Composto por 92 milhões de membros e com critérios de seleção draconianos, o Partido Comunista Chinês (PCCh), agora composto na sua maioria por aqueles que possuem diplomas universitários e por professores do ensino superior, detêm um papel de controle fundamental.
'100 anos do Partido Comunista da China'
Por Frédéric Lemaître 08/07/2021 18:16
No dia 9 de abril, a senhora Zhou Shaoxin se apresenta contente: “é meu aniversário”, diz a executiva do setor de treinamento do Banco Central da China. Um pouco surpresos pela informalidade com que ela se apresentou, nós a parabenizamos, antes que ela explicasse: “hoje faz 12 anos que eu sou membro do Partido Comunista!”
Anos atrás, a executiva, de 49 anos não teria feito qualquer referência a essa data diante a um desconhecido, no entanto, em março de 2019, o PCCh ordenou, aos seus 90 milhões de membros (92 milhões nos dias de hoje, o que representa 6,6% da população), a celebrar seu “aniversário político”. A ordem não veio de uma instância qualquer do Partido, mas da comissão central de inspeção disciplinar. Isso significa que não se trata de uma comemoração como a de um aniversário qualquer, com presentes e confetes; o que está em jogo é a fidelidade ao engajamento inicial.
“Quando os membros do Partido fazem o juramento solene à bandeira da instituição, isso significa que eles se comprometem solenemente a sacrificar tudo em nome do Partido”, explicam os guardas da sede do Partido Comunista. “Um momento de tal importância deveria estar profundamente ligado à memória”. Sob a mesma lógica, o PCCh começou no outono de 2019 a utilizar a blockchain – uma tecnologia que permite guardar e transmitir informações sem que se possa modificá-las – com o objetivo tornar o compromisso assumido pelos seus membros algo indestrutível.

Dois anos de formação
A sra. Zhou tem outra razão para se lembrar da data do seu aniversário. A sua adesão premia a sua perseverança. Mesmo para uma mulher como ela, criada no seio de uma família comunista e estudando o marxismo na universidade, o processo de adesão ao Partido tem a duração aproximada de dois anos. O próprio presidente Xi Jinping nunca escondeu ter sido reprovado nove vezes antes de obter sua carta de adesão em 1974 em função de problemas que envolviam seu pai, exilado em uma província por Mao.
Para alcançar a elite nacional é necessária a entrada no Partido, processo que se inicia com o envio de uma carta de motivação à célula local. Estas são mais de 4,6 milhões espalhadas por bairros e empresas (incluindo estabelecimentos estrangeiros), associações e exército, estabelecidas após 1927 sob a autoridade do PCCh. Uma vez que a candidatura é homologada, deve-se fornecer informações sobre si, assim como informações sobre seu círculo social. Dois membros do Partido são encarregados de conduzir a avaliação.
A partir dai começa um período de um ano no qual o candidato deve seguir uma formação de alguns dias e redigir a cada trimestre um pequeno relatório político. Paralelamente, o Partido interroga oito pessoas próximas ao candidato. Nessa etapa, o candidato pode apresentar uma solicitação formal e ser recebido para uma última entrevista. Se ele for aceito, deverá doar uma cota de 0,5% à 2% de seus rendimentos líquidos. Ao final de um ano probatório, se tudo correr bem, ele é admitido.
Quase 20 milhões de pessoas se candidatam a cada ano. Menos da metade é aceita. “Na tentativa de melhorar a qualidade de seus membros, o PCCh elevou seus critérios de adesão. Isso causou a diminuição do número de novos membros aceitos a partir de 2012”, aponta o instituto alemão Mercartor Institute for China Studies (Merics), especializado em estudos sobre a China. 2012 é justamente o ano que Xi Jinping chega ao poder.
