segunda-feira, 8 de junho de 2020

João Saldanha merece ser lembrado nos 50 anos do tri

O título proporcinou um momento de catarse no povo, que foi para a rua extravasar sua alegria, a despeito da ditadura militar como política de estado, que vigorava à época.


Paulo Cezar Soares * Solidário Notícias

Após ter sido convidado para dirigir a Seleção Brasileira nas eliminatórias para a Copa do Mundo do México, em 1970, realizada entre os dias 31 de maio e 21 de junho, João Saldanha, na sua primeira entrevista, sem mais delongas, sem discursos empolados ou coisa que o valha, tirou um pedaço de papel do bolso e anunciou seu time titular e o reserva.

Os onze titulares – Félix, Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Brito, Rildo, Wilson Piazza, Gérson, Jairzinho, Dirceu Lopes, Pelé e Tostão. Os onze reservas – Cláudio, Zé Maria, Scala, Joel, Everaldo, Clodoaldo, Paulo César Lima, Paulo Borges, Toninho Guerreiro, Rivelino e Edu.

As Feras do Saldanha, como ele mesmo denominou. Frisou que era para “ desafrescalhar” aquela história de seleção canarinho. Visava também resgatar a autoestima dos jogadores e da torcida.

João Saldanha ganhou notoriedade como jornalista esportivo, comentarista e técnico de futebol. Dirigiu o Botafogo – foi campeão carioca em 1957 – e a seleça nas eliminatórias para a Copa no México. Tanto escrevendo quanto falando, era objetivo. Do intelectual ao guarda da esquina, todos entendiam sua mensagem. Homem de caráter e corajoso, não fazia policitagem barata. Criticava o que tinha que ser criticado.

O Brasil estava sob o regime de uma ditadura militar (1964-1985), que praticou graves violações dos direitos humanos – detenções ilegais, desaparecimentos, torturas e execuções. À época, o general de plantão era Emílio Garrastazu Médici – o ditador governou o país no período de outubro de 1969 até março de 1974 – , que gostava de futebol e, não raro, comparecia nos estádios.

Na véspera de um amistoso contra a Argentina, parte do treinamento para a Copa do Mundo, um repórter pergunta a Saldanha se ele sabia que Médici aplaudiria a convocação do centroavante Dario. Bem ao seu estilo, Saldanha responde. “ Não fui chamado a opinar sobre seu ministério. Não aceito que opine sobre meu time”.

Nas elimnatórias, o Brasil demonstrou uma superioridade técnica bem superior aos seus adversários, e se classificou sem problemas. Seis jogos, seis vitórias, 23 gols.

Mas, faltando três meses para o início da Copa, a CBD – depois CBF – resolveu trocar o técnico da seleção. Demitiram Saldanha. E contrataram Mário Jorge Lobo Zagallo.



O fato, entre outras coisas, suscitou uma série de polêmicas entre os amantes do futebol. Afinal, o que teria motivado a saída do João Saldanha? Para o jornalista Juca Kfouri foi um ato político ( veja a entrevista abaixo)

Ao assumir, Zagalo, além de cortar Zé Carlos – meio campo do Cruzeiro -, e convocar Dario, fez alterações na seleção. Saíram os zagueiros Djalma Dias e Joel. Entraram Brito e Piazza, que disputou as eliminatórias como apoiador, sua verdadeira posição e, ao recuar, abriu espaço para Clodoaldo. E Edu, ponta esquerda ofensivo, driblador, saiu para a entrada de Rivelino.

No México, a seleção exibiu estrutura tática, técnica, preparo físico e emocional. Seis jogos, seis vitórias, 19 gols. E a conquista definitiva da Taça Julies Rimet, após a final contra a Itália – 4 a 1.

Pelé – o único jogador a conquistar três Copas do Mundo – foi considerado o melhor jogador da Copa. O segundo melhor jogador foi Gérson. E Jairzinho, o Furacão da Copa, fez gol em todos os jogos.

Uma Copa de lances marcantes, inesquecíveis. como por exemplo, no jogo contra a Inglaterra – Brasil venceu por 1 a 0 – cujos protagonistas foram Pelé e o goleiro Banks. Após um cruzamento da esquerda, Pelé subiu mais do que os zagueiros ingleses e cabeceou em direção ao chão. Seria gol certo, não fosse uma defesa fantástica de Banks, que conseguiu espalmar para escanteio, no que foi considerada a maior defesa da história das Copas.

