domingo, 27 de dezembro de 2020

Pai Coragem


No documentário 'Sem Descanso', um bárbaro assassinato serve de mote para discutir os fatores éticos e étnicos envolvidos na violência policial


Por Carlos Alberto Mattos                                                                   22/12/2020 21:38

A partir do caso de um rapaz morto pela polícia na periferia de Salvador em 2014, o diretor Bernard Attal traça um dossiê de vários aspectos envolvidos na questão da violência policial. Não há grandes novidades em relação a outros filmes recentes sobre o tema, especialmente Não Matem Nossos Filhos!, de Susanna Lira, À Queima Roupa, de Theresa Jessouroun, e Auto de Resistência, de Natasha Neri e Lula Carvalho. Ainda assim, o filme se impõe pela particularidade de enfocar um Pai Coragem, quando, no Brasil, esse papel tem sido mais comum entre as mães.

Jurandy Santana criou seu filho Geovane sozinho. Um dia, o viu sair de moto e não voltar mais. A busca por delegacias e hospitais sendo em vão, ele enveredou por uma investigação pessoal e contou com o apoio investigativo do jornal Correio. Não temeu a probabilidade de se tornar figura incômoda para uma polícia violenta como a baiana. Por sua perseverança, acabou-se descobrindo que Geovane, aos 22 anos, fora morto e esquartejado nas dependências de uma instalação policial, tendo os pedaços de seu corpo deixados em duas localidades remotas diferentes.

Sem Descanso descreve um triângulo, saindo de Salvador rumo ao estado americano de Missouri, onde o jovem negro Michael Brown foi assassinado por um policial na mesma semana que Geovane. Por fim, retorna ao Brasil e abre o compasso para outros casos semelhantes.

Nos dois países, o cineasta francês radicado no Brasil (e casado com uma baiana) recolhe falas de ativistas e estudiosos sobre as circunstâncias éticas e étnicas envolvidas. O fato de Geovane ter sido um assaltante contumaz não justifica seu "desaparecimento", nem a extrema brutalidade cometida contra ele. A propósito, causa horror ver o discurso monstruoso do deputado Túlio Isac, líder do PSDB, defendendo a morte de bandidos e chamando de "canalhas" os defensores de direitos humanos.

A discussão se estende para os fatores que levam a sociedade a ser leniente com o assassinato de negros e o Brasil a não ter uma polícia preparada para ser guardiã em vez de guerreira.

O filme se beneficia de um formato simples e objetivo, contando com a colaboração de Jurandy na autoencenação de seu périplo obstinado. Um piano dolente na primeira metade procura sublinhar sem necessidade o sentimento de luto da família, entrevistada já em 2015. A emoção contida do pai, dos avós e da ex-namorada do rapaz já seriam o bastante para nos conectar com mais essa tragédia brasileira.

Sem Descanso está nas plataformas VOD do Canal Brasil, Now, Vivo e Oi





Carta Maior

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