Em uma segunda-feira de reuniões em Washington, D.C., um grupo de ex-funcionários do governo de ambos os partidos concordavam a respeito dos benefícios resultantes dos cortes na rede de proteção social americana.
Por Zaid Jilani, no The Intercept*
Esta semana marcou o vigésimo aniversário da “Reforma do Estado de Bem-Estar Social”, a lei de 1996 aprovada pelo Congresso americano e implementada pelo presidente Bill Clinton, que restringia a quantidade de assistência financeira oferecida às famílias americanas mais necessitadas. O programa de Auxílio a Famílias com Crianças Dependentes foi transformado em um programa mais limitado, o Auxílio Temporário para Famílias Necessitadas [que obrigou os segurados a conseguir um emprego em um prazo de 24 meses e instaurou um limite cumulativo de 60 meses de benefícios por pessoa].
Um dos principais impactos da lei foi ter dobrado o número de lares americanos vivendo em condições de extrema pobreza, o equivalente a menos de US$ 2 por dia.
O evento em Capitol Hill, organizado por uma organização de direita, Instituto Empresarial Americano (American Enterprise Institute), e pelo Instituto de Políticas Progressistas (Progressive Policy Institute), conhecido como “fábrica de ideias” do presidente Bill Clinton, comemorou o vigésimo aniversário da lei. Seus principais idealizadores disseram não se arrepender de sua aprovação.
O ex-governador republicano do Michigan, John Engler, pioneiro dos cortes do estado de bem-estar social em nível estadual e que hoje atua como presidente do grupo de lobistas corporativos Business Roundtable (Mesa Redonda de Negócios), relembrou como o apoio de Bill Clinton foi importante para tornar possível a reforma do estado de bem-estar social.
“Foi incrível como, em 1992, tínhamos um candidato a presidente do Partido Democrata, ainda que tivesse 12 anos de experiência como governador, discutindo o 'fim do formato atual do estado de bem-estar social' ”, contou o republicano. “Foi um momento decisivo.”
Foram inúmeros os elogios vindos da direita para Bill Clinton durante o evento. Robert Rector, um intelectual da Fundação Heritage, que já foi apelidado de O Poderoso Chefão Intelectual da reforma do estado de bem-estar, declarou que Clinton defendeu a mesma causa que Ronald Robert Rector, podendo, assim, frustrar George W.H. Bush. “Na minha perspectiva, esse foi o motivo para Clinton ter chegado à Casa Branca em 1993”, contou Rector.
Thompson, que atuou como outro republicano pioneiro da reforma enquanto era governador do Wisconsin, estava irredutível quanto ao impacto da revisão do estado de bem-estar social.
“Funcionou”, disse Thompson. “A pobreza diminuiu e mais pessoas estão trabalhando.”
Mas nem todos concordam com essa avaliação positiva. Luke Shaefer, professor de Assistência Social da Universidade de Michigan e um dos pesquisadores que documentaram o aumento da pobreza extrema desde a aprovação da reforma, contou ao The Intercept que as declarações de que a pobreza extrema havia sido reduzida e que o número de empregos havia aumentado estavam corretas até 2000. “Mães solteiras arrumaram trabalho, mas não é possível dizer se isso estava relacionado à reforma do estado de bem-estar social”, contou. A expansão do Crédito Fiscal sobre Rendimentos “foi obviamente muito mais importante. E sabemos que as mães que deixaram de contar com o estado de bem-estar social não melhoraram de vida, em alguns casos, pioraram”.
Shaefer trabalhou com o sociólogo Kathryn Edin em um livro lançado no ano passado que concluiu que, antes da reforma do estado de bem-estar, mais de um milhão de lares com crianças evitavam a pobreza extrema graças à assistência federal. Em 2011, esse número havia caído para aproximadamente 300 mil. Os pesquisadores estimam que 1,5 milhão de lares americanos, incluindo três milhões de crianças, vivem hoje abaixo da linha da extrema pobreza — o dobro do número em 1996.
O impacto da reforma do estado de bem-estar foi particularmente duro em mulheres e minorias. Muitas famílias chefiadas por mulheres perderam renda e mulheres foram forçadas a trabalhar em empregos com salários baixos e sem assistência social.
Shaefer cita uma pesquisa de Jim Ziliak, um importante economista que estudou o problema para a Agência Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA (National Bureau of Economic Research). “Em conjunto, os resultados dos estudos, análises e amostras nacionais de pessoas que deixaram o estado do bem-estar social sugerem que muitas mulheres acabaram em uma situação financeira pior depois da reforma”, diz a pesquisa. “Em especial, na parcela mais baixa da distribuição.”
Ainda assim, as pessoas consideradas mais vulneráveis não tiveram muito destaque no evento. Havia apenas duas mulheres entre os 19 palestrantes convidados.
Bruce Reed, um dos principais conselheiros de política interna de Bill Clinton e o homem por trás da proposta de campanha do ex-presidente para “acabar com o formato atual de bem-estar social”, admitiu que ainda há mais a ser feito pelos trabalhadores pobres, mas contou ao The Intercept que a reforma foi um “sucesso” de forma geral.
Na verdade, os números mais recentes da Suplemento de Segurança Alimentícia do Censo Populacional descobriu que 5,5% dos lares americanos – 6,7 milhões de lares, no total – precisaram usar os bancos de alimento ou outros órgãos de auxílio alimentação em 2014. Essa é a maior porcentagem desde que os dados começaram a ser registrados em 1995.
Mesmo com as reformas, o estigma de receber ajuda do governo permanece – e os contrários ao auxílio continuam a atacar os programas restantes, como o vale-refeição para os necessitados. O Governador do Maine, o republicano Paul Lepage, declarou recentemente que os beneficiários de vale-refeição em seu estado encontram-se em uma “dieta constante de barras de chocolate e refrigerante”.
Ao fim do evento, os palestrantes e o público atenderam a um banquete de bebidas alcoólicas, bolo de queijo, carnes finas e queijo gourmet.
*Tradução de Inacio Vieira
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