sexta-feira, 8 de abril de 2016

Lide simulada: JT-MG identifica casos de ações falsas, em que as partes tentam usar a Justiça para fraudar a lei

A palavra lide vem de litígio que quer dizer disputa, contenda, pendência. Ocorre quando duas partes não conseguem se entender e, por isso, procuram a Justiça para solucionar a questão. Mas, você já ouviu falar de “lide simulada”? Traduzindo: é um conflito falso, fingido, simulado pelas partes de uma ação que é levada à apreciação do Poder Judiciário. No nosso caso, uma ação trabalhista é ajuizada sem que exista, de fato, qualquer conflito de interesses entre autor e réu. O objetivo: fraudar a legislação e obter vantagens indevidas.

Uma das principais “vantagens” buscadas pelas empresas nas ações simuladas é a obtenção de quitação plena, geral e irrestrita das verbas trabalhistas devidas ao trabalhador, com valor abaixo do devido. Outro objetivo pode ser o de tentar evadir o patrimônio da empresa, com a transmissão de valores ou bens a “laranjas”, através de créditos trabalhistas fictícios levados para reconhecimento Justiça, e por aí vai…

Mas, por outro lado, existem diversas penalidades que podem ser aplicadas às partes que se valem da lide simulada, entre elas: condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé (artigos 80 e 81 do novo CPC); condenação do empregador ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho (Lei nº. 7.347/85); condenação do advogado que representar o trabalhador em juízo pelo crime de patrocínio infiel, para o qual é cominada pena de detenção, de seis meses a três anos, e multa (art. 355, parágrafo único do Código Penal); imposição de sanção disciplinar, pela Ordem dos Advogados do Brasil, aos advogados envolvidos (art. 34, IX, X, XVI, da Lei nº. 8.906/94); condenação do empregador pelo crime de frustração, mediante fraude ou violência, de direito assegurado por lei trabalhista, para o qual é cominada pena de detenção de um ano a dois anos, e multa (art. 203 do Código Penal).

A lide simulada é fenômeno recorrente nas Cortes Trabalhistas do Brasil e se manifesta em diversas modalidades, seja em prejuízo do trabalhador, dos credores particulares ou do próprio Estado. Com ela, o Poder Judiciário é acionado desnecessária e indevidamente, o que provoca a oneração da máquina pública e o atraso no julgamento de outros processos judiciais. Dessa forma, os prejuízos causados pela prática ilegal não se restringem àqueles diretamente lesados na fraude que ela abriga, ou mesmo a todos que litigam na Justiça Trabalhista, mas alcançam toda a sociedade.

Sem a pretensão de esgotar o tema da lide simulada ou mesmo de oferecer um estudo detalhado sobre o fenômeno, abordaremos, nessa matéria especial, alguns casos de lide simulada apreciados pelas Turmas do TRT de Minas Gerais. Com isso, buscamos, sobretudo, chamar a atenção para a presença dessa prática nas cortes trabalhistas nacionais e os prejuízos que ela gera à sociedade, ao Direito e à própria Justiça.
Caso 1 – TRT-MG reconhece lide simulada e rescinde acordo que teve como único objetivo impedir a execução de imóvel de um dos réus

A 2ª Seção Especializada em Dissídios Individuais do TRT-MG julgou procedente uma ação rescisória para rescindir acordo homologado em ação trabalhista anterior. Foi constatado que o acordo havia sido previamente combinado entre os réus, que, disfarçados de reclamante e reclamado, empregado e empregador, celebraram o ajuste, de elevado valor, com o único objetivo de fraudar a legislação. Eles queriam impedir que a autora da ação rescisória, credora hipotecária de um dos réus, prosseguisse com a execução do imóvel que lhe pertencia.
Entendendo o caso

Após examinar as provas, o relator, desembargador Luiz Ronan Neves Koury concluiu pela existência de lide simulada e colusão entre os réus. Ele notou que, de fato, um dos réus na ação rescisória havia ingressado com ação trabalhista contra o outro réu na Vara do Trabalho de Lavras (nº 01120-2011-065-03-4). A tese era de que ele tinha sido contratado pelo reclamado, para exercer a função de protético, com salário de R$8.000,00, e dispensado sem justa causa. Pleiteou parcelas trabalhistas decorrentes do suposto contrato de emprego. Em seguida, já na primeira audiência, eles se conciliaram, sendo homologado o acordo no qual o então reclamado se comprometeu a pagar ao suposto trabalhador o valor de R$185.000,00. O julgador, inclusive, observou que o termo do ajuste tinha sido protocolizado na mesma data da propositura da reclamatória. O valor seria pago em 10 parcelas, mas, como o acordo não foi cumprido, houve o vencimento antecipado das parcelas e o acréscimo da multa ajustada, correspondente a 50% do total da transação.

