sexta-feira, 10 de março de 2017

As vantagens ilusórias do trabalho a distância


por Carlos Drummond — publicado 10/03/2017 00h15, última modificação 09/03/2017 15h11

Libertadora só na aparência, a atividade por computador ou celular beneficia empresas, mas afeta trabalhadores

O trabalho remoto, realizado por meio de computadores domiciliares e telefones celulares inteligentes, tablets e laptops conectados às empresas por meio da internet, cresce no mundo e dobrou no Brasil, no ano passado, para 1% do total, mostra pesquisa da Organização Internacional do Trabalho e da Fundação Europeia para a Melhora das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound) em 15 países da Europa, das Américas e do Japão.

Na Argentina, a alternativa atinge 1,6% do conjunto. Na UE, a parcela é de 17%, no Japão chega a 16% e nos Estados Unidos, a 20% (o levantamento abrange Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Hungria, Itália, Holanda, Espanha, Suécia, Reino Unido, Argentina, Brasil, Índia, Japão e Estados Unidos).

A modalidade tem efeitos contraditórios e desafia o futuro do trabalho, dizem os autores de Trabalhando a Qualquer Momento e em Qualquer Lugar: Os efeitos no mundo do trabalho. Os resultados positivos incluem redução do tempo de deslocamento, maior autonomia quanto à duração da jornada, melhor equilíbrio entre a atividade profissional e a vida privada e crescimento da produtividade.

As desvantagens abrangem a tendência para alongar e intensificar as horas dedicadas às empresas, interferência na vida pessoal e isolamento social, com risco de altos níveis de estresse e outras consequências para a saúde e o bem-estar.

O trabalho com deslocamentos frequentes é o mais desgastante e de maior risco à saúde (Istockphoto)

A incidência de trabalho remoto varia conforme o país, a ocupação, o setor e a frequência do engajamento dos funcionários. Em quase todos os locais predomina a atuação ocasional, mais comum entre profissionais e gerentes, mas presente também nas áreas administrativa e de vendas.

Os homens estão mais presentes que as mulheres, mas estas realizam mais atividade a distância em casa, comprometem-se por períodos curtos e “conseguem efeitos ligeiramente melhores no equilíbrio entre a vida profissional e familiar”.

As empresas beneficiam-se quando há uma relação bem balanceada entre a vida profissional e a esfera familiar, o que tende a gerar maior motivação, produtividade e eficiência e menor rotatividade. Em quase todos os países há, entretanto, um grau considerável de resistência dos gerentes ao trabalho remoto.

A explicação é de que “o estilo tradicional de comando e controle de gestão não é realmente possível no novo modelo, e muitos chefes temem a perda de suas funções tradicionais. Nos Estados Unidos, por exemplo, eles quase sempre desconfiam dos teletrabalhadores por suporem que, fora do seu controle visual, eles afrouxam”.

A maior resistência dos gerentes surgiu na Índia. Nesse país e no Brasil, o interesse na opção cresce com lentidão. A pesquisa da OIT e da Eurofound menciona a realização de um seminário sobre o tema, pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, em 2013.

Um estímulo à utilização da alternativa é “a crescente preocupação com a poluição atmosférica e o congestionamento de tráfego em grandes áreas urbanas como São Paulo, onde as concentrações médias anuais de poluentes, como partículas finas e ozônio, são muito altas e o tempo médio de deslocamento é muito longo, de 1 hora e 40 minutos, em média”.

Nessas condições, a atividade remota é vista como um meio de reduzir tanto o deslocamento quanto a poluição. O estudo relata, por exemplo, que a Service Cobranças, de Curitiba, obteve uma redução de mais de 50% na rotatividade e nos atrasos e um aumento de 10% na produtividade com a utilização do trabalho a distância.

Efeitos positivos e negativos no equilíbrio entre vida profissional e familiar foram constatados em quase todos os estudos nacionais. A “diluição dos limites” entre as esferas da atividade remunerada e a vida familiar é uma das principais críticas.

A “ambiguidade do trabalho e do tempo” foi a principal reclamação relatada no Japão entre mulheres (36,4%) e homens (39,3%). Resultados semelhantes foram encontrados nos EUA, na Argentina, no Brasil e na Índia.

O elevado grau de contradição captado nas respostas sugere que a mudança da forma tradicional de atividade remunerada, realizada nas dependências de uma empresa, tem forte efeito desarticulador das relações sociais. Em um relatório da Ipsos sobre os Estados Unidos, 77% dos funcionários entrevistados se disseram mais capazes, na nova modalidade, de alcançar um equilíbrio entre a dedicação à companhia e à família.

Ao mesmo tempo, 70% relataram que a tecnologia levou a uma confusão de fronteiras, por trazer o trabalho às suas vidas pessoais, e 48% deles reclamaram do aumento dos conflitos familiares.

Resultados apurados no Brasil vão na mesma direção. Segundo uma pesquisa nacional, a qualidade de vida melhorou, inclusive na dimensão familiar, para 98% dos agentes de call centers que operam em casa, graças, principalmente, ao tempo economizado com transporte. Metade relatou, entretanto, efeitos negativos por causa da interferência de assuntos domésticos no trabalho.


