Paulo Guedes é mesmo um militante dedicado à causa do financismo. O old chicago boy não descansa um segundo quando se trata de defender interesses da banca e de destruir conquistas que a sociedade brasileira levou décadas para colocar de pé. Nem mesmo a situação trágica que vivemos atualmente serve para atenuar os ímpetos visando demolir o que ainda restou de políticas públicas e de instrumentos do Estado que poderiam ser utilizados em algum projeto de desenvolvimento no futuro. Não! Sua missão destruidora não pode dar tréguas!
O superministro nunca escondeu de ninguém seu desejo maior: privatizar todas as empresas estatais. Afinal, sempre esteve em seu DNA essa raiva inconsolável por tudo o que seja público e que tenha algum sentido de desenvolvimento em seu conteúdo. Guedes não é apenas mais dos inúmeros operadores do mercado financeiro, que sempre ganhou fortunas nas artimanhas malandras e espoliadoras da atividade mais parasita que existe em nossas terras. Tampouco ele é apenas mais um neoliberaloide que faz questão de se manter afastado nos debates que o próprio campo conservador está realizando em todo o mundo. Talvez ele ainda não saiba, mas a sua receita de austeridade cega e burra não está mais no cardápio nem mesmo nas instituições do próprio establishment do financismo internacional.
Paulo Guedes parece ter incorporado de verdade o espírito da destruição a qualquer custo. Essa busca fanática por reduzir a pó as disposições progressistas ainda presentes na Constituição Federal o acompanha há muito tempo. Vem desde os meses que antecederam a campanha eleitoral de 2018 e serviu como elemento que o catapultou à condição de “posto Ipiranga” do candidato a presidente. “Eu não entendo nada de economia. Perguntem ao Guedes”, dizia Bolsonaro à época. Esse era o jeito esperto de fugir de perguntas polêmicas, de questões complicadas sobre votações anteriores do então deputado federal e de consolidar sua candidatura junto ao coração do sistema financeiro. A estratégia funcionou bem.
Maia x Guedes? Nem tanto assim.
A sanha destruidora se manteve mesmo após a chegada da equipe de Bolsonaro à Esplanada dos Ministérios. Mas Guedes começou a perceber que havia obstáculos a contornar, caso se mantivesse mesmo no intento de seu projeto “extinção absoluta”. Houve o momento da Reforma da Previdência, quando perdeu protagonismo para o projeto “não tão radical” costurado por Rodrigo Maia. Vieram as dificuldades para conseguir a venda das empresas estatais da forma abrupta como ele desejava, em razão de pressões gerais e da ação do Supremo Tribunal Federal (STF). Enfim, nada que o proibisse de fazer a essência do que pretendia, mas eram recomendações recheadas de condicionantes e atenuantes. E Paulo Guedes, como se percebe cada vez melhor à medida que avança a conjuntura, não admite ser contrariado em seus rompantes.
Mas mesmo assim, no final do ano passado, ele não conteve e deitou falação na base do sincericídio. No dia 18 de dezembro, depois de afirmar que os brasileiros teriam o melhor Natal dos últimos anos (sic), ele ofereceu as manchetes que os grandes meios de comunicação mais desejavam:
“Guedes defende reduzir salário de servidor e privatizar todas estatais.”
Pois ele iniciou 2020 com essa meta em sua cabeça. Ao que tudo indica, pouco importa para Guedes o surgimento da “gripezinha” e as suas terríveis consequências para a maioria da população e para nossa economia. Para o economista de planilha, apenas interessam números, cifras e ganhos. As vidas não importam. Recursos para saúde tampouco. Ações programadas pelo Estado para diminuir o drama provocado pelo covid 19 não passam sequer perto de seu gabinete.
Assim foi a articulação que patrocinou para demolir o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 139, que a Câmara dos Deputados aprovou na semana passada, com o intuito de assegurar recursos da União para que Estados e Municípios fossem compensados pelas perdas de receita tributária. É mais do que sabido que a queda na atividade econômica (uma consequência inelutável do próprio confinamento tão necessário) ataca em cheio o coração das finanças estaduais e municipais, com perda de impostos como ICMS e ISS. Acordou-se com Rodrigo Maira na condução do processo a ajuda em um volume de R$ 200 bilhões - que já se sabia, aliás, insuficiente para todo o período.
Guedes estava disposto a conceder um repasse ridículo de apenas R$ 60 bi e iniciou uma campanha para desmoralizar o projeto. Foi ajudado por Davi Alcolumbre no Senado Federal e ali foi gestado o PLP 49. O projeto aprovado na Câmara foi abandonado. Os valores foram reduzidos em 40%, caindo para R$ 120 bi. E o governo introduziu uma série de exigências de contrapartida para que os recursos saíssem de Brasília. E lá seguem propostas de privatização regional e local, bem como redução e congelamento de salários de servidores. A dose da maldade foi tamanha, que Guedes conseguiu introduzir o congelamento dos salários dos funcionários públicos federais. Que nem estavam na matéria inicialmente.
O raio privatizador.
Em outro front, ele não descansa da venda das empresas públicas e de economia mista aos seus afetos do capital privado. Não existe ninguém em sã consciência que se atreva sugerir negociar ativos valorosos como esses em momentos de depressão econômica como o atual. Os preços vão lá para baixo e os valores recebidos são equivalentes a preço de banana. Pois Guedes não desiste. E acaba de ordenar que seja acelerado o processo de privatização da distribuidora de gás da Petrobrás. A Gaspetro é um empresa altamente lucrativa e os agentes do mercado internacional da energia estão de olho no negócio. O governo estaria disposto a abrir mão dos 51% que tem das ações da empresa.
E para fechar o rol das decisões do governo em prol do financismo, foi anunciado a redução de tributos devidos pelos bancos. Uma loucura! Em meio à grave crise atual, o único setor que nunca deixou de apresentar lucros bilionários desde o início da recessão recebe um verdadeiro presente de Papai Noel antecipado. Enquanto a chegada dos míseros R$ 600 de auxílio emergencial são eternamente adiados em chegar à conta dos destinatários mais necessitados, Guedes autoriza diminuição da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos, com importante redução na arrecadação.
Guedes acha que pode tudo. Talvez sua vovozinha lhe recomendasse cautela e caldo de galinha em situações como essa. As decisões recentes de Bolsonaro para com alguns de seus ministros podem levar a conclusão diferente. Com a popularidade de seu governo despencando ladeira abaixo, não surpreenderá a quase ninguém se o capitão arranjar outros auxiliares para responsabilizá-los pelos erros de seu governo.
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal
Carta Maior
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