Na ocasião, o autor da ação trabalhista requereu a antecipação dos efeitos da tutela para que fosse penhorado bem imóvel de propriedade do réu, o que, de fato, ocorreu. Em seguida, o juiz da execução determinou a intimação da credora hipotecária, a autora da ação rescisória, cujo nome constou da certidão de matrícula do imóvel penhorado, mas ela não se manifestou. A execução seguiu seus trâmites para os atos expropriatórios, até que, enfim, o autor da ação arrematou o bem penhorado pelo valor de R$180.000,00, utilizando “…parte de seus créditos trabalhistas existentes no processo”. O juízo da execução homologou a arrematação, dando ciência à credora hipotecária, autora da ação rescisória.
Fatos e conclusões

Pela prova documental, o desembargador observou que, pouco antes do ajuizamento da ação trabalhista, a autora da ação rescisória que, como visto, era credora hipotecária de um dos réus, propôs execução contra ele no Juízo Cível da Comarca de Lavras. O réu, também demandando em inúmeras outras ações, resistiu à execução apresentando embargos.

Também chamou a atenção do julgador o fato do réu não ter resistido às pretensões formuladas na reclamatória trabalhista e, logo no primeiro dia da ação, ter firmado acordo de elevado valor com o suposto trabalhador. O relator achou estranho ainda a atitude dele de, antes mesmo do ajuizamento da ação, ter outorgado procuração ao seu advogado com o fim de propor acordo naquela demanda específica, com expressa referência ao nome do outro réu, então reclamante. Para o desembargador, as circunstâncias delineadas mostraram que ele estava insolvente e buscou, em conluio com o outro réu (autor da ação trabalhista na Vara de Lavras), proteger o patrimônio que lhe restava por meio do acordo simulado.

Reforçou a conclusão sobre a existência de lide simulada a circunstância do “trabalhador” ter afirmado que cursava Odontologia e trabalhava das 7h às 17:30h, jornada incompatível com a frequência ao curso de Odontologia, que, como afirmaram as testemunhas, compreende os períodos da manhã e da tarde. Além disso, ele afirmou que recebia do empregador salário mensal de R$8.000,00, na função de protético, mas a prova testemunhal demonstrou que os ganhos desse tipo de profissional, com o mesmo nível de atividades, são bem inferiores a tal valor.

Outra questão contribuiu para o convencimento do relator: embora o autor da reclamatória, no acordo homologado, tenha dado quitação pelo objeto do extinto contrato de trabalho, ele não se manifestou sobre a assinatura da CTPS, o que é bem incomum, já que se trata de direito irrenunciável do trabalhador.

Por fim, não passou despercebida pelo julgador a rapidez com que o processo se desenrolou. Tudo muito “arranjado”: o acordo foi preparado em 18.08.2011, homologado em 23.08.2011, com vencimento da primeira parcela em 25.08.2011, início do procedimento de execução pelo reclamante em 30.08.2011, já com a indicação do bem a ser penhorado e apresentação da certidão de matrícula.

Por tudo isso, o desembargador não teve dúvidas de que os réus se valeram da ação trabalhista de nº 01120-2011-065-03-4, unicamente para homologar acordo previamente arranjado, sem que houvesse de fato um conflito de interesses caracterizado por uma pretensão resistida. O objetivo era fraudar a legislação, para impedir a execução do imóvel, que pertencia a um deles, por parte da credora hipotecária.
Aplicando o direito ao caso concreto

Em seu voto, o relator ressaltou que, nos termos do art. 485, III, do CPC de 1973, é possível a rescisão do julgado quando resultar de colusão entre as partes com o objetivo de fraudar a lei. A colusão, conforme explicou, pode ser conceituada como o ajuste fraudulento feito pelas partes em uma ação, com o fim de fraudar a legislação ou de causar prejuízo a outra pessoa. “Cria-se uma lide aparente (simulada) para encobrir uma falsa relação jurídica de direito material ou processual, cuja finalidade precípua é a de fraudar à lei”, exatamente como aconteceu no caso, destacou.