Entre outros feitos, o estudo da OIT e da Eurofound lança luz sobre as condições degradantes do trabalho convencional e a ampliação dos conflitos e das incertezas a partir da introdução da modalidade remota.

Na pesquisa nacional realizada na Índia, 67% dos entrevistados afirmaram inexistir impacto da atividade remota na vida pessoal. Esse efeito não se deve, entretanto, a virtudes intrínsecas dessa opção, mas, principalmente, ao fato de 51% trabalharem “o tempo todo”. E 81% disseram que em casa precisam ficar, com frequência, de sobreaviso, porque podem ser convocados pelo empregador, pelo celular, para cumprir tarefas a qualquer hora.

O isolamento em decorrência do afastamento físico da empresa acarreta potenciais efeitos negativos sobre a saúde e o bem-estar. Segundo um relatório da Eurofound sobre novas formas de emprego realizado em 2015, um dos aspectos mais problemáticos é o afastamento dos colegas e a consequente falta do compartilhamento informal de informação realizado em um escritório.

Pesquisas nacionais confirmam a conclusão. As três maiores desvantagens, segundo estudo realizado em Buenos Aires, são “menor interação com os amigos” (62%), “trabalhar mesmo doente” (50%), e “maior isolamento” (36%).

Resultados semelhantes foram encontrados em um estudo realizado pela empresa Home Agent, no Brasil, citado no relatório. A maioria dos funcionários da companhia identificou o isolamento de seus colegas como a principal desvantagem do teletrabalho (63%). Metade deles disse também que, em casa, assuntos pessoais podem distraí-los.

No Reino Unido, um estudo sobre os funcionários da Acas descobriu que o isolamento social está associado ao teletrabalho em casa. Os empregados relataram falta de contato informal e apoio emocional de colegas do escritório.

“Pode não ser um problema, mas sugere que funcionários remotos estão mais sujeitos ao risco de certos problemas psicológicos associados ao isolamento”, concluíram os autores do estudo. De acordo com o relatório Manager Italia, elaborado com base em um levantamento de gestores de empresas do setor de serviços no país, uma séria ameaça ao bem-estar decorre da falta de interação social e da solidão (42%) e da falta de ajuda dos colegas durante as atividades (30%).

Na Hungria, uma pesquisa mostrou enfraquecimento dos laços sociais e de apoio, bem como a diminuição da lealdade à firma e da motivação. Na Holanda, trabalhadores remotos que aparentam saúde melhor do que outros funcionários, segundo os indicadores médicos básicos, experimentam níveis ligeiramente mais elevados de depressão.

O risco aumenta depois de longas horas de atividade a distância. Uma investigação realizada na Finlândia sugere que esse perigo está ligado ao isolamento dos indivíduos.


O trabalho remoto economiza 1h40 por dia com deslocamentos em São Paulo (Oswaldo Corneti/Fotos Públicas)As respostas políticas e regulatórias ao teletrabalho ocasional e informal são mais restritivas do que em relação à atividade regular a distância, “porque grande parte do primeiro parece complementar, em vez de substituir, a parcela realizada na empresa, resultando efetivamente em horas extras não remuneradas”, sublinham os pesquisadores.

Nos Estados Unidos, vários casos resultaram em litígios e diversas companhias estabeleceram políticas corporativas que proíbem mensagens relacionadas ao trabalho fora do período comercial normal, tanto com objetivo de fazer recomendações quanto para aprisionar os funcionários nos fins de semana e à noite.

De acordo com o estudo brasileiro integrante da pesquisa, regulamentações nacionais foram recentemente implementadas pelo Tribunal Superior do Trabalho. Os empregados têm agora o direito de receber um terço do seu salário normal durante os períodos em que as suas empresas os convocarem fora do horário normal de expediente.

A regulamentação brasileira melhora a situação de prolongamento da jornada normal sem pagamento de horas extras, mas implica dar cobertura legal a práticas lesivas à saúde e à vida familiar, conforme evidenciado no próprio estudo.

O grupo global de software Compuware estabeleceu uma política de teletrabalho para a filial brasileira, relatada pelos pesquisadores. A empresa define as funções elegíveis para a atividade fora da firma e a opção pela alternativa é decidida pelos funcionários, sob aprovação dos gerentes.

O espaço doméstico está sujeito ao cumprimento das normas legais de segurança e saúde exigidas das pessoas jurídicas. Os custos relativos a dispositivos e comunicações são bancados pela companhia e a jornada é a mesma do escritório, com flexibilidade quanto às horas de início e de término e as pausas para almoço e repouso, sem prejuízo, no entanto, ao cumprimento da programação do cliente.

A opção pode ser praticada por um ou mais dias na semana e todos devem comparecer ao escritório por ao menos um dia útil. O controle dos resultados e de alguns indicadores está pactuado em acordo coletivo específico entre o grupo e o sindicato dos profissionais de tecnologia da informação de São Paulo.

Carta Capital

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