O jornal O Estado de S. Paulo informou no dia 20/4/2022 que o Superior Tribunal de Justiça confirmou a condenação do ex-ministro José Dirceu no âmbito da Operação Lava Jato.
José Dirceu
Por Lincoln Secco, especial para o Viomundo
Negando pedido da defesa, um desembargador considerou que a formação de culpa obedeceu a “extensa análise dos elementos de convicção colhidos durante a instrução probatória”.
O termo “convicção” é revelador. Sabemos que o Direito incorpora uma dimensão subjetiva que responde à visão de mundo dos seus operadores. Também sabemos que, ao lado das forças armadas, o poder judiciário é o repositório não apenas de intocáveis privilégios corporativos.
Oficiais militares e juízes são recrutados nas altas classes médias brancas, muitas vezes promovidos por laços familiares ou de amizade e, certamente, compartilham uma visão estreita do Brasil.
Para muitos membros dessas corporações intocáveis, o povo brasileiro é vocacionado à desorganização, à desordem e ao crime. Quando muito é um conjunto de pessoas passivas, idiotizadas e manipuladas por líderes populistas de esquerda.
Não precisamos perguntar onde estão as condenações dos responsáveis pelos mega escândalos tucanos em décadas de governo em São Paulo. Ou onde está alguma investigação sobre os mais do que transparentes crimes cometidos por integrantes do atual governo federal.
José Dirceu já tinha extenso currículo de contestação à ordem vigente quando chegou ao poder em 2003 com Lula e o PT.
Por mais que tenha sido o principal responsável pelo aggiornamento do seu partido e por sua política moderada, ele foi situado pela imprensa corporativa como inimigo principal.
Em primeiro lugar, porque a moderação visava obter apoio social a um projeto gradual de mudanças que criaria as condições de um longo ciclo social democrata no Brasil. Ele seria durável e estável; integraria a massa da população na cidadania social; promoveria a soberania nacional; e seria respaldado dentro da democracia em sucessivas eleições.
Podemos discordar da estratégia escolhida e duvidar de que aqueles objetivos seriam alcançados; mas o fato é que o ciclo só foi interrompido por um golpe parlamentar em 2016.
Em segundo lugar, José Dirceu, mesmo depois da sua queda, manteve diante da perseguição judicial sofrida um comportamento exemplar que reforçou seus laços históricos com o período de juventude, quando acreditava numa revolução.
Não renegou sua passagem no governo para se safar, como o fez outra liderança petista importante, o ex-ministro Palocci. Ele não foi o único, mas foi o dirigente mais importante a manter uma postura silenciosamente respeitada mesmo por adversários.
Em terceiro lugar, mesmo sabendo-se politicamente perseguido, Dirceu dobrou a aposta na democracia e se limitou a defender-se dentro das regras do jogo.
Para condená-lo, o criativo juiz Joaquim Barbosa teve que importar uma teoria do domínio do fato. Com base na ideia de que o réu tinha que saber algo, mesmo que não houvesse provas disso, Dirceu foi condenado sem provas. Ele não procurou demonstrar sua inocência por critérios políticos, apenas demonstrou que não havia provas contra ele.
Num Estado de Direito a questão não era acreditar que Dirceu tinha culpa política, ou mesmo qualquer tipo de culpa, mas se havia provas suficientes nos autos para condená-lo. E elas não foram encontradas.
Não é preciso, obviamente, concordar com a trajetória e as escolhas políticas de José Dirceu.
O que cabe perguntar é por que, mesmo depois da falência moral da Lava Jato, ele volta a sofrer uma condenação.
O significado disso reside no caráter conservador do judiciário, mas também no fato de que Dirceu tornou-se um símbolo daquilo que as elites das classes dominantes não toleram. Um obstinado defensor de uma causa. Que não transige e nem se verga.
*Lincoln Secco é autor de História do PT (São Paulo, Ateliê Editorial).
Viomundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário