Vencer as eleições é o grande desafio para o momento. Mas Lula sabe muito bem das dificuldades que enfrentará para conseguir implementar um programa de governo
5 de outubro de 2022, 18:35 h Atualizado em 5 de outubro de 2022, 18:53
A apuração dos resultados do primeiro turno das eleições aponta para um conjunto de surpresas a respeito do comportamento dos eleitores em comparação com aquilo que era projetado pelas pesquisas de intenção de voto. É bem verdade que os números finais e nacionais para o Presidente da República confirmaram a tendência de que Lula chegasse à frente de Bolsonaro, faltando apenas 1,5% para que não houvesse mais necessidade de um segundo turno para a definição do próximo ocupante do cargo.
Alguns institutos sugeriam mesmo que haveria uma pequena probabilidade de que Lula saísse vencedor no dia 2 de outubro. Mas esse cenário estava dentro da margem de erro das pesquisas e não havia segurança para que o mesmo se concretizasse. De qualquer maneira, o clima nas campanhas não deixava de ser influenciado por essas notícias. Do lado de Lula, havia uma esperança de vitória com mais de 50% dos votos válidos. Da parte de Bolsonaro, observava-se um certo temor pelas mesmas razões. Divulgado os números definitivos, os ânimos se inverteram em um primeiro momento.
No entanto, o que mais chamou a atenção dos analistas foram alguns resultados que contrariaram bastante as pesquisas prévias e que contribuíram para dar uma conformação bastante conservadora no que se refere à composição do Congresso Nacional na próxima legislatura. A votação no maior colégio eleitoral do País surpreendeu. Em São Paulo, na disputa para governador, o candidato bolsonarista Tarcísio Freitas (REPU) chegou à frente de Fernando Haddad (PT) para disputa do segundo turno. E ali também a vaga do senador foi conquistada pelo Ministro Marcos Pontes (PL), desbancando a maioria das pesquisas que apontavam para a vitória de Márcio França (PSB).
Extrema direita volta com força
Outras eleições que também contrariaram os prognósticos iniciais foram a de Sérgio Moro (UNIÃO) como senador pelo Paraná e do General Mourão (REPU) pelo Rio Grande do Sul. Some-se a esse quadro a eleição de Damares (REPU) como senadora pelo Distrito Federal e um conjunto de deputados afinados com a linha mais ideológica do bolsonarismo para se perceber que a composição do parlamento poderá se converter em um elemento de bastante complicação para o eventual governo de Lula. O PL vai contar com a maior bancada na Câmara dos Deputados com 101 integrantes, enquanto o retrato do Senado Federal aponta também para o crescimento das bancadas da extrema direita.
É claro que a tarefa mais urgente e imediata da campanha de Lula deve ser a consolidação da vantagem de votos e a busca da ampliação política em direção aos eleitores de Ciro Gomes e Simone Tebet. Ainda que possa ocorrer alguma dificuldade para que os mesmos se manifestem claramente favor de Lula, o simples fato de conseguir uma aproximação com os dirigentes de seus partidos já pode apontar para um crescimento do apoio tão necessário. Além disso, é fundamental que seja realizado um grande esforço para que a população se dirija mais uma vez às urnas no dia 30, mesmo em estados e municípios em que não deverá ocorrer um segundo turno para a definição dos executivos locais.
Lula deve se afastar da armadilha bolsonarista de transformar a eleição em um debate de temas preferidos pela agenda conservadora, tais como o aborto, drogas e outros itens da chamada pauta de costumes. A questão da profunda crise econômica e social é aquilo que mais afeta a vida das pessoas. E nesse terreno Lula é capaz de se desenvolver com maior facilidade. Ocorre que não basta mais apenas se contentar com as referências ao passado de seus mandatos. É necessário apontar para medidas concretas e objetivas que deverão ser tomadas a partir de janeiro de 2033, caso eleito. Isso significa retomar e insistir com a chamada “pauta do povo” nos debates e nas demais manifestações da campanha.
“Pauta do povo” para vencer o segundo turno
Desemprego ainda em níveis alarmantes, remuneração médias das famílias abaixo das necessidades mínimas de sobrevivência, inflação dos itens de maior impacto na vida dos mais pobres, volta do Brasil ao mapa da fome e outros traços da tragédia econômica e social representada pelos 4 anos de Bolsonaro são os temas que mais sensibilizariam as pessoas a apoiar a troca de governante. Assim, a estratégia deveria passar pelo reforço de propostas para solucionar essas questões de forma urgente. Isso significa, por exemplo, medida como:
i) ampliação da base e do valor do auxílio emergencial;
ii) estímulo à geração de empregos por meio de políticas de recuperação do atraso na infraestrutura por todo o território nacional;
iii) apoio à agricultura familiar, com o objetivo de aumentar a produção nacional de alimentos e a remuneração das famílias no campo;
iv) mudança na política de preços da Petrobrás, para diminuir o impacto dos preços dos derivados de petróleo (diesel, gasolina e gás de cozinha) no custo de vida;
v) ampliação das condições de acesso a crédito e redução dos juros cobrados nas operações financeiras para estimular o aumento do investimento.
No entanto, é preciso reconhecer que esse conjunto de medidas necessárias terão um custo adicional ainda não computado no Orçamento da União para o ano que vem. São despesas que impactarão as contas do Tesouro Nacional e que precisam ser debatidas à luz da necessária revisão da política de austeridade fiscal. Toda e qualquer possibilidade de sucesso de eventual terceiro mandato de Lula reside na retirada dos obstáculos impostos pela política de teto de gastos, tal como previsto na EC 95, de 2016.
Primeiro, vencer. Depois, governar
A nova composição do Congresso Nacional deve apresentar uma bancada conservadora mais aguerrida no combate às políticas de redução da desigualdade e de estímulo ao desenvolvimento. Por outro lado, a postura dos grandes meios de comunicação e de parcela das elites empresariais tem sido bastante clara a esse respeito. Setores dentre eles até consideram importante a vitória de Lula para impedir um segundo mandato de Bolsonaro, mas alertam para a necessidade de evitar qualquer mudança mais “radical” na política econômica.
O sonho de consumo para esse pessoal seria que a área da economia permanecesse sob a responsabilidade de personagens com propostas não muito diferentes daquelas defendidas por Paulo Guedes ou por Henrique Meirelles. Não escondem seu desconforto com o compromisso pela restauração dos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. Mas vão fazer de tudo para manter algum grau de controle sobre o eventual novo governo para que tudo permaneça como está em termos do conservadorismo no comando da economia. Aliás, graças à lei da independência do Banco Central (BC), terão a continuidade de uma política monetária comprometida com os interesses do financismo.
Vencer as eleições em 30 de outubro é o grande desafio para o momento. Mas Lula sabe muito bem das dificuldades que enfrentará para conseguir implementar um programa de governo que justifique o seu retorno para mais essa missão à frente do Estado e da sociedade brasileira. A formação de uma maioria parlamentar de um novo governo deverá contar com a aproximação política de forças ligadas ao Centrão, mas deverá sofrer uma oposição aguerrida da extrema direita. Aqueles que estavam mais organicamente vinculados ao projeto do bolsonarismo ao longo dos últimos 4 anos farão de tudo para impedir o sucesso de Lula e deverão comandar a tentativa de boicote e sabotagem de suas propostas no interior do legislativo.
Paulo Kliass
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal
Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.
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