O PCCh, que durante a Revolução Cultural (1966-1976) conduziu uma caça indiscriminada às elites do país, desde de 2019 é majoritariamente composto por diplomados e professores universitários. Nos dias de hoje, é difícil para um bom aluno universitário suportar a pressão de seus colegas e não se candidatar a membro do Partido. Por outro lado, às vezes ouvimos um funcionário, cuja formação acadêmica não é nada excepcional, lamentar ainda não ter sido admitido.
Mesmo que Mao tenha dito que “as mulheres sustentam a metade do céu”, no Partido elas não representam mais que 27,9% dos membros atuais. Um número que vem aumentando, mesmo que, Sun Chunlan, seja a única mulher entre os 25 membros da direção política. Ela é somente a sexta mulher a ocupar esse cargo desde o ano de 1949. E nenhuma delas chegou ao mais alto dos cargos: o comitê permanente do Partido. Um grupo de sete homens. Os verdadeiros administradores do país.
Não foi em Pequim, mas em Jinggangshan que nós encontramos com a sra. Zhou Shaoxin. A cidade de 170.000 habitantes, situada ao sul do país, na fronteira da província de Jiangxi e de Hunan, frequentemente denominada como “o berço da revolução chinesa”. Foi lá, na paisagem de colinas cobertas por uma espessa bruma da cidade – um cenário propício para a guerrilha –, que Mao Tse Tung reuniu seus partisans em 1927, depois que o Partido Nacionalista Chinês, o Kouomintang, se voltou contra o PCCh. O exército popular nasceria ali. Ele levaria 22 anos para assumir o poder em todo o país.
Zhou está num estágio na academia que o PCCh abriu em 2005, considerado um local sagrado para a difusão do que se denomina “o espírito de Jinggangshan”. Quase 2.400 escolas assumem a formação de partidários comunistas por todas as partes do país, mas somente três possuem o título de “academia”. Em Jinggangshan, 18 hectares de área verde e 60.000 metros quadrados de construções modernas, mas sem qualquer luxo excessivo, permitem à elite da elite – 400 alunos vindos de várias partes do país – “buscar a verdade dos fatos e demonstrar determinação”, duas características do maoismo que, segundo a propaganda, permitirão ao Partido celebrar triunfalmente seu centenário no dia 1º de julho.

Linguagem religiosa e “milagres”
Na academia de Jinggangshan, como em qualquer lugar onde se encontra o PCCh, não há espaço para dúvida. “Nós criamos a força política mais poderosa do mundo”, exalta Mei Liming, vice-presidente da instituição da cidade. Quando perguntado sobre os debates internos, a resposta de M. Mei é, “aqui nós insistimos na disciplina”. O slogan da propaganda sobre o centenário confirma: “seguir o Partido, sempre”.
“Espírito” e “busca da verdade”, o vocabulário utilizado revela mais uma linguagem religiosa do que política. O próprio Xi Jinping, desde 2013 apelava aos comunistas com termos como “se autopurificar, se aperfeiçoar, se reformar, se elevar”. Oito anos mais tarde, os termos “missão” e “fé no Partido”, são onipresentes nos seus discursos. O PCCh até mesmo realiza “milagres”. Segundo Xi Jinping, a erradicação oficial da pobreza no país é exemplo disso. Em Xangai, foram os munícipes que exaltaram, com muita seriedade, um outro milagre: “uma avó, acometida por paralisia que a havia deixado em uma cadeira de rodas, se levantou ao escutar uma canção patriótica comunista.”
Fundamentalmente, o Partido, o Estado e a nação compõem uma “misteriosa relação simbólica”, que o sinólogo britânico, Kerry Brown, diretor do Lau China Institute do King’s College de Londres, compara no seu livro China’s Dream (O Sonho da China), “com a ideia da Trindade cristã”. Uma Trindade dominada pelo PCChh, que sempre precede o país nos discursos oficiais.