Além disso, segundo o desembargador, diante da dificuldade de se provar uma situação desse tipo, a jurisprudência dispensa a prova direta e clara da ocorrência da colusão, bastando a existência de indícios e presunções. “No caso, houve inúmeros indícios revelando que o acordo firmado pelos réus no processo de nº 01120-2011-065-03-4, que correu na Vara do Trabalho de Lavras, foi realmente simulado”,arrematou o julgador.

Acompanhando o entendimento do relator, a Turma julgou procedente a ação rescisória, para rescindir o acordo celebrado pelos réus na ação trabalhista em curso na Vara do Trabalho de Lavras, que foi extinta sem resolução do mérito, nos termos da OJ 94 da SDI-2 do TST e artigos 129 e 267, IV, do CPC de 1973. Por consequência, todos os atos praticados no processo após a celebração do acordo também foram declarados nulos.
TRT/00814-2012-000-03-00-0-AR – acórdão em 06/02/2014

Caso 2 – Suposta empregadora é empresa do filho da reclamante: relação de emprego fictícia para receber pagamentos indevidos das tomadoras de serviços

Em outra situação, analisada pela Décima Turma do TRT de Minas, a desembargadora relatora, Taísa Maria Macena de Lima, concluiu pela existência de colusão entre a reclamante e uma das empresas reclamadas, em clara lide simulada, com o objetivo de obter direitos trabalhistas indevidos e lesar direitos de terceiros. Acompanhando o entendimento da relatora, a Turma negou provimento ao recurso da reclamante e manteve a sentença que, além de extinguir o processo sem resolução do mérito, condenou a reclamante ao pagamento da multa por litigância de má-fé e determinou a expedição dos ofícios às autoridades competentes para a tomada das medidas cabíveis.

No caso, a reclamante ajuizou a ação trabalhista em face de uma empresa da qual seu filho era sócio majoritário e o marido, o gerente comercial. Inclusive, foi ele, o marido, quem havia representado a empresa na assinatura dos contratos de prestação de serviços com as demais reclamadas, apontadas na inicial como devedoras subsidiárias dos pretensos direitos trabalhistas da reclamante, na condição de tomadoras dos serviços. A empresa do filho, indicada como empregadora, seria a responsável principal.

Como se não bastasse a relação de parentesco entre supostas empregadora e empregada, ficou demonstrado que a reclamante, seu filho e seu marido integravam o quadro societário de três empresas, todas com objetos sociais similares e que funcionam no mesmo município, incluindo a empresa ré, cujo filho da reclamante era o sócio majoritário.

Para os julgadores, esses fatos, analisados em conjunto, revelam a formação de grupo econômico entre as empresas pertencentes ao grupo familiar da reclamante, assim como a presença da figura da lide simulada, na medida em que as partes, por meio de um conflito falso entre empregada e empregadora, utilizaram-se do processo judicial com a finalidade de criar um crédito trabalhista fictício. O objetivo: obter pagamento indevido das demais reclamadas, tomadoras de serviços e pretensas responsáveis subsidiárias. Isso porque, com a inadimplência da empresa do filho da reclamante, a execução se voltaria, automaticamente, contra as empresas responsabilizadas subsidiariamente pelo crédito reconhecido na ação trabalhista.

“A reclamante se afastou dos parâmetros éticos, expondo os fatos com a má-fé, levando à aplicação do artigo 129 do CPC, regra que impõe ao julgador, convencido do conluio, o dever de obstar a intenção ilícita das partes”, arrematou a desembargadora.
01849-2013-054-03-00-9 – acórdão em 07/10/2015

Caso 3 – Fraude ao instituto do FGTS: Dispensa por justa causa ou pedido de demissão?

A lide simulada pode ocorrer de diversas maneiras, com roupagens variadas, e não apenas em relações de emprego fictícias ou entre falsos empregadores e empregados. No caso analisado pela Quarta Turma do TRT mineiro, constatou-se a lide simulada numa ação de consignação e pagamento ajuizada pela empresa em face de seu empregado.

A empresa pretendia a homologação da rescisão do contrato de trabalho do empregado, com a declaração de quitação do valor apontado no Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho e a entrega de toda a documentação da rescisão. Disse que teve que ajuizar a ação consignatória porque o sindicato se recusou a homologar o acerto rescisório. Na sentença, contra a qual se rebelou a empresa, o processo foi extinto sem resolução do mérito, em virtude da constatação da lide simulada, com a finalidade de fraudar a legislação trabalhista. E, para a 4ª Turma do TRT mineiro, que analisou o recurso da empregadora, foi exatamente isso o que ocorreu.

