terça-feira, 10 de setembro de 2019

HIV e prevenção: entenda a diferença entre PrEP e PEP


A combinação de diferentes formas de prevenção é mais eficaz do que uma só utilizada isoladamente. Por isso, camisinha sempre!


Quando se fala de prevenção do HIV, já sabemos que nem sempre a camisinha é a única alternativa. Em meu último texto abordei o conceito de prevenção combinada e citei brevemente cada um dos pilares da precaução. De todas as alternativas sugeridas pela prevenção combinada, a PrEP e a PEP são as que mais suscitam curiosidade e dúvidas e serão o foco da coluna de hoje.

Os dois métodos, embora biomédicos – ou seja, há uma intervenção farmacológica na prevenção – diferem muito na questão do momento e indicação de tomada. Como o próprio nome sugere, a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) é indicada e utilizada antes da exposição sexual, enquanto a PEP (Profilaxia Pós-Exposição) é utilizada após uma exposição sexual com indicação de prevenção do HIV.

PrEP – a prevenção do HIV em um comprimido ao dia

A PrEP consiste, basicamente, na prevenção da infecção pelo HIV através da tomada de um comprimido diário que contém duas medicações: tenofovir e entricitabina. A primeira faz parte do esquema de tratamento de pessoas vivendo com HIV. Já a entricitabina, embora não utilizada no tratamento do HIV, também é uma medicação com ação contra o vírus.

No Brasil, tal estratégia virou política pública no final de 2017, quando passou a ser distribuída pelo SUS para indivíduos com maior grau de vulnerabilidade à infecção. Nos Estados Unidos é utilizada desde 2012 e recentemente foi adotada por outros países, como França, Quênia, Peru e Austrália. Atualmente, a PrEP é indicada no SUS para as seguintes pessoas: homens que fazem sexo com homens, pessoas transexuais, profissionais do sexo e casais sorodiferentes.

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É claro que a PrEP não é exclusiva para esses grupos e graus de vulnerabilidade individuais devem ser levados em conta na hora da indicação do método. Sabemos que o abuso de álcool e outras drogas podem levar a maiores chances de exposição ao HIV e outras ISTs, além de outras formas de vulnerabilidade que devem ser acessadas sempre que possível.
Tomar um remédio sem ter a doença não faz mal?

Muitas pessoas tem essa dúvida. Afinal, nenhum remédio é isento de efeitos adversos. Nos estudos realizados até então com a profilaxia, não houve relatos de efeitos adversos graves. As drogas já são amplamente conhecidas e estudadas, sendo o tenofovir utilizado há bastante tempo no tratamento de pessoas vivendo com HIV.

Como qualquer droga, o tenofovir pode causar alguns efeitos indesejados, entre eles a disfunção renal conforme o uso. No caso, pode haver alteração na quantidade de filtração pelos rins. Além disso, há chance de perda de massa óssea. Os dois efeitos não são comuns e não houve estudos que comprovem aumento desses eventos em pessoas utilizando PrEP. De qualquer forma, o acompanhamento médico é importante. Eventuais alterações precoces em exames podem levar o médico a pensar outras estratégias de prevenção e retirar a medicação sem causar danos ao paciente.

Atualmente, o Brasil faz parte do estudo HPTN 83, um estudo com sete países – Brasil, Estados Unidos, Argentina, Peru, África do Sul, Tailândia e Vietnã – que quer avaliar a não inferioridade do uso de uma medicação injetável a cada dois meses, o cabotegravir, em comparação à PrEP via oral. No Brasil, são participantes, além da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Centro de Referência e Treinamento DST/Aids (Santa Cruz), também em São Paulo, o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) da Fiocruz, no Rio de Janeiro, e o Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre.
A adesão é importante

É importante lembrar que a adesão ao esquema é importante: o uso irregular da medicação pode aumentar as chances de insucesso da terapia. Todavia, o recente estudo da PrEP Brasil, feito pela Universidade de São Paulo, Fundação Oswaldo Cruz (RJ) e Centro de Referência de Treinamento em DST e aids em São Paulo, realizado com homens que fazem sexo com homens e mulheres transexuais, mostrou que 74% tinham doses protetoras da medicação na corrente sanguínea com pelo menos quatro tomadas semanais da medicação. O uso diário é recomendável uma vez que se cria um hábito dia a dia de tomada da medicação, prevenindo o esquecimento.
Posso dispensar a camisinha?

