domingo, 4 de agosto de 2019

Homem na Lua ou carteado? Militares nunca se importaram com a ciência


A versão oficial era que seu Arthur, o ditador de plantão, exausto com os afazeres do Estado dormiu cedo na noite


Nirlando Beirão

Ainda que existam os que continuam acreditando que tudo não passou de uma farsa encenada por Hollywood, há evidências de que a superfície da Lua foi de fato estreada pelo ser humano na noite de 20 para 21 de julho de 1969 – meio século atrás. Os dois astronautas americanos Neil Armstrong e Buzz Aldrin, da nave Apolo 11, deixaram suas pegadas no solo lunar e, resgatados por um terceiro astronauta, Michael Collins, chegaram sãos e salvos à Terra.

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O cenário de então, aquecido pela Guerra Fria, transformou em proeza épica da Nasa, no quadro da corrida espacial, a propalada “conquista da Lua”. Logo, logo, o insosso satélite da Terra só voltaria a interessar aos poetas e seresteiros. A máquina de propaganda made in USA tratou de amplificar o evento, se bem que alguma tensão existisse, a ponto de William Safire, ghost writer do presidente Richard Nixon, ter se prevenido com um elogio fúnebre da tripulação da Apolo 11, caso um desastre ocorresse.

A embaixada americana em Brasília juntou-se aos festejos. Abriu suas portas a privilegiados para a transmissão do pouso e da caminhada pelas imagens de melhor definição da CBS ou da NBC. A eufórica jornada foi acompanhada por snacks e abastecida por drinques coloridos, o que fez aumentar a intensidade da apoteose tardia. No que diz respeito ao jovem repórter do Jornal da Tarde, de São Paulo, hoje venerando editor, a atmosfera entusiasmada atiçou um incomum senso de dever profissional e ele saiu da embaixada em busca, naquela era pré-celular, de um telefone possível. Queria saber o que pensava da fabulosa façanha o ditador de plantão, o general Arthur da Costa e Silva.





Autoridades sem texto próprio costumam recorrer a frases ocas para tais ocasiões, mas Costa e Silva não parecia interessado em se irmanar ao coro epifânico de louvor aos conquistadores do espaço. O repórter teimoso percorreu todos os andares do governo atrás de umas aspas. O assessor de imprensa estava indisponível, os auxiliares mais próximos não respondiam ­– até que a voz misericordiosa do ajudante de ordens assomou ao telefone do Palácio da Alvorada. Não, Sua Excelência não assistira ao pouso lunar; recolhera-se mais cedo a seus aposentos. “É oficial essa informação?” “Estou dizendo que sim”, irritou-se o militar. O JT registrou na primeira página.

A urgência jornalística e, ainda, com certeza, o efeito dos coquetéis licorosos produziam, em lugar de um furo, uma gafe. Soube-se depois que, de fato, o presidente-general não dera a mínima para um evento que eletrizava a humanidade. Enquanto Neil Armstrong saltitava na Lua, o bonachão Seu Arthur – como o chamava o colunista Ibrahim Sued – decidia se descartava o 8 de paus ou o 7 de ouros na sua sempre animada mesa de carteado do Alvorada.

Seu Arthur, o ditador de plantão, tinha outros assuntos a tratar do que ver aquela bobagem da Nasa

Esta história por muito tempo pareceu inverossímil. Os dias atuais testemunham de novo a indigência mental e o provincianismo rastaquera de militares que, num golpe ou noutro, galgam o poder no Brasil – ignorância e caipirice que são igualmente o apanágio daqueles que insistem em acreditar que ditaduras fardadas são o melhor dos mundos.

Nirlando Beirão é redator-chefe da revista CartaCapital




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