verdadeira política de Assistência Social desenvolvendo-se o SUAS com toda a sua integralidade e serviços. A extensa zona rural atualmente é atendida em suas necessidades, tanto nas atividades agrícolas como territoriais. Os serviços públicos como coleta de lixo, limpeza, iluminação pública e outros atendem basicamente a qualidade e quantidade necessárias à sua execução. O cenário urbano está sendo renovado com aberturas de vias, logradouros, praças e com fiscalização mais intensa das obras particulares. O sistema de transporte de passageiros na área urbana e rural tem sido objeto de renovação constante com aprimoramento da fiscalização pelo poder público. Além de muitos outros avanços e conquistas, destaco a importância da transparência e honestidade com o dinheiro público nesses longos vinte anos, que é fiscalizado consciente e permanentemente por efetiva participação popular e rigoroso controle social.

A não renovação desse processo certamente significará enorme retrocesso na administração do município. O resultado eleitoral do primeiro turno revelou essa possibilidade, em que pese o objetivo da oposição de vitoriar-se no primeiro turno ter sido derrotado. A descontinuidade administrativa em um momento de grave crise econômica no país é altamente arriscada. Em momentos de prosperidade econômica, de abundância de recursos ficam diminuídas as consequências, às vezes desastrosas, de interrupções administrativas provocadas por vitorias de oposicionistas, particularmente quando esses não têm comprovação prática de experiência administrativa. O segundo turno em Vitória da Conquista provavelmente será o resultado da avaliação popular sobre os 20 anos de realizações concretas dos Governos Participativos, o que provavelmente fará vencedor o projeto situacionista, ou, se ao contrário o eleitorado se deixará levar por questões estranhas à cidade e à administração municipal que na verdade buscam apenas desviar o povo de seus reais objetivos e desejos.

Blog do Fábio Sena

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