Na América Latina e Caribe, cerca de 113 milhões de pessoas —quase uma em cinco— moram em favelas, onde especialistas dizem que a taxa de infecções da Covid-19 tende a ser mais alta devido à má nutrição, às moradias estreitas e à saúde precária
25 de maio de 2020, 14:43 h Atualizado em 25 de maio de 2020, 15:00
Thomson Reuters Foundation - Debruçadas sobre máquinas de costura em suas casas na Maré, cerca de 50 mulheres têm a missão de fazer duas máscaras para cada um dos 140 mil moradores do gigantesco complexo de favelas no Rio de Janeiro nos próximos dois meses.
As mulheres —a maioria sem trabalho devido à pandemia de coronavírus— assistiram a vídeos sobre a fabricação de máscaras e estão sendo pagas acima do preço de mercado, disse Andreza Lopes, que coordena o projeto para a organização sem fins lucrativos Redes da Maré.
“Quase metade das mulheres da Maré é financeiramente responsável por suas casas”, disse Lopes, de 32 anos, por telefone, acrescentando que o projeto, que entregará as máscaras de graça, tem o apoio de três bancos brasileiros.
“Agora estão muito felizes e gratas por estar fazendo este trabalho, que tem um significado maior”, acrescentou.
O projeto é um de dezenas de iniciativas sendo adotadas em favelas de toda a América Latina, do Brasil a Venezuela, Colômbia e México, por comunidades pobres que se unem para ajudar os mais vulneráveis durante a pandemia, no momento em que a região está se tornando o novo epicentro do surto do novo coronavírus.
A doença respiratória está se disseminando rapidamente pela região, onde já matou mais de 31 mil pessoas e infectou mais de 570 mil, de acordo com uma contagem da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por toda a América Latina e o Caribe, cerca de 113 milhões de pessoas —quase uma em cinco— moram em favelas, onde especialistas de saúde dizem que a taxa de infecções da Covid-19 tende a ser mais alta devido à má nutrição, às moradias estreitas e à saúde precária.
Mas muitos moradores de favela disseram que o governo lhes ofereceu pouca ou nenhuma ajuda para lidar com as consequências econômicas e sanitárias, obrigando-os e seus líderes comunitários a preencherem as lacunas por si mesmos.
“É uma situação muito trágica neste momento... nada significativo está sendo feito pelo Estado”, disse Alessandra Orofino, chefe da organização sem fins lucrativos Nossas, que trabalha em favelas e cria ferramentas tecnológicas para movimentos sociais.
O Ministério da Saúde do Brasil não respondeu a um pedido de comentário.
DURAMENTE ATINGIDAS
Com acesso limitado ao saneamento e milhões de pessoas dividindo moradias apertadas, as favelas latino-americanas são especialmente vulneráveis à pandemia, dizem especialistas de saúde.
“Nestes locais em que você tem uma alta densidade humana e tem superlotações... você tem um ambiente perfeito para a transmissão”, explicou Federico Costa, especialista em doenças infecciosas e professor da Universidade Federal da Bahia.
No Brasil, onde há mais 22 mil mortes de Covid-19 —o que levou a OMS a rotular o país como o foco mais recente do coronavírus—, cerca de 15 milhões de pessoas moram em favelas.
“São 140 mil pessoas em pouco mais de quatro quilômetros... como você mantém o distanciamento social neste contexto?”, indagou Lopes ao falar da situação na Maré.
A Nossas está ajudando grupos comunitários de favelas do Rio a montar campanhas de arrecadação de fundos para angariar dinheiro para o combate à Covid-19.
No final de abril, a entidade e outros grupos locais organizaram um show transmitido pela internet com músicos brasileiros populares, entre eles muitos que nasceram e cresceram nas favelas.
O show, que teve mais de oito milhões de visualizações, arrecadou cerca de 270 mil reais para a compra e entrega de pacotes de alimentos e conjuntos de higiene aos moradores de favelas do Rio, disse Orofino.
“As favelas criaram resiliência ao longo do tempo, e agora estão usando”.
“Não pensamos de jeito nenhum que esta arrecadação de fundos e a auto-organização deterão a Covid-19. É que não temos tempo para esperar o Estado fazer alguma coisa”.
Desde o início do surto, alguns governos da região vêm distribuindo pacotes de alimentos e pagamentos em dinheiro a comunidades vulneráveis.
Nos bairros pobres de Buenos Aires, as taxas de infecção da Covid-19 estão quase 30% maiores do que em outras partes da capital da Argentina, mostram cifras do governo.
O governo argentino anunciou que os trabalhadores de baixa renda receberão um pagamento único equivalente a 147 dólares, e a Colômbia direcionou 120 milhões de dólares para auxiliar três milhões de trabalhadores da economia informal.
O Chile anunciou transferências emergenciais de dinheiro que chegarão a cerca de 4,5 milhões de pessoas, e a República Dominicana alocou pagamentos em dinheiro a 1,5 milhão de famílias.
Argentina, Equador e Colômbia proibiram que as prestadoras de serviços parem de atender inquilinos com pagamentos atrasados durante a pandemia, e no Peru os lares de baixa renda foram informados de que podem atrasar o pagamento de contas de prestadoras de serviços.
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