O ideal é combinar para prevenir. A combinação de diferentes formas de prevenção é mais eficaz do que uma só utilizada isoladamente.

Quando falamos de PrEP, falamos de prevenção do HIV, porém, temos que lembrar das outras infecções que podem ser transmitidas no sexo. As hepatites, bem como sífilis, gonorreia, clamídia e HPV, não estão sendo evitadas. O uso da camisinha é aconselhável nesse caso, para que o indivíduo esteja protegido de maneira adequada.

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Vale ressaltar que diversos estudos que pesquisaram se o uso de PrEP aumenta o número de ISTs tiveram resultados animadores. Não há, via de regra, o risco compensatório com aumento de outras ISTs. O que se nota é uma vinculação do usuário da PrEP ao sistema de saúde, com realização de exames periódicos e diagnóstico precoce de eventuais ISTs.
PEP – a última estratégia de prevenção

O ideal é utilizar qualquer forma de prevenção, contanto que se previna a transmissão do HIV. Inclusive é importante e está indicado prevenir a infecção pelo vírus após exposição sexual.

A profilaxia pós-exposição consiste na tomada de três medicações – tenofovir, lamivudina e dolutegravir – durante 30 dias para prevenir a infecção pelo HIV. Ela foi inicialmente desenvolvida para prevenção em casos de acidentes biológicos em ambientes de cuidado a saúde, bem como para vítimas de estupro. Tornou-se, depois, de disponibilização para casos de exposição sexual consentida.

Além de tomar a medicação por 30 dias, é importante lembrar que a pessoa exposta tem que iniciar a tomada dos remédios em até 72h após o contato. Após uma testagem rápida para o HIV, o centro de saúde disponibiliza a medicação pelo tempo integral de tratamento, ou por alguns dias e orienta uma farmácia pública para retirada.

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O fato de existir a possibilidade de prevenir a infecção pelo vírus após a exposição não significa que seja a melhor forma. Em caso de usos constantes desse método, vale a pena avaliar o uso da PrEP como forma de prevenção.

Avaliar e discutir prevenção de HIV é complexo e importante. Sempre trazer uma abordagem horizontalizada da escolha é crucial. Discutir com a pessoa que usará o método qual o melhor para ela naquele momento de vida.

A criação de uma prevenção de HIV baseada no uso de remédios é mais uma tentativa de combate à epidemia de HIV que ainda não parou de crescer, especialmente em populações mais vulneráveis. O acesso à PrEP é importante, mas para que as pessoas a entendam e utilizem é necessário educação em saúde e informação. A PrEP e a PEP precisam chegar no estômago dos que mais precisam: da população gay negra e periférica, de muitos corpos de mulheres vulneráveis, de transexuais e travestis sempre marginalizadas. Só assim conseguiremos uma arma mais efetiva no combate a essa epidemia.

Carta Capital

Nordeste beneficia-se da guerra comercial entre EUA e China


O Consórcio Nordeste atrai investimentos da China, enquanto os EUA pressionam o governo federal para banir a empresa Huawei