Em 2013, assim que Xi Jinping, foi designado secretário geral do PCCh, foi realizada uma primeira “reordenação” no interior desta instituição, a agência Nova China (agência de notícias oficiais do governo), obedecendo às ordens do novo líder explicava que se tratava da “consolidar a conexão de carne e sangue entre o Partido e o povo”. Os militares, os jovens… a partir de 2013, cada segmento da população é convocado a ter o “gene vermelho”. Desse modo, um bom estudante deve ser “comunista e especialista”, afirmou o presidente em abril, na celebração dos 110 anos da universidade de Pequim. Na sua visão, ser patriota sem se alinhar ao PCCh é inconcebível.
Na homenagem a Yuan Longping, o criador do arroz híbrido, falecido no dia 22 de maio, Xi Jinping clamou aos cientistas para que seguissem o exemplo de Longping e “amassem o Partido”. No caso o cientista não era membro desta instituição e se mantinha voluntariamente distante da política. Nas universidades, nas empresas públicas… mesmo os não comunistas foram “convidados”, nestes últimos meses, a participar dos preparativos da comemoração do centenário. Nos jardins de infância, as crianças são incentivadas a brincar com “soldados vermelhos”. A história do PCCh também é ensinada no ensino infantil. Em algumas universidades, mesmo os cursos de ciências exatas giram em torno do PCCh.
O Partido Comunista é onipresente
Em um ensaio de 2010 e que continua a ser referência sobre o assunto – The Party: The Secret World of China’s Communist Rulers –, o jornalista australiano Richard McGregor enfatiza uma citação de um estudante universitário de Pequim, colocando-a em foco no seu primeiro capítulo: “o Partido é como Deus. Ele está em todos os lugares. Você não o vê, mas ele está lá.”
Dez anos depois, nada poderia estar mais longe da verdade, o PCCh é onipresente nas leis, nos manuais escolares, nas casas. Assim que começou a crise da Covid-19, a mobilização das suas células locais nos bairros com o intuito de ajudar a população isolada em suas casas ou com o intuito de restringir a circulação foi amplamente exaltada. As empresas, mesmo aquelas privadas, não fogem à regra: no cartão de visitas dos homens de negócios, a posição ocupada dentro do Partido vem antes do cargo ocupado na empresa.
O período da Revolução cultural, sob a liderança de Mao, foi caracterizado por uma interferência sem precedentes do PCCh na vida da população chinesa. A vida privada passou praticamente a não existir. Para virar essa página, Deng Xiaoping e seus dois sucessores, Jiang Zemin (1989-2002) e Hu Jintao (2002-2012), haviam reorganizado o Partido centrado na estratégia política, deixando a cargo do Estado e das empresas regular a vida cotidiana.

Após da assunção de Xi Jinping ao poder, a estrutura do Partido estabelecida aos tempos de Mao está de volta, e, agora, é a administração do Estado que está submissa a ele. Prova disso é que em março, Wang Yi, ministro das relações exteriores, e Yang Jiechi, diretor da comissão de comércio exterior do PCCh, foram ao Alaska se reunir com as lideranças diplomáticas norte-americanas, foi Yang Jiechi quem conduziu as conversas e não o ministro chinês.
Essa dinâmica é percebida em vários campos do governo. Desde 2018, a regulação cinematográfica, da mídia e da publicidade que, até então, era função do Estado, agora faz parte dos encargos do departamento de propaganda do Partido. O mesmo acontece em relação aos assuntos religiosos e étnicos, hoje em dia geridos também pelo PCCh. Mesmo a academia nacional de governança, encarregada de formar os funcionários do governo, passou a ser subordinada da escola central do Partido. De acordo com os cálculos do Merics, Xi Jinping preside pessoalmente 11 comissões ou grupos de trabalho, “mais que qualquer líder desde Mao”. A administração do governo, sob as ordens do primeiro ministro, não faz mais do que executar o que lhe é delegado.
A China exalta frequentemente a ideia de que o país é um Estado de direito. Isso é parcialmente verdadeiro, uma vez que a lei concede plenos poderes ao Partido. Em março de 2018, a assembleia nacional popular chegou a modificar a constituição afim de dar à uma nova comissão nacional de supervisão, um órgão de luta contra a corrupção pertencente ao Partido, com o direito de prender não somente os comunistas, mas qualquer funcionário considerado suspeito.
