Exigências do fundo para concessão de empréstimos fragilizaram ainda mais os sistemas de saúde da região
Por Thomas Stubbs e Alexander E. Kentikelenis*
Na imagem acima, uma unidade de tratamento ao Ebola na Libéria. Foto: UNMEER / Creative Commons / Flickr
O Fundo Monetário Internacional (FMI) fornece assistência financeira a países em dificuldades econômicas, mas suas propostas políticas nem sempre produzem resultados positivos para os países a que pretende ajudar. Por exemplo, críticos argumentam que o FMI inibe os gastos de governos em saúde pública e desvia recursos do setor para pagar a dívida externa.
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Propusemos-nos a examinar como reformas políticas do FMI afetam sistemas de saúde de governos na África Ocidental.
As políticas do FMI têm consequências reais para pessoas reais. Nossa pesquisa mostrou que na África Ocidental o FMI exerceu uma influência única na evolução dos sistemas de saúde em vários países. Entre eles estão Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. Estes 13 países têm uma população combinada de mais de 330 milhões de pessoas.
O fundo tem feito isso através de sua prática tradicional de “condicionalidade“. Em troca de empréstimos, o FMI exige que governos adotem políticas que priorizem objetivos econômicos de curto prazo ao invés de, por exemplo, o investimento a longo prazo em sistemas de saúde.
Os sistemas de saúde da África Ocidental eram frágeis graças ao legado de conflitos e à fraca capacidade do Estado mesmo antes de o FMI se envolver. Infelizmente, as reformas políticas exigidas pelo fundo nas últimas duas décadas prejudicaram a capacidade de governos nacionais de reparar seus problemas históricos. No processo, centenas de milhões de vidas foram afetadas.
Especificamente, as metas fiscais do FMI incentivam reduções no investimento em saúde. Tetos salariais e de pessoal, por exemplo, limitam a capacidade de clínicas e hospitais em contratar mais médicos e enfermeiros. O FMI também incentiva a descentralização dos serviços de saúde para torná-los responsivos às necessidades locais, o que na prática pode prejudicar a prestação adequada de assistência médica.
Nossa pesquisa contribui para debates de décadas sobre os efeitos nocivos dos programas de empréstimos do FMI no desenvolvimento de sistemas de saúde pública. Ela mostra que essas preocupações ainda existem. A pesquisa também sugere que a auto-proclamada priorização da saúde pelo FMI nos últimos anos tem sido em grande parte cosmética.
Sistemas de saúde da África Ocidental e o FMI
Analisamos materiais de arquivos para a nossa pesquisa. Isto inclui relatórios produzidos pelo FMI, memorandos de política governamental e correspondências entre FMI e governos nacionais.
Fortalecer os sistemas de saúde pública é fundamental para alcançar a cobertura universal de saúde. Este é uma das principais metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Países da África Ocidental têm ficado consistentemente aquém da maioria das outras regiões do mundo no que se refere à capacidade do sistema de saúde. A região abriga nove dos 20 países com pior desempenho no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU.
As taxas de mortalidade infantil também estão entre as mais altas do mundo, com média regional de 57,8 óbitos para cada mil nascimentos em 2015. As despesas com saúde pública permanecem lamentavelmente inadequadas em 2,4% do PIB para a região em 2014.
Foram realizadas diversas tentativas de explicar os sistemas de saúde inadequados da África Ocidental. Elas incluem fatores domésticos, como legados de conflito e capacidade estatal fraca. As falhas de organizações inter-governamentais importantes como a Organização Mundial da Saúde (OMS) também receberam parte da culpa.
Não há dúvida de que os sistemas de saúde da África Ocidental estavam danificados antes da condicionalidade do FMI. Mas nos últimos 20 anos, foi o fundo que definiu os parâmetros fiscais e institucionais dentro dos quais as políticas de saúde podem se desenvolver. Estes parâmetros não consertaram os problemas existentes. Eles podem até ter exacerbado alguns deles.
A presença do FMI na região tem sido uma fonte de controvérsia entre profissionais de saúde pública desde a crise do Ebola em 2014. Considerou-se que o fundo contribuiu para o fracasso do desenvolvimento dos sistemas de saúde, exacerbando aquela crise.