Em seu voto, o desembargador relator, Julio Bernardo do Carmo, lembrou que a ação de consignação em pagamento é o instrumento jurídico utilizado pelo devedor para se liberar da obrigação perante o credor e obter, em algumas hipóteses, o reconhecimento da quitação da dívida. Dessa forma, no caso, a ação de consignação em pagamento ajuizada pela empregadora serviria para que ela, como devedora, se liberasse da obrigação de pagar ao empregado (credor) e, portanto, somente faria sentido se ele estivesse se recusando a receber a quantia oferecida pela empresa. Mas a realidade era outra.

Nas palavras do relator, após examinar as provas e fatos, ele pôde perceber que o empregado já havia recebido o valor do acerto rescisório e com ele concordado plenamente, tendo ocorrido, inclusive, a baixa da CTPS. Além disso, o empregado não se opôs a receber os documentos trazidos pela empresa, tornando evidente a falta de interesse de agir da empregadora. Tudo isso, segundo o relator, já seria suficiente para extinguir o processo sem julgamento de mérito, mesmo que o sindicato tivesse, de fato, se recusado a homologar a rescisão, já que a ação de consignação em pagamento não se presta, simplesmente, a fazer essa homologação.

E não foram apenas essas circunstâncias que convenceram o julgador da existência da lide simulada. É que, ao prestar depoimento, o próprio empregado reconheceu que parou de trabalhar para a empresa porque arrumou outro emprego, tornando claro para o desembargador que as partes simularam a dispensa sem justa causa, visando, sobretudo, o levantamento do FGTS. “Não existiu dispensa sem justa causa, mas sim demissão do empregado, permitindo concluir que houve um “acordo” com o fim de fraudar a legislação trabalhista, o que, infelizmente, é muito comum na justiça do trabalho”, ressaltou o desembargador, frisando não ter dúvidas sobre o “engodo, a maquinação, a trama para fraudar a lei”.

Em seu voto, o relator registrou ainda que é intolerável que a Justiça do Trabalho sirva de instrumento de quitação de verbas trabalhistas em autêntica lide simulada, na qual não se pretende solucionar qualquer conflito, mas, apenas, burlar a lei, em detrimento da dignidade da Justiça. Assim, fundamentando-se no artigo 129 do Código de Processo Civil de 1973, o relator concluiu que não havia outra alternativa senão a extinção do processo, conforme já havia sido determinado na sentença. “O interesse processual constitui uma das condições do direito de ação, na forma dos artigos 3º e 267, inciso VI, do CPC; o processo objetiva atingir um resultado útil, não se destinando a toda e qualquer finalidade e, portanto, a prestação jurisdicional deve ser necessária e adequada”, arrematou.

Conluio e exclusão da multa – O juiz de primeiro grau também havia aplicado uma multa ao empregador, por litigância de má-fé, que seria revertida a favor do empregado. Mas, ponderando que existiu conluio das partes e que o principal destinatário do engodo seria o próprio trabalhador (que poderia levantar o FGTS com fictícia dispensa sem justa causa), o relator decidiu excluir a multa, até mesmo para evitar que o empregado se beneficiasse da própria torpeza, dando provimento ao recurso da empresa, apenas nesse aspecto, no que foi acompanhado pela Turma revisora.
00364-2014-097-03-00-7 RO – 22/06/2015

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04/02/2016 06:00h – Utilização de mesma certificação digital por partes supostamente litigantes evidencia lide simulada

23/01/2016 06:02h – Pai e filho deverão pagar multa em favor de construtora por prática de lide simulada

16/09/2014 06:05h – JT reconhece má fé e anula negócio jurídico realizado entre grupo familiar

24/09/2013 06:07h – TRT-MG anula acordo que não refletia livre vontade do trabalhador

02/08/2012 06:04h – Juíza condena empresa que fazia uso da JT como órgão homologador de rescisões

15/09/2010 06:04h – Tribunal invalida sentença proferida em reclamação simulada

27/07/2010 06:03h – TRT identifica fraude e anula acordo trabalhista firmado como o objetivo de lesar credores

02/07/2008 06:01h – TRT identifica fraude e condena terceiro a responder por execução trabalhista

14/03/2008 06:50h – Em caso de falência fraudulenta, execução prossegue na própria JT

17/10/2006 06:09h – TRT anula acordo firmado com o objetivo de lesar credores

10/10/2006 06:08h – Acordos assinados sob falsas promessas da empresa são rescindidos pelo TRT

26/09/2006 06:08h – Empresa que assina CTPS para encobrir real empregador arca com débitos trabalhistas

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Fonte : Boletim Informar Jurídico



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