A 107ª Conferência Internacional do Trabalho, que terminou em 8 de junho, em Genebra, trouxe novamente à baila o “caso Brasil”. Trata-se da crônica de um desgaste anunciado.
O Brasil é país integrante da OIT desde 1919, sendo compromissário das regras ali construídas a partir do diálogo internacional tripartite, entre representações de trabalhadores, empregadores e governos.
Anualmente, a OIT divulga lista de casos que o Comitê de Peritos considera graves para justificar um pedido oficial de explicações junto aos Estados-membros envolvidos.
Em 2017, o Brasil figurou na lista inicial (“long list”), mas acabou não constando na final (“short list”), pois a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) ainda era um projeto de lei. Já era contundente, contudo, a sinalização internacional quanto à necessidade de o Brasil reafirmar suas agendas de trabalho decente.
Dizíamos, já naquele ano, da indispensável revisão de diversos preceitos inseridos no relatório do deputado Rogério Marinho, então relator da reforma na Câmara. O Parlamento, porém, não moveu nem uma vírgula sequer. Aprovou-se, sancionou-se e promulgou-se a Lei n 13.467/2017 em pouco mais de cinco meses.
De lá para cá, foram ajuizadas mais de 25 ações diretas de inconstitucionalidade. Uma anunciada medida provisória, que viria para corrigir as suas inconstitucionialidades e inconvencionalidades, foi editada, incorporada, aplicada e… caducou. Nunca houve tanta insegurança na cena jurídico-trabalhista brasileira.
No início deste ano, o Brasil voltou para a “long list”, desta vez com observações bastante claras quanto a inconvencionalidades de dispositivos da já vigente Lei 13.467/2017. Durante a conferência, entramos na “short list”, compondo o desonroso grupo dos 24 países suspeitos de incorrerem nas mais emblemáticas violações do direito internacional do trabalho.
O Brasil terá, agora, até novembro para dar explicações sobre a denúncia de que a reforma fere o direito de negociação coletiva e de organização sindical dos trabalhadores, atentando contra as convenções 98 e 154.
A confirmação de que o Brasil estava entre as nações acusadas de descumprirem as normas internacionais provocou reação imediata do governo brasileiro –e também do relator da reforma trabalhista que, nesta Folha (4/6), apressou-se em repudiar as conclusões periciais, vislumbrando parcialidade ideológica. Tais invectivas não colaboraram.
O Comitê de Peritos da OIT é um órgão técnico independente, de elevadíssima respeitabilidade, incumbido de examinar, com isenção e distância, a aplicação das convenções e recomendações.
Os peritos identificaram, como dito, violações às normas internacionais que dispõem sobre direitos de sindicalização e fomento à negociação coletiva. Isso porque a reforma preordena um tipo de negociação coletiva cujo propósito maior é o de reduzir ou retirar direitos sociais, subvertendo a finalidade natural do instituto.
Além disso, ao contemplar figuras esdrúxulas como a do “trabalhador autônomo exclusivo”, facilita o esvaziamento das categorias organizadas em sindicatos. Quem é “autônomo” não é bancário, metalúrgico ou ferroviário…
Não faltaram alertas, inclusive da sociedade civil organizada. Em julho do ano passado, circulava nota pública de atenção subscrita pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e diversas outras entidades representativas de juízes e membros do Ministério Público. Em resposta, ouvidos moucos. Agora, colhem-se os frutos.
(*) Guilherme Feliciano é Juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté, professor da Faculdade de Direito da USP e presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).
Fonte: Folha de São Paulo, por Guilherme Feliciano (*)
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