Seus críticos queixam-se de que o FMI é responsável por elaborar políticas inadequadas ou dogmáticas que minam o desenvolvimento de sistemas de saúde. A organização argumenta, contudo, que suas reformas na verdade fomentam políticas de saúde.
Nossa pesquisa sugere que este não é o caso. As reformas políticas do FMI estão efetivamente dificultando o desenvolvimento de sistemas de saúde da África Ocidental.
Ligando as condições do FMI aos sistemas de saúde
Em primeiro lugar, metas macroeconômicas estabelecidas pelo fundo reduziram o espaço fiscal para investimentos em saúde. O FMI promoveu políticas de proteção social como parte de seus programas de empréstimos, mas elas foram inadequadamente incorporadas na concepção do programa.
Por exemplo, em 2005, quando as despesas com saúde do governo do Mali atingiram 3% do PIB do país, o FMI encorajou as autoridades a reduzir os gastos. O fundo estava preocupado que “o financiamento de aumentos substanciais dos salários do setor de educação e da saúde… poderia eventualmente revelar-se insustentável”. Em Benin, as autoridades cortaram gastos com saúde em 2005 para “garantir a obtenção dos principais objetivos fiscais” do FMI.
Em segundo lugar, condicionantes estipulando tetos de salários e pessoal limitam a expansão de médicos e enfermeiros. Um exemplo é uma série de condições do FMI para reduzir a conta salarial do setor público de Gana em 2005. O ministro das Finanças de Gana escreveu ao fundo que “no atual nível de remuneração, o setor público está perdendo funcionários altamente produtivos, especialmente no setor da saúde”. Os tetos salariais permaneceram até o final de 2006, e o número de médicos em Gana caiu pela metade.
Em terceiro lugar, reformas administrativas impediram a prestação adequada de assistência médica. Por exemplo, seguindo o conselho do FMI, autoridades da Guinea transferiram responsabilidades orçamentárias do governo central para o nível provincial ou prefeitural no início da década de 2000. Cinco anos depois, uma missão do fundo no país relatou “problemas de governança” que incluíam “descentralização insuficiente e ineficaz”, ao mesmo tempo em que notava a deterioração da qualidade da prestação de serviços de saúde.
Unidade de tratamento ao Ebola em Serra Leoa. Foto: UNMEER / Creative Commons / Flickr
Neo-colonialismo e espaço político para a saúde
Como o papel do FMI na influência da política de saúde na África Ocidental pode ser explicado? A organização é há tempos considerada como uma ferramenta das potências econômicas ocidentais, principalmente dos EUA e da Europa. As antigas potências imperiais continuam a utilizar o fundo para promover uma agenda neoliberal no mundo.
Como parte desta missão neocolonial, o FMI reestruturou as dimensões econômicas e políticas de países da África subsaariana por meio de condições intrusivas. A região se destaca como a que teve de implementar uma grande parcela dessas reformas nos últimos 20 anos.
Um país que recebe um empréstimo do FMI tipicamente experimenta problemas econômicos. Mas, mesmo sob condições econômicas restritivas, restam opções políticas. A pergunta é quem define essas opções políticas: os próprios países, seguindo processos políticos internos, ou o FMI?
O FMI privou nações da África Ocidental do espaço político para se adaptarem às exigências locais, prejudicando o fornecimento de sistemas de saúde eficazes. No entanto, os governos nacionais são equipados com conhecimento local e estão melhor informados sobre como as crises estão se desenrolando em campo.
O FMI tem sede em Washington DC, EUA. Sua equipe é amplamente composta por economistas anglo-saxões que são encarregados de liderar respostas para ambientes desconhecidos em lugares distantes. Não surpreende que as respostas da organização estejam tão desligadas da realidade.
Este artigo foi originalmente publicado em The Conversation. Leia o original aqui.
*Thomas Stubbs é pesquisador associado em economia política no Centro para Pesquisa de Negócios da Universidade de Cambridge, Reino Unido.
*Alexander E. Kentikelenis é pesquisador em política e sociologia na Universidade de Oxford. Ele também é diretor de pesquisa em governança econômica global no Center for Rising Powers da Universidade de Cambridge.
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Carta Capital
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