Nas semifinais, contra o Uruguai – Brasil 3 a 1 – , após uma reposição erradada goleiro Mazurkiewicz, Pelé acertou o chute de bate- pronto. O goleiro pegou, mas foi no susto. E, numa outra jogada, mais uma vez a genialidade de Pelé se fez presente. Ao receber a bola da esquerda, Mazurkiewicz saiu do gol para tentar pegá-la, mas quando viu Pelé chegando com uma velocidade impressionante, ficou sem ação. O goleiro vê Pelé passar por ele sem tocar na bola, num drible de corpo antológico. Goleiro batido, Pelé chutou para o gol. Mas a bola, passou rente à trave e foi para fora.

Entre as maiores seleções brasileiras de todos os tempos figuram a seleção de 58-62, bicampeã mundial, time que tinha Pelé e Garrincha, seguida pela de 70, que teve como base o time formado por João Saldanha.

Lamenta-se que parte da imprensa esportiva minimize os seus méritos, relegando-o ao esquecimento. Seria um preconceito ideológico, tão em moda no momento? Mas a trajetória profissional vitoriosa de Saldanha faz parte da história do futebol brasileiro. Está registrada nas páginas dos jornais, na televisão, no rádio e em livros como Vida que Segue: João Saldanha e as Copas de 66 e 70 – do historiador Raul Milliet Filho.


Solidário Notícias – Defina a Seleção Brasileira de 70
Juca Kfouri – A conquista do tricampeonato mundial no México alterou completamente o clima pesado que o Brasil estava passando. A comemoração virou uma grande festa, com os torcedores tomando as ruas das principais capitais do país. Lembra como foi a sua emoç~´ao naquele momento e onde estava?
Vi o jogo na casa de meus pais e sair para comemorar no centro de São Paulo. Nunca confundi a ditadura com a seleção.

SN – Muitos torcedores consideram a seleção de 70 a melhor de todas as Copas. Compartilha dessa opinião?
JK – Para mim é a de 1958, porque com Mané e Pelé juntos. Depois a de 70.

SN – Na época da Copa de 70, quando o Brasil estava sob o regime de uma ditadura militar, havia uma discussão informal, principalmente entre o pessoal da esquerda, que torcer para a seleção soava como estímulo ao governo. Fale um pouco sobre esse fato?
JK – Uma bobagem que permitia a ditadura tomar até o sentimentos mais íntimos das pessoas. A bandeira é do Brasil, não da ditadura ou dos bolsominions.

SN – O afastamento do técnico João Saldanha, na sua opinião foi preconceito ideológico, porque ele não quis convocar o centroavante Dario, jogador que o ditador de plantão, Emílio Garrastazu Médici admirava?
JK – Saldanha voltar com o tri seria um problemaço para a ditadura porque ele punha a boca no mundo.

SN – O pronome se costuma ser personagem em diversas discussões sobre futebol, como por exemplo, se fulano não tivesse perdido aquele pênalti, se aquele chute que pegou na trave tivesse entrado, e por aí vai. Uma delas, ainda hoje, de vez em quando vem à baila: se João Saldanha tivesse sido o técnico durane a Copa, a seleção teria vencido?
JK – Não há nenhuma razão para duvidar.

SN – Uma grande polêmica ainda na fase emliminatória foi o corte do centroavante Toninho Guerreiro. Alegaram que o jogador estava com “sinusite”. Para o seu lugar, Saldanha convocou Zé Carlos, meio campo do Cruzeiro que, quando Zagallo assumiu o comando, também foi cortado. E convocado o Dario. Seria exagero afirmar que foram duas decisões infelizes?
JK – Completamente políticas. A seleção era tão boa que venceu até os golpes baixos internos.

SN – Na sua opinião, o que melhorou e o que piorou no futebol, comparando a décda de 60, 70, com os dias atuais?
JK -Melhoraram as condições de jogo, dos gramados aos equipamentos e preparo físico.
No Brasil, piorou o talento.

SN – No prefácio do livro Gigantes do Futebol Brasileiro, dos jornalistas João Máximo e Marcos de Castro, Luis Fernando Veríssimo afirma que o futebol mudou muito desde os tempos de Friedenreich. O que pouco mudou foi a relação do torcedor com o futebol. Continua sendo uma coisa meio irracional e misteriosa: “amamos uma camiseta, um nome, um escudo. Amamos, no fim, uma abstração. Mas o que realmente nos leva ao estádio, e nos envolve e reforça nossa devoção, é nada mais concreto que o grande jogador. Vi o Maracanã encher para ver o Pelé jogar pelo Santos contra times do exterior. Poucos no estádio eram santistas, menos ainda torciam pelo outro time. Estávamos lá em reverência ao talento. Estávamos lá para ver o gigante”. Concorda?
JK -100%!

SN – Quem escalaria no seu time: Jairzinho ou Cristiano Ronaldo?
JK – Cristiano.

* Colaborou Rafaela Torres

Solidárionotícias

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