por Tory Oliveira — publicado 14/03/2017 16h01, última modificação 14/03/2017 16h03
Aprender a se defender e trazer diversidade para as artes marciais são os objetivos do grupo dedicado ao treinamento de Krav Maga no Rio de Janeiro
A presença de LGBTs em um espaço de artes marciais: visibilidade e integração |
"Ei, viado, puta, trava! Defenda-se!", diz o cartaz colado na parede, acompanhado da legenda “defesa pessoal para LGBTs” e os contatos do Piranhas Team.
Aprender a se defender em situações de perigo, além de ocupar e trazer diversidade a um espaço de prática de artes marciais, tradicionalmente dominados por pessoas cisgênero e héteros, são os objetivos do Piranhas Team, um grupo de LGBTs dedicado ao treinamento de Krav Maga sediado no Rio de Janeiro.
Alisson Paes, professor e um dos idealizadores da iniciativa, conta que, no Brasil, muitos espaços dedicados à luta e às artes marciais têm medo de vincular seu nome a pessoas ou causas LGBTs. Por outro lado, existem muitos grupos de defesa pessoal direcionados para esse público na Europa e nos Estados Unidos.
“O Brasil ainda está um pouco atrasado”, reflete ele, que começou a iniciativa com um pequeno grupo de amigos. A turma também participou da ocupação do Ministério da Cultura (Minc) e militava em movimentos de esquerda pelos direitos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.
Acolhidos pela CT Tori, uma academia no bairro carioca da Lapa, o Piranhas Team participa das aulas às terças e quintas-feiras, com horários de manhã e à noite. A mensalidade custa 80 reais e há também uma taxa de 20 reais por matrícula.
Paes conta que a equipe testou outras artes marciais, mas acabou optando pelo Krav Maga, estilo idealizado pelo húngaro Imi Lichtenfeld (1910-1998) e adotado pelo exército de Israel.
“O Krav Maga é justamente voltado para a questão da defesa pessoal, pois oferece respostas muito rápidas para esse problema”, explica ele.
No Brasil, os índices de violência contra a população LGBT são muito altos e atingem, em especial, as pessoas trans. A inexistência de uma tipificação específica para o crime de violência contra a população contribui para a invisibilização das estatísticas.
Segundo dados compilados pelo Grupo Gay da Bahia relativos a 2016, 340 pessoas foram mortas em decorrência da LGBTfobia, 11 mortes a mais do que em 2015. A maior parte dos assassinatos ocorreu em espaços públicos por tiros, asfixia, facadas, espancamentos e outros tipos de violência.
Referentes ao ano de 2013, dados do então Ministério das Mulheres, da Igualdade Social e dos Direitos Humanos destacam uma triste estatística: todos os dias, ao menos cinco casos de violência são registrados contra pessoas LGBT. Em 2013, foram 1965 denúncias de 3.398 situações de violência, envolvendo 1.906 vítimas e 2.491 suspeitos.
O real índice de violência pode, no entanto, ser ainda maior, uma vez que há grande subnotificação e os dados disponíveis referem-se às queixas feitas por meio das ouvidorias do SUS e das antigas secretarias de Políticas para Mulheres e de Direitos Humanos, por meio do Disque 100.
Além do