Tudo indica que o estreitamento das relações econômicas entre a China e o Consórcio Nordeste, formado pelos nove estados da região, sem a intermediação de Brasília incomoda Bolsonaro não só por ideologia e preconceito, mas principalmente por reduzir o espaço dos negócios dos Estados Unidos em território nacional. O governador da Bahia e presidente do Consórcio, Rui Costa, disse a esta revista que a ação conjunta dos estados não se contrapõe a Brasília: “Nos próximos dias, publicaremos a primeira licitação para compra coletiva do Consórcio Nordeste. O foco inicial são produtos na área da saúde. Quando isso for concretizado, vai ficar ainda mais evidente que o nosso objetivo é melhorar a gestão e reduzir os custos dos estados nordestinos. O Consórcio não é um contraponto político ao governo federal. É uma forma de fazer mais e melhor pelas pessoas. Não vamos nos deixar contaminar pelo ódio que tem marcado a gestão do governo federal. Nosso objetivo é trabalhar para gerar emprego e renda e garantir dignidade às pessoas. O que a gente quer é cuidar de gente, é assegurar a retomada do crescimento da nossa economia”.

Na prática há, entretanto, um abismo entre os procedimentos na área internacional por parte do governo federal e dos governadores nordestinos, deixa claro esta explicação de Costa: “Vamos continuar buscando parcerias internacionais para gerar emprego e desenvolvimento, com respeito e muita diplomacia. O Consórcio vai, portanto, na contramão do que tem feito o governo federal, que tem acumulado uma série de insucessos nas relações internacionais, corroendo o resto de imagem que o País ainda tem no exterior. No Consórcio vamos fazer uma agenda em favor do Brasil e em favor do Nordeste”.


O DESENVOLVIMENTO COM DIPLOMACIA INCLUIRÁ UMA PONTE DE 12,3 QUILÔMETROS ENTRE SALVADOR E ITAPARICA CONSTRUÍDA COM OS CHINESES | FOTO: ISTOCKPHOTO


Não há uma preferência por países, sublinha o governador. “É importante que fique claro: não estamos limitando nossas negociações à China. A maior prova disso é que ela não está no roteiro da primeira missão internacional do Consórcio. Em novembro, devemos ir à França, Espanha, Itália e outros países europeus para prospectar novos negócios para o Nordeste. Queremos fazer compras para uma população de 55 milhões de pessoas, aumentando escala, diminuindo custos e prezando pela excelência dos serviços aos nordestinos. Mapeamos nossas potencialidades para o cruzamento de áreas de interesse com esses países. Saúde, meio ambiente, saneamento, segurança e energias renováveis já estão na pauta da nossa missão.”

O consórcio irá à França, Espanha e Itália na sua primeira missão

A Bahia beneficia-se no momento da ação internacional do Consórcio. Na terça-feira 3, o governador reuniu-se com investidores chineses interessados no projeto de construção da ponte Salvador-Itaparica. O Sichuan Road and Bridge Group confirmou que participará da licitação do projeto, que será publicada neste mês. “A tendência é de que as relações comerciais com a China sejam estreitadas com o Consórcio. Os chineses também já sinalizaram interesse em participar de outros projetos, a exemplo da implantação do serviço de reconhecimento facial por meio de videomonitoramento, que hoje está em fase de projeto piloto na Bahia. Assinamos contrato com a chinesa BYD para implantação do VLT de Salvador e as obras começam este ano, ou seja, o horizonte é o mais otimista possível”, comemora Rui Costa. A ponte Salvador-Itaparica terá 12,3 quilômetros de extensão e será a 23ª maior do mundo.


RUI COSTA | FOTO: GOVBA


A aproximação entre o Consórcio Nordeste e a China envolve, segundo a Folha de S.Paulo, a Huawei, a ZTE e a Dahua, entre outras empresas. A Huawei é a maior produtora mundial de equipamentos de telecomunicação e detém o maior número de patentes da revolucionária tecnologia de quinta geração (5G), essencial ao avanço da telefonia móvel e à evolução industrial, e por esses motivos está no centro do conflito comercial e tecnológico China-EUA.

