Não há como negar: houve falsificação das contas da Previdência Social que embasam a proposta oficial de reforma
Em resposta à reportagem de CartaCapital que divulgou o estudo comprovando a falsificação das contas da Previdência Social que embasam a proposta oficial de reforma, a Secretaria da Previdência emitiu um comunicado que não desmente a falsificação e sequer a responde. Ao contrário de tentar refutar ou resolver admitir a falsificação nas planilhas oficiais, a Secretaria da Previdência emitiu novas declarações falsas. Antes de tratar delas, vamos comprovar a falsificação original, de uma vez por todas, com a reprodução das planilhas oficiais enviadas via requerimento através da Lei de Acesso à Informação.
É digno de nota que já apresentamos publicamente as planilhas oficiais falsificadas em Audiência Pública no Senado Federal na última sexta-feira (20/09), em que esteve presente o Secretario de Previdência Social Leonardo Rolim. O mesmo responsabilizou a Secretaria de Política Econômica pela planilha falsificada. Contudo, ele acompanhou o Ministro da Economia e o Secretário Especial de Previdência e Trabalho em várias ocasiões em que os números foram apresentados sem os criticar antes.
Relembrando aos leitores, o grupo de pesquisadores obteve a planilha com cálculos oficiais do Ministério da Economia sobre a Reforma da Previdência, até então em sigilo, que embasam o argumento do governo que a Reforma aumentaria os subsídios para os pobres e reduzia fortemente os subsídios para os ricos.
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O governo pretendeu avaliar aquilo que a bibliografia acadêmica chama de “subsídios cruzados” – quem paga e quem recebe de quem no regime de repartição do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que trata de trabalhadores do setor privado. O governo avaliou aposentados pobres e ricos que receberão Aposentadorias por Tempo de Contribuição (ATC) em 2034, em quatro situações: homem solteiro; homem casado com esposa da mesma idade que recebe pensão por morte por dois anos; homem casado com esposa cinco anos mais nova que recebe pensão por morte por sete anos; mulher que não deixa pensão por morte. A pergunta é: quem contribui mais e quem recebe mais do RGPS? Qual subsídio o RGPS confere aos diferentes grupos?
Reproduzimos o exercício do governo usando as mesmas técnicas de cálculo atuarial que o governo usa para avaliar o equilíbrio atuarial (uma espécie de balanço contábil no tempo) da Previdência Social. É assim que os subsídios cruzados em regime de repartição simples são avaliados na bibliografia especializada internacional e nacional.
Refazendo os cálculos oficiais com o uso das normas vigentes legalmente – algo que o governo não fez -, demonstramos que, primeiro, o subsídio para as aposentadorias dos trabalhadores mais pobres diminui e não aumenta com a reforma da previdência. Segundo, as aposentadorias por tempo de contribuição (ATC) obtidas nas regras atuais com idades mais novas geram superávit para o RPGS e tem impacto positivo na redução da desigualdade. Este resultado se verifica inclusive considerando pensões por morte em metade dos casos tal como no estudo do governo.
As principais manipulações dos dados são as seguintes:
1) o governo alega calcular a ATC, mas na verdade calcula a aposentadoria por idade mínima (AI), relatando valores que inventam um déficit das ATC que é, na verdade, das AI;
2) ao calcular as AI no lugar das ATC, o governo calcula a aposentadoria recebida segundo o pico do salário estimado em 2034, ao invés da média dos salários, o que infla o custo das aposentadorias para inflar o suposto déficit;
3) para o salário de R$ 11.770,00 usado na simulação oficial do custo de uma ATC hoje, o governo não apenas calcula uma AI, como também subestima as contribuições do empregado e, principalmente, do empregador: a) para o empregado, calcula contribuições de 11% sobre o valor de 5 SM, e não do teto do RGPS (que hoje está muito mais próximo de 6 do que 5 SM); b) para o empregador, também calcula as contribuições de 20% sobre 5 SM, e não sobre o valor total do salário (R$ 11.770,00);
4) para o salário mínimo, o Ministério da Economia também troca a simulação da ATC pela AI, o que subestima o subsídio atual para os trabalhadores pobres porque hoje não é preciso esperar a idade mínima de 60/65 anos (mulheres/homens) para garantir a integralidade de benefícios por tempo de contribuição;
5) ao calcular as AI no lugar das ATC, o governo subestima o subsídio atual para os trabalhadores pobres porque simula contribuições por 20 anos e não a condição mínima de 15 anos de contribuição, tampouco a idade média da AI nas regras atuais (19 anos); feita a correção nos dois casos, a Reforma da Previdência não apenas diminui o subsídio para os mais pobres, como joga muitas famílias na pobreza.
Reproduzimos abaixo os campos comprobatórios da falsificação nas planilhas oficiais, que podem ser obtidas diretamente no site do Instituto de Economia da Unicamp.
Na primeira reprodução, fica claro que os valores que são atribuídos na Nota Informativa e nas Apresentações do Ministério da Economia a uma ATC de 60 anos de idade e 35 anos contribuição com salário final de 11.700 reais, dizem respeito a uma aposentadoria por idade mínima (AI) de 5 salários mínimos por 25 anos de contribuição.
Na segunda reprodução, fica claro que as sobrevidas usadas pelo governo são de 18,1 anos para o homem solteiro; 20,1 anos para o homem casado com esposa da mesma idade; e 25,1 anos para homem casado com mulher 5 anos mais nova. Na terceira reprodução, logo em seguida, fica claro que a sobrevida feminina é de 25 anos.
Finalmente, na quarta reprodução, fica claro que os valores que são atribuídos na Nota Informativa e nas Apresentações do Ministério da Economia a uma ATC de 60 anos de idade e 35 anos contribuição com salário mínimo, dizem respeito a uma aposentadoria por idade mínima (AI) por 20 anos de contribuição.
Uma imagem – ou melhor, quatro imagens falam mais do que mil palavras. Não há como negar: houve falsificação das contas da Previdência Social que embasam a proposta oficial de reforma nas principais apresentações à imprensa e à Câmara dos Deputados feitas pelo Secretário Especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Não há como jogar a falsificação para debaixo do tapete, nem escondê-la sob cortinas de fumaça.
A sociedade brasileira tem direito de conhecer o conjunto dos microdados da Reforma da Previdência, que o governo insiste em manter sob sigilo com a alegação de que são complexos demais. Como podemos confiar nos números alegados pelo governo sem poder reproduzi-los, se ao reproduzi-los uma única vez encontramos falsificação dos resultados?
Professor da Unicamp. Foi professor visitante na UC Berkeley (EUA).
Carta Capital
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