sábado, 6 de junho de 2020

Trump nos leva à beira do abismo

Créditos da foto: Caos em frente a Casa Branca, no domingo (Jonathan Ernst/Reuters)

No outono passado, Bob Kroll, chefe do sindicato da polícia de Minneapolis, esteve em um ato de apoiadores de Trump, onde agradeceu ao presidente por ter dado fim à "opressão à polícia" feita por Barack Obama e por permitir que os policiais "pusessem algemas nos criminosos em vez de em nós mesmos".


Por Paul Krugman                                                                                                 05/06/2020 18:46

Os acontecimentos da semana passada, quando a morte de George Floyd sob a custódia da polícia de Minneapolis levou a manifestações contra a brutalidade policial, gerando mais brutalidade policial – inclusive violência sem precedentes contra a mídia – deixaram claro o que Kroll queria dizer com tirar as algemas da polícia. E Donald Trump, longe de tentar acalmar o país, joga gasolina no fogo; ele parece bem perto de tentar incitar uma guerra civil.

Não acho exagero dizer que os Estados Unidos, como os conhecemos, estão na beira do abismo.

Como chegamos até aqui? A história central da política norte-americana nas últimas quatro décadas é a das elites ricas usando o racismo como arma para ganhar poder político, usado para reforçar políticas que deixavam os já ricos mais ricos às custas dos trabalhadores.

Até a ascensão de Trump, era possível – ou quase – negar essa realidade com a cara mais séria do mundo. Neste momento, no entanto, só quem não quer pode não ver o que está acontecendo.

Ainda me deparo, de tempos em tempos, com notícias que descrevem Trump como um "populista". Mas as políticas econômicas de Trump são o oposto de populistas: são implacavelmente plutocráticas, amplamente centradas no esforço bem-sucedido de garantir enormes cortes de impostos para as empresas e os mais ricos, e na até agora malsucedida tentativa de negar o acesso à saúde aos pobres e às famílias da classe trabalhadora.

As guerras comerciais de Trump tampouco trouxeram de volta os bons empregos de outrora. Mesmo antes de o coronavírus nos mergulhar na depressão, Trump não havia conseguido um grande aumento de postos de trabalho na mineração ou na indústria. E a agroindústria, que deu amplo apoio a Trump em 2016, sofreu enormes perdas graças a suas guerras comerciais.

Então, o que Trump realmente ofereceu à classe trabalhadora branca que compõe a maior parte de sua base? Basicamente, ele forneceu motivação e proteção para sua hostilidade racial.

É no relacionamento de Trump com a polícia que isso está mais claro.

Se o interesse econômico fosse a única coisa que definisse a orientação política, era de esperar que os policiais pendessem para os democratas. Afinal, são funcionários públicos sindicalizados – e os republicanos são tanto antissindicais quanto antiestado.

Eles não ganham o suficiente para se beneficiar muito do corte de impostos de Trump. Seus empregos estarão em grande em risco se os governos estaduais e locais, desesperados por receita, forem obrigados a fazer cortes drásticos nas despesas – e os aliados de Trump no Senado estão bloqueando a ajuda que poderia evitar tais cortes.

Realmente, as contribuições políticas dos sindicatos do setor público destinam-se predominantemente aos democratas. E enquanto muitos bombeiros votaram em Trump em 2016, o maior sindicato de bombeiros apoiou Joe Biden.

Mas muitos policiais e seus sindicatos continuam firmes apoiadores de Trump, e são bem claros sobre os motivos: sentem que Trump os apoiará mesmo – ou talvez especialmente – se cometerem abusos em relação às minorias raciais.

Só para deixar claro, provavelmente a maior parte dos policiais se comportou bem na semana passada. E em algumas cidades a polícia demonstrou solidariedade com os manifestantes, juntando-se às marchas ou se ajoelhando.

Mas Trump está claramente do lado daqueles que rejeitam qualquer noção de que policiais – ou qualquer outra pessoa em posição de autoridade – devam ser responsabilizados por comportamento abusivo. Lembrem-se de que ele usou sua autoridade para perdoar membros das forças armadas dos EUA acusados ou condenados por cometer crimes de guerra.

Em uma ligação com governadores na segunda-feira, ele não mostrou sinais de reconhecer que pode haver justificativa para protestos em todo o país ou que ele deva desempenhar algum papel para unificar o país. Em vez disso, disse aos governadores que toda a violência vinha da "esquerda radical" e insistiu que os governadores fossem mais duros: "Vocês precisam mostrar que estão no controle ou parecerão um bando de idiotas; vocês têm que prender e processar essas pessoas”.

Trump – que se refugiou em um bunker subterrâneo quando os manifestantes chegaram na frente à Casa Branca – também disse aos governadores que "a maior parte de vocês são fracos".

Foi um comportamento aterrorizante.

Os republicanos, como já disse, passaram décadas explorando a hostilidade racial para conseguir vencer as eleições apesar da agenda política que prejudica os trabalhadores. Mas Trump hoje leva essa estratégia cínica a uma espécie de apoteose.

Por um lado, ele incita efetivamente a violência de seus apoiadores. Por outro lado, está muito perto de recorrer a uma resposta militar a protestos sociais. E, neste momento, ninguém espera qualquer reação significativa vinda de outros republicanos.

Mas não acho que Trump conseguirá provocar uma guerra racial no futuro próximo, embora esteja claramente ansioso por uma desculpa para usar a força. Mas provavelmente os próximos meses ainda serão muito, muito difíceis.

Afinal, se Trump incentiva a violência e cogita soluções militares para protestos pacíficos (na esmagadora maioria), o que ele e seus apoiadores farão se parecer possível que ele perca a eleição de novembro?

*Publicado originalmente em 'The New York Times'Tradução de Clarisse Meireles

Carta Maior

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