por Deutsche Welle — publicado 15/03/2017 00h20, última modificação 14/03/2017 15h12
Na Suécia, pequenas empresas ou grandes como a Toyota vêm reduzindo carga horária em troca de satisfação e produtividade dos funcionários
Diretoria da Translated By Us em Copenhague: quando seis é mais do que oito |
Mads Blücher conheceu os zumbis das horas extras. Uma noite, instalando servidores de internet no escritório de uma grande firma, fora do expediente normal, ele se espantou ao ver tantos jovens funcionários ainda sentados às mesas de trabalho.
"Eles estavam totalmente afundados nas cadeiras, quase sem poder olhar para o monitor. Mas eles estavam lá." Esse vislumbre do mundo corporativo e sua cultura de horas extras mostrou a Mads como ele não queria trabalhar.
Agora o dinamarquês de 34 anos tem a própria companhia de traduções, Translated By Us, baseada em Copenhague. Lá o esquema é outro: seus funcionários vão para casa após seis horas de trabalho, embora recebendo o mesmo que num emprego de 9h às 5h.
"A coisa que costuma acontecer quando você tem um monte de horas é tudo e nada", comenta. Cortar duas horas da usual jornada de oito horas permitiu à startup se concentrar no que realmente conta, diz ele, acrescentando que "tudo fica mais em foco".
Pela manhã, toda a equipe faz uma breve reunião para decidir as metas do dia. "Isso cria um clima mais positivo, pois todo mundo sabe o que se espera deles", conta o empreendedor. "E quando tiver feito isso, fique satisfeito, vá para casa, para praticar windsurf ou que quer que você faça da vida."
Oito horas para adoecer
Encerrar o expediente no início da tarde realmente parece ser o sonho de muitos empregados. E a ideia vem bem a calhar: um estudo recente de uma seguradora de saúde da Alemanha mostrou que o estresse profissional aflige quase metade dos trabalhadores do país.
Muitos sofrem de dores de cabeça, insônia ou exaustão emocional, e alguns têm até depressão. As pessoas trabalham, trabalham, trabalham até ficar doentes. E aí continuam a trabalhar. Realmente parece hora de repensar a forma de ganhar a vida.
A Translated By Us não é pioneira da jornada de seis horas. Sobretudo na Suécia esse esquema já é adotado há um bom tempo por diversas firmas menores. E também de grande porte: a montadora Toyota, por exemplo, reduziu há mais de uma década os turnos em sua central de serviços na cidade de Gotemburgo. E manteve o modelo após registrar um imediato aumento de faturamento.
Aspecto econômico
Um experimento de dois anos num lar para idosos, também em Gotemburgo, acaba de se encerrar com alguns resultados interessantes. Reduzir a carga horária das 68 enfermeiras de oito para seis horas, sem corte salarial custou à municipalidade 1,26 milhão de euros adicionais, para contratar 17 novos funcionários.
Apesar da economia em salários-desemprego e dos impostos arrecadados dos novos empregados, a empreitada foi um fiasco financeiro. Mas ainda assim o experimento foi bem-sucedido, pois alcançou sua meta original: mais satisfação e saúde para os empregados e melhores cuidados para os pacientes.
Escritório da Potato em Bristol: plena liberdade de ir e vir (Potato)
A opção parece bastante simples: ou tenha um pessoal mais feliz e mais produtivo ou economize dinheiro. Será que isso poderia revolucionar o modo como um país funciona? Não, é a resposta um tanto decepcionante de Werner Eichhorst, do instituto IZA de economia do trabalho, na Alemanha.
"Não é um remédio universal, nem um conceito geral que possa ser implementado em curto prazo. Não se pode simplesmente partir do princípio que o trabalho feito em oito horas possa ser cumprido em três quartos desse tempo", afirma.
Um país inteiro que passasse para uma jornada de seis horas muito provavelmente arrebentaria a própria economia, prediz Eichhorst. Seria necessário mais gente para realizar o mesmo volume de trabalho, aumentando o custo do trabalho para as empresas.
Tal poderia, ainda, acarretar carência de mão de obra, já que o contingente de profissionais treinados para assumir os novos trabalhos não é infinito. "Eu colocaria um enorme ponto de interrogação atrás de um modelo desses", conclui Eichhorst.
E foi isso o que a municipalidade de Gotemburgo fez, ao suspender o novo esquema no lar de idosos devido aos custos elevados. No entanto, o fim do experimento não significa o fim do dia de seis horas: ele segue sendo mantido por algumas companhias, e outras empresas têm proposto alternativas diversas.
"Agora mesmo há diversos debates em torno disso: o que é trabalho? O que é um espaço de trabalho válido? Quais são os limites do estresse?", enumera Eichhorst.
Pelo menos na Alemanha, o dia de 9h às 5h rígido está progressivamente desaparecendo, acrescenta. Diversas empresas oferecem pelo menos horários flexíveis, deixam os empregados trabalharem de casa, ou mesmo lhes dão plena liberdade sobre como e quando cumprir as tarefas designadas.
Equilíbrio vida-trabalho
A agência de desenvolvimento de sites Potato, fundada em 2010, abriu mão inteiramente de estipular as horas de trabalho. Os funcionários de seus escritórios em Londres, Bristol e San Francisco podem ir e vir à vontade, contanto que terminem o trabalho.
"As pessoas são mais produtivas em certas horas do dia, não é igual para todos", explica Declan Cashin, diretor de conteúdos da Potato. "Se o seu emprego pode se adaptar a quando você é mais produtivo, então é no melhor interesse da companhia se ajustar ao seu jeito."
Antes de entrar para a firma de web development, quatro meses atrás, o profissional de 35 anos trabalhava no jornalismo, em que as jornadas são longas, imprevisíveis e muitas vezes inflexíveis.
"Para quem atua na mídia, pode ser difícil obter um bom equilíbrio entre trabalho e vida, enquanto numa companhia como a Potato é muito mais viável conseguir esse equilíbrio", diz.
Naturalmente, empresas como Potato ou Translated By Us não proporcionam uma cultura profissional atraente e flexível por pura boa vontade, mas sim na esperança de convencer os jovens e talentosos a trabalharem para elas, colocando-as à frente da concorrência.
Da mesma forma, a Toyota Gotemburgo manteve a jornada de seis horas por ver que fazia mais dinheiro: a redução de carga horária tem que fazer sentido em termos comerciais. Mas pode ser que esses exemplos preparem o caminho para uma mudança mais fundamental da cultura de trabalho.
De volta a Copenhague, Mads se alegra por sua incursão no mundo corporativista ter sido apenas temporária. "Parecia simplesmente tão nocivo. Havia bem pouca concentração em ter uma excelente vida e bem mais em cumprir os orçamentos." Com seu escritório de traduções, ele quer provar que é possível cuidar do orçamento e, ao mesmo tempo, ter qualidade de vida.
Carta Capital
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