“Qualquer um que trabalhe direta ou indiretamente para o governo poderá ser detido, interrogado, forçado a confessar ou expropriado sem um processo legal, nem meio de recurso em caso de abuso por parte dos investigadores”, explicou à época Nicholas Bequelin, diretor da Anistia Internacional da Ásia do Leste. “O Partido mantém um sistema administrativo e lega dual, sob o qual a maioria dos chineses se beneficiam em geral com a proteção de um corpo jurídico cada vez mais sofisticado e instituições legais, no entanto, aqueles que são considerados perigosos para o Partido-Estado são tratados fora da lei”, analisou, em 2019, a jurista Jamie Horsley em uma revista publicada pela universidade de Yale.
No centro do poder, a luta contra a corrupção não poupa ninguém. Testemunha disso é a prisão, em 2014, de Zhou Yongkang, chefe da segurança nacional e membro do comitê permanente do escritório político até 2012. Nunca, até então, um membro desse comitê havia sido julgado e preso por corrupção. Excluído do Partido, Zhou foi condenado à prisão perpétua. Esta é uma luta sem fim.
Todas as ordens vêm de uma instância superior
“Quanto maior a responsabilidade dos dirigentes, maior a importância das suas posições e maior a supervisão sob a qual eles estão submetidos”, afirma uma diretriz do comitê central publicada no dia 1º de junho.
Uma pessoa, contudo, encarregada da propaganda revela, sob a condição de anonimato: “de fato, Xi Jinping é detestado por um grande número de dirigentes e funcionários. Antes, eles faziam grandes coisas e podiam enriquecer. Agora, eles têm que estar em ação no campo e demonstrar que realmente se engajam na luta contra a pobreza, mas eles não têm mais o direito de ganhar dinheiro. Sinceramente, eu considero isso o correto, mesmo não concordando com essa verticalidade do poder. Toda ordem agora vem de uma instância superior.” Li Hongzhong, secretário geral do Partido da cidade de Tianjin, tinha já resumido perfeitamente a situação em 2016: “Não ser absolutamente leal a Xi Jinping (equivale a) ser totalmente desleal a ele.”
Xi Jinping, o salvador de um PCCh enebriado pelos “trinta gloriosos anos liberais” (1978-2008) ou um autocrata neo-maoísta que está levando o país à ruína? A questão divide o país e seus observadores. Aos olhos dos liberais, o verdadeiro salvador do Partido é Deng Xiaoping, que modernizou a China e restaurou a legitimidade de uma organização desacreditada pela Revolução Cultural. Por outro lado, surgiu neste período uma série de escândalos sobre a acumulação de riqueza pelos líderes do Partido. “Meus pais ganham bem menos desde que Xi está no poder, mas eles sabem que é pelo bem do país”, afirma um jovem chinês. Com 20 anos, ele desabafa que “não poderá gastar toda a fortuna” que ele irá herdar e diz não saber se isso é um motivo de comemoração.
Para o sinólogo britânico Kerry Brown, “o Partido empreendeu uma restauração sob o governo de Xi Jinping, que busca uma reconexão moral com os primórdios do Partido. Trata-se, portanto, de levar uma visão moral fundada na justiça e não na riqueza”. A partir dessa ótica, a campanha anticorrupção serve menos a eliminar a oposição – mesmo que este objetivo não possa ser negligenciado – do que proceder a uma “revolução cultural ao interior do PCCh”. “Existem 89 milhões de membros e mais de 4,5 milhões de células. A derrota não pode vir senão de nós mesmos”, declarou Xi Jinping em 2019. Para os ocidentais, o colapso da União Soviética confirma a derrocada do marxismo. Para o líder chinês, ao contrário, foi o afastamento de Moscou em relação ao pensamento marxista que fez com que este regime fracassasse.
