Este ano marca um século da histórica greve de 1917 em São Paulo. Os operários enfrentaram os patrões e conquistaram importantes direitos trabalhistas. Nesta luta, as mulheres tiveram um papel fundamental. Em uma carta, resgatada pelo Centro de Memória Sindical, elas pedem aos soldados, responsáveis pela repressão, para não se voltarem contra o povo “irmãos na miséria e no sofrimento”.
Por Mariana Serafini
As mulheres – funcionárias da indústria têxtil - foram responsáveis pelo início da greve que em poucos dias tomou proporções gigantescas. Até hoje é considerada a maior greve do país, guardadas as proporções da população da época.
Sem leis trabalhistas, as operárias pediam, entre outras coisas, aumento de salários e redução das jornadas de trabalho, além de melhores condições de trabalho. Em poucas semanas, a greve se espalhou por diversos setores da economia, por todo o Estado de São Paulo e, em seguida, para o Rio de Janeiro e Porto Alegre. Era a primeira "greve geral" no país.
Esta carta, reproduzida no Vermelho na íntegra, mostra a consciência de classe daquelas trabalhadoras que passavam mais de 10, 12 horas por dia confinadas nas fábricas submetidas a trabalhos extenuantes. Elas destacam o fato de os soldados, apesar das fardas, serem também operários submetidos à ordem dos “grandes industriais que não têm pátria”.
Esclarecidas, aquelas trabalhadoras condenavam o capital estrangeiro que hoje, cem anos depois, age cada vez mais sem escrúpulos através das elites nacionais. “Não vos presteis, soldado, a servir de instrumento de opressão dos Matarazzo, Crespi, Gambu, Hoffmann, etc, os capitalistas que levam a fome ao lar dos pobres”.
Como em 1917, hoje a polícia brasileira usa força desmedida para repreender as manifestações cujo objetivo agora é barrar retrocessos. Há cem anos as mulheres já alertavam os soldados sobre a importância de respeitar a luta dos trabalhadores que dizia respeito, de certa forma, a eles também. “Soldados! Não deveis perseguir os nossos irmãos de miséria. Vós também sois da grande massa popular e, se hoje vestes a farda, voltareis a ser amanhã os camponeses que cultivam a terra ou os operários explorados das fábricas e oficinas”.
Leia a carta das mulheres grevistas aos soldados na íntegra:
A carta das mulheres grevistas de 1917
Soldados! Não deveis perseguir os nossos irmãos de miséria. Vós também sois da grande massa popular e, se hoje vestes a farda, voltareis a ser amanhã os camponeses que cultivam a terra ou os operários explorados das fábricas e oficinas.
A fome reina nos nossos lares e os nossos filhos nos pedem pão. Os perniciosos patrões contam, para sufocar nossas reclamações, com as armas de vos armaram, oh soldados!
Essas armas eles vo-las deram para garantir seu direito de esfomear um povo.
Mas, soldados, não faças o jogo dos grandes industriais que não têm pátria.
Lembrai-vos que o soldado do Brasil sempre se opôs à tirania e ao assassinato das liberdades.
O soldado brasileiro recusou-se no Rio a atirar sobre o povo quando protestava contra o imposto do vintém e até o dia 13 de maio de 1888 recusou-se a ir contra os escravos que se rebelevam, fugindo ao cativeiro!
Que belo exemplo imitar!
Não vos presteis, soldado, à servir de instrumento de opressão dos Matarazzo, Crespi, Gambu, Hoffmann, etc, os capitalistas que levam a fome ao lar dos pobres e gastam milhões mal adquiridos e que esbanjam com as “cocottes”.
Soldados!
Cumpre o vosso dever de homens! Os grevistas são vossos irmãos na miséria e no sofrimento. Os grevistas morrem de fome ao passo que os patrões morrem de indigestão!
Soldados! Recusa-vos ao papel de carrascos!
São Paulo, junho de 1917.
Um grupo de mulheres grevistas
Do Portal Vermelho
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