Em todas as eleições vê-se presente a manipulação eleitoral dos trabalhadores e das classes médias em favor das teses da extrema direita política, que tem como ponta de lança a agitação de rua promovida pelos partidos neonazifascistas. Este tipo de extremismo reflete os sombrios anos 30 do século passado. É um tempo que permanece na consciência ética da Europa pelos desastres históricos, sociais, políticos e humanitários que provocou
Por Celso Japiassu 21/12/2020 15:23
O ano que assistimos findar teve início com a Europa sob a sombra do Brexit, executado pelo governo de direita que defendera nas ruas o que foi considerado um salto na escuridão. O economista francês Thomas Piketty lembrou que, no referendo que aprovara a saída do Reino Unido da União Europeia, apenas 30% que representavam os mais favorecidos em termos de rendimentos, educação e patrimônio votaram para permanecer unidos ao continente. Os outros 70% votaram contra. E adverte que há um divórcio entre as classes trabalhadoras, a classe média, a construção da Europa e a globalização.
É um tipo de contradição que se verifica em outros países europeus e também pelo mundo afora. Em todas as eleições vê-se presente a manipulação eleitoral dos trabalhadores e das classes médias em favor das teses da extrema direita política, que tem como ponta de lança a agitação de rua promovida pelos partidos neonazifascistas. Este tipo de extremismo reflete os sombrios anos 30 do século passado. É um tempo que permanece na consciência ética da Europa pelos desastres históricos, sociais, políticos e humanitários que provocou.
A militância democrática teme a ressureição dessas ideias e os novos desastres que podem provocar. Elas são uma concreta ameaça à aposta da União Europeia num futuro de paz em um continente marcado pelas tragédias humanas das quais foi palco privilegiado.
A difícil maioria espanhola
No começo do ano, a 7 de janeiro, é que foi finalmente formado o novo governo de centro esquerda na Espanha, depois de meses de impasse até se chegar a um mínimo consenso.
O PSOE, de centro esquerda, majoritário nas eleições, e o Unidas Podemos, coligação de esquerda que passou a lhe dar apoio, finalmente conseguiram formar maioria no parlamento. A Esquerda Republicana da Catalunha (Esquerra Republicana de Catalunya) absteve-se, permitindo que Pedro Sanchez, primeiro ministro, assumisse contra uma forte e agressiva oposição da direita e da extrema direita e a ter como herança vários problemas regionais configurando a maior crise territorial da história do país. Os separatistas articulam-se na Catalunha, no País Basco, Galícia, Andaluzia, Aragão, Astúrias, Ilhas Canárias, Cantábria e Leão, todos com seus partidos políticos que reivindicam independência. O governo de Pedro Sanchez tem 155 deputados e precisa do apoio de mais 21 representantes de outros partidos para ter suas decisões aprovadas.
Os protestos na França
No começo do ano a França continuava no impasse entre o governo e os 800 mil manifestantes mobilizados contra a reforma da previdência e outras mudanças anunciadas pelo governo Macron. Foram vitoriosos, como sempre acontece quando o povo vai para as ruas. Mas continuam as contradições políticas que os motivaram e agora os protestos se voltam contra a nova lei de segurança do governo Macron que, pressionado por enormes manifestações, prometeu uma revisão da lei, principalmente do seu artigo 24, que proíbe que sejam filmadas as ações dos agentes policiais, o que viola o direito de informação, é o que dizem os movimentos de rua. O governo quer evitar que os protestos provoquem uma crise política em meio a uma crise econômica e da pandemia que afetou todos os países. Macron promete mudanças nos métodos de formação e liderança das forças de segurança em face dos constantes episódios de violência, que foram denunciados graças aos vídeos cuja divulgação o artigo 24 quer proibir.
Uma semente da extrema direita em Portugal
Até o ano passado, Portugal julgava-se livre de representantes da extrema direita em seu parlamento. Nas eleições legislativas de outubro de 2019, no entanto, o partido denominado Chega, radical de direita, obteve 1,3 por cento dos votos e conseguiu eleger um deputado. André Ventura, o deputado do Chega, é agora candidato à presidência da república nas eleições que terão lugar a 23 de janeiro de 2021. Embora o atual presidente, Marcelo Rebelo de Souza, esteja com a sua eleição assegurada com 65 por cento das intenções de voto, o candidato da extrema direita tem como objetivo ser mais votado do que a soma dos outros candidatos de partidos de esquerda: Ana Gomes, do Partido Socialista, com 17,2%; Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, com 4,7% e João Ferreira, do Partido Comunista Português, com 1,6%. Ventura, segundo as pesquisas, hoje contaria com 10 por cento dos votos portugueses.
Mesmo assim Portugal ainda se encontra longe da Hungria e da Polônia, as duas pontas de lança do fascismo cuja sombra ameaça o continente. Na França, o Ressemblement National (Reagrupamento Nacional), de Marine Le Pen, chegou em segundo lugar nas últimas eleições para presidente. Na Alemanha, o partido mais radical da direita, Alternativa para a Alemanha (em alemão: Alternative für Deutschland, sigla AfD), hoje liderado por Tino Chrupalla, um político jovem que já foi membro da CDU de Angela Merkel, tem 90 representantes no Bundestag, o parlamento alemão, e grandes projetos de poder no futuro político do país. Como estratégia eleitoral na procura dos eleitores do centro, o partido tem moderado o seu discurso. Em 26 de setembro do ano que vem serão realizadas as eleições legislativas e estará em disputa o lugar de Angela Merkel, que já disse não estar interessada em exercer um quinto mandato. O aceno do AfD ao centro foi definido pela imprensa como uma “operação de charme”. O lobo em pele de cordeiro.
Se há um recuo da democracia na Europa e aumentaram os ataques dos seus inimigos, as esquerdas também se movimentam em sentido contrário. O Partido da Esquerda Europeia (em inglês Party of the European Left (PEL), ou European Left, reune 27 partidos de esquerda do continente. Representam a maior parte dos partidos comunistas europeus e também aqueles que sucederam os partidos comunistas que se reorganizaram nos últimos tempos. Outras forças de esquerda anticapitalista estão também representadas, inclusive socialistas democráticos. Em seu sexto congresso, no ano passado, o PEL reafirmou os princípios e objetivos de luta: superar o capitalismo para construir a Europa dos povos, salvar o planeta e garantir a paz.
Carta Maior
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