Assim que se assumiu as novas funções, ao fim de 2012, um documento circulava entre os quadros do Partido. Intitulado “comunicado sobre o estado atual da esfera ideológica”, este texto denunciava sete “falsas tendências ideológicas” que ameaçavam o “sonho chinês” e que os comunistas deveriam combater: a democracia constitucional ocidental, os valores universais, a sociedade civil, o neoliberalismo, a ideia ocidental de jornalismo, o niilismo histórico, a possibilidade de ser colocada em questão a abertura e a reforma do país.
Se essas ideias perniciosas, que emanam do ocidente, não forem combatidas, enfatiza o texto conhecido sob o nome de “Documento n° 9”, “pessoas com segundas intenções na China irão começar a promovê-las”. Seu autor? Aparentemente o atual líder chinês, Xi Jinping. Em nome dessa lógica, em julho de 2015, mais de 200 advogados, militantes dos direitos humanos foram presos. Fato jamais visto desde 1989 e o massacre dos estudantes na Praça Tiananmen. “Para mim, isso é uma espécie de Revolução Cultural 2.0”, afirma um advogado.
Uma ideia imortalizada
No dia seguinte ao aniversário de 70 anos da tomada do poder por Mao, 2 de outubro de 2019, Xi Jinping deu suas próprias lições sobre a história do Partido: “quando a revolução triunfou, o Partido emitiu três pedidos a todo o corpo dirigente: antes de tudo eles não deveriam jamais se distanciar das massas populares, nem mesmo por um instante. Eles deveriam aceitar constantemente serem vigiados pelo povo. Em segundo lugar, era necessário seguir o combate, sem nunca ceder espaço à arrogância que levaria à inação. Em terceiro lugar, era necessário manter a pureza política e não ceder a qualquer tentação de corrupção. Essas são as três razões pelas quais nós estamos ainda aqui, se nós quisermos ainda governar, devemos continuar a respeitar esses três princípios.”
A modéstia sob a qual se coloca Xi Jinping nos faz sorrir, mas o primeiro ponto mostra um partido longe de ser insensível à opinião pública. A atenção paranoica sobre os críticos nas redes sociais é prova isso. No momento, o PCCh é popular. Segundo uma pesquisa recente realizada junto a quase 20.000 chineses, por Cary Wu, socióloga da universidade de York, no Canadá, 98% dos chineses confiam no seu governo. Seja qual for a cifra real, é inegável que a gestão da crise causada pela Covid-19 aumentou a legitimidade do Partido frente a uma população que já aprovava a campanha anticorrupção de Xi Jinping, assim como seu nacionalismo contrário às ideias ocidentais.
Para algumas pessoas, o país vive atualmente sobe uma espécie de “ditadura da maioria”. Uma vez que, no geral, os chineses estão satisfeitos, as críticas – forçosamente veiculadas em países estrangeiros – são ilegítimas e devem ser reprimidas. Xi Jinping se vê como herdeiro de Mao, senão igual a ele. A inscrição de seu “pensamento” no texto da Constituição nacional prova isso.
Os chineses não falam nunca em maoísmo, mas no “pensamento de Mao”, também imortalizado. Deng Xiaoping, não tem o direito senão a uma “teoria”, menos importante dentro da hierarquia do Partido. Outro fato, a reforma da Constituição de 2018, que permite a Xi permanecer à frente da presidência da república durante toda a sua vida, em detrimento ao que Deng havia colocado em 1982, limitando o número de mandatos presidenciais a dois, justamente para evitar que erros do Grande Timoneiro.