O Brasil é decisivo tanto para a China como para os Estados Unidos, mas, por não ter estratégia de desenvolvimento, substituída pelo alinhamento automático aos EUA, não se beneficia das contradições das potências em conflito, explica o economista Ronaldo Fiani, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro: “O Brasil encontra-se no meio de um confronto geopolítico global em que todos os movimentos americanos e chineses no nosso território respondem à lógica deste embate. A falta de percepção dessa dimensão geopolítica, juntamente com uma política ingênua e simplista de alinhamento automático com americanos ou chineses compromete gravemente a defesa dos interesses do País”, alerta o economista. Não existe, diz, uma avaliação estratégica própria e, nesse contexto, “como a China é o nosso maior parceiro comercial e os Estados Unidos o nosso maior aliado político, vamos sendo empurrados de um lado para o outro”.




Fiani alertou, em 2016, para o choque de interesses de Estados Unidos e China em relação ao Brasil em torno do petróleo: “Nós temos não só grandes reservas no pré-sal como uma empresa de primeira linha, a Petrobras, com capacidade de explorar essas reservas, o que nos dá notável autonomia para aproveitar esse recurso, e essa estatal se encontra associada às companhias petrolíferas chinesas CNOOC e CNPC. Inseridos num espaço de influência americana, com uma empresa capacitada tecnologicamente para explorar o pré-sal, associada a empresas chinesas, estamos exatamente na linha de confronto. Ainda mais por termos um projeto de submarino nuclear que, por ser muito mais rápido que o convencional, tem capacidade de fechar o corredor do Atlântico”, disparou o economista.

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A disputa mais recente pelo Brasil por parte dos EUA e da China ocorre na área de telecomunicações e tecnologia 5G. Dois meses depois de Trump pressionar Bolsonaro nos Estados Unidos, em março, para barrar a Huawei, o vice-presidente general Mourão assegurou ao presidente da China, Xi Jinping, em Pequim, que o governo brasileiro não banirá as tecnologias 5G da gigante chinesa. Com a perspectiva de licitação para implantar a 5G no começo de 2020, aumentou, entretanto, a troca de farpas sobre a presença da Huawei no Brasil. Na quarta-feira 28, o presidente da estadunidense AT&T, Randall Stephenson, recebido por Bolsonaro em Brasília, mostrou interesse em adquirir a Oi, caso o Congresso aprove novo marco regulatório, o que possibilitaria barrar a aquisição de tecnologia chinesa no País. No sábado 31, o vice-secretário assistente de Estado dos EUA, Robert L. Strayer, foi direto: “Caso o Brasil inclua empresas chinesas de tecnologia como a Huawei em sua rede 5G, os EUA podem reavaliar o compartilhamento de informações que mantêm com o País”.

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QU YUHUI. OS EUA AMEAÇAM A SOBERANIA DO BRASIL, ONDE A HUAWEI ESTÁ HÁ 21 ANOS E FORNECE PARA AS MAIORES OPERADORAS. | FOTO: NICOLAS ASFOURI/AFP


A pressão foi criticada pelo ministro-conselheiro da embaixada da China no Brasil, Qu Yuhui: “Essa declaração é muito ruim, porque é uma ameaça em relação a uma decisão que deveria ser tomada por um país soberano”. A China tem, segundo Qu, 37% do total das patentes na área de tecnologia 5G e a Huawei conseguiu fechar mais contratos de 5G que as suas concorrentes. São 45 contratos até agora em 30 países, inclusive alguns com relação muito próxima com os EUA, como a Arábia Saudita.

Banir a empresa chinesa do País, como querem o governo dos Estados Unidos e seus representantes no governo brasileiro, esbarraria, contudo, em ao menos dois problemas práticos: 1. A Huawei está no Brasil há 21 anos, fornece 50% dos equipamentos utilizado pelas sete maiores operadoras do mercado (incluindo Vivo, Claro e Tim). 2. Os EUA admitem não dispor de tecnologia 5G equiparável à chinesa em qualidade e preço e reconhecem que as empresas que mais se aproximam da Huawei nesses quesitos são a finlandesa Nokia, a sul-coreana Samsung e a sueca Ericsson.

Carta Capital