quarta-feira, 20 de junho de 2018

Foi golpe. É golpe

Publicado em: junho 20, 2018

Presidente do PT, Gleisi Hoffmann. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)


Sergio Araujo (*)

A recente manifestação da segunda turma do Supremo Tribunal Federal, inocentando a senadora e presidente nacional do PT Gleisi Hoffman das acusações de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e crime de caixa-2, representa a fase do cessar-fogo da beligerância desenfreada e implacável orquestrada pelas forças reacionárias e conservadoras implementada nos últimos dois anos contra o Partido dos Trabalhadores e suas principais lideranças.

E a argumentação jurídica não poderia ser mais esclarecedora para a tese de que tudo não passou de uma articulação golpista. Senão vejamos. Ficou transparente, pelas manifestações da maioria dos ministros da segunda turma, que a fundamentação para as imputações criminais aos acusados (Gleisi, seu esposo e o empresário Ernesto Rodrigues) estava sustentada apenas em delações premiadas e sem a necessária comprovação factual. E a mesma decisão, pelas mesmas razões, deverá ser reproduzida no próximo dia 26, quando for julgado o pedido de liberdade para o ex-presidente Lula.

Este movimento da Suprema Corte, que para muitos pode parecer contraditório ao rumo inicial adotado pelos processos oriundos da Lava Jato, escancara uma conspiração político-jurídico-midiática que objetivava, exclusivamente, a retirada do PT do poder (impeachment de Dilma) e a obstrução do retorno de Lula à presidência em 2018. Não contavam, porém, que a suprema corte exerceria o papel de trincheira para o enfrentamento dessas disfarçadas intenções. E o que estamos vendo é a Lei, a Constituição, prevalecendo sobre a conspiração lesa-pátria.

Desmascarado e atordoado, o monopólio golpista procura se rearticular para manter vivo o seu projeto de manipulação e de poder. Onde estão as manchetes de primeira página da absolvição da presidente nacional do PT? Cadê a cobrança pela agilidade dos julgamentos dos políticos de outras siglas? Por que os editoriais e as reportagens começam a estimular a dúvida sobre a imparcialidade e a competência da Suprema Corte? Por que a insistência em dizer que Lula é inelegível?

Ao invés da democratização do conteúdo, o que estamos vendo é um espaço midiático privilegiado para os deputados que decidiram retirar suas assinaturas do documento que pede a criação da CPI que investigará a operação Lava-Jato. Uma coincidência conveniente para o momento de reversão provocado pelo STF.

O que o STF está identificando, e que os mais atentos já sabiam, é que o grande problema do sistema político vigente é o financiamento das campanhas. Antes, durante e depois. Antes, com o patrocínio indevido e desproporcional da atuação dos detentores de mandato (verba de gabinete, cargos de confiança, emendas parlamentares/orçamentárias, etc.); durante, com o uso de Caixa-2; e depois, com o enriquecimento ilícito proveniente do desvio das verbas de campanha ou de propinas. Nada novo. Tudo muito antigo. Mas bastou o PT ascender ao poder para que o hábito se tornasse crime.

Quem nunca ouvir falar da parceria duvidosa entre políticos e dirigentes de estatais com a iniciativa privada? Ironicamente, talvez o grande ganho dessa escalada anti-PT tenha sido o desmascaramento de que entre corruptor e corrupto não existe o papel de “bonzinho”. E que a tal eficiência, a tal moralidade da iniciativa privada, cai por terra quando o interesse é a obtenção desmedida do lucro a qualquer custo. O que recomenda que os brasileiros tomem cautela com a onda liberal que começa a ser vista como solução para todos os males. Fosse assim, como explicar o encarceramento de grandes e poderosos empresários?

Da mesma forma e com a mesma precaução, há que se acautelar contra aqueles que surfam na onda da extremismo de direita, adotando como artimanha o discurso da terra arrasada e do radicalismo moral e comportamental. Tanto liberais como direitistas ortodoxos nada mais são do que marionetes nas mãos daqueles que realmente detêm o comando da política e da economia nacional: os grandes conglomerados econômicos.

Unidos apenas pela veneração ao lucro, para eles tanto faz quem ocupa momentaneamente o poder, desde que enteja ungido pela sua benção dominadora e oportunista. Se está atrapalhando os planos e os interesses, fora! É que para eles cidadania é sinônimo de clientelismo e, na simbologia peculiar dada ao termo, quem tem sempre razão é o patrão, nunca o cliente.

É por isso que o golpe contra a democracia não tem horizonte, finitude, para acabar. Por estar sempre em transformação, segundo os entraves do momento e os personagens de ocasião. Agora mesmo, em outubro, estão convidando você para a “festa da democracia”, mas não estão dizendo que o menu de opções não foi montado pela cozinheiro (partidos e sociedade), mas pelo dono do restaurante (o poder econômico).

Mesmo assim é possível dar início a transformação almejada. Basta não votar nos candidatos “pelegos”, usar a campanha eleitoral para exigir reformas política e eleitoral realmente estruturantes, clamar pela realização de uma nova constituinte, e muito mais. Não nos iludamos, só a consciência cidadã poderá promover a transformação necessária. Deixar como está é fechar os olhos para o golpismo.

(*) Jornalista


As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.



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