A virtude pelo medo
Não faltam argumentos para aqueles que se incomodam com a tendência autoritária. Alguns estão presos ou em liberdade condicional, como Xu Zhangrun, jurista da universidade de Tsinghua que, desde 2018, tem redigido longos relatos sobre o autoritarismo de Xi Jinping. Outros preferem emigrar para os Estados Unidos, a exemplo de Cai Xia, uma antiga professora da escola central do Partido que, desde maio de 2020, não mede palavras contra o fim do duplo mandato presidencial. “Ele associa o legalismo [filosofia política tradicional chinesa] a uma nova forma de leninismo”, aponta a intelectual Zha Jianying, no site ChinaFile, ao final de uma longa comparação entre a política de Xi Jinping e as preconizações de antigos legalistas, estes intelectuais que, no século VIII antes de Cristo, detinham um poder absoluto, mas se mantinham sob o jugo da lei.
“Partindo da concepção da natureza humana, animada somente por interesses egoístas, o pensamento legalista concebe o governo eficaz como a manipulação dos seus interesses através de punições e recompensas”, explica a pesquisadora Séverine Arsène no livro Penser en Chine. Esta concepção de humanidade tem consequências concretas. Ela gere, por exemplo, o crédito social, esse sistema de bônus/punição que algumas cidades têm experimentado e que atribui uma nota aos indivíduos em função de seu comportamento social. Se algumas pessoas consideram que esse sistema se parece com o Big Brother (de George Orwell), Séverine Arsène afirma que ele é “muito menos high tech do que parece”, principalmente porque ele se inscreve numa tradição chinesa de vigilância multissecular. É a virtude pelo medo.
Quanto tempo tal sistema pode durar? O próprio Xi Jinping é sua contradição. Às vezes ele enfatiza perigos vindos do exterior, semelhante a teoria do “cisne negro”, aqueles eventos raros com consequências graves, por vezes ele parece não ter qualquer dúvida sobre o declínio do ocidente e a superioridade do “socialismo com características chinesas”.

Por outro lado, este homem que não hesita em falar da sua infância e da sua juventude, mantêm o silêncio absoluto sobre um ponto – sua sucessão. A um ano do 20º Congresso do PCCh, não há qualquer indício de quem será indicado a lhe suceder. “Este congresso é determinante para os quinquagenários, que não se aguentam de impaciência e redobram o zelo por terem boa imagem com o imperador”, observa um diplomata ocidental. Dois especialistas ocidentais, o jornalista australiano Richard McGregor (Lowy Institute de Sydney) e o pesquisador Jude Blanchette (Center of Strategic and International Studies de Washington) acabaram de publicar um artigo sobre os possíveis cenários da sucessão.
Um imperador, quatro hipóteses
A primeira hipótese: Xi Jinping se aposenta em 2022, quando terá 69 anos. Não tendo nenhum sucessor designado ele continua a coordenar a política nos bastidores, como Deng Xiaoping depois de 1989.
Segundo cenário: ele se aposenta em 2027 ou em 2032, mas se assegurando ter atingido um status comparável àquele de Mao-Tsé-Tung, para manter-se intocável.
Terceira possibilidade: um golpe de Estado ao interior do Partido. Xi Jinping, fez menção a isso na crise de 2012 com a prisão de seu rival, Bo Xilai. No entanto, dada a forma como ele centraliza todos os poderes, inclusive dentro da comissão militar que ele preside, um tal golpe parece pouco provável.
Quarta hipótese: a morte de Xi ou sua incapacidade de governar. Mesmo a constituição prevendo essa possibilidade, é possível que isso acarrete a uma luta pelo poder o que seria uma fonte de instabilidade.
Yuhua Wang, professor assistente em Harvard, estudou o destino de 282 imperadores que se sucederam no trono durante os dois últimos milênios. Segundo seus cálculos, 153 morreram naturalmente, 76 foram expulsos de uma forma ou outra do poder por aqueles ao seu redor e 32 levaram o Estado a uma guerra civil. Conclusão, não somente nenhuma dinastia é eterna, como o principal perigo para o soberano vem daqueles próximos a ele. No entanto, “os imperadores que designaram um sucessor competente e fiel viveram mais tempo”, observa. Uma lição que no momento, o imperador comunista tem recusado a compreender.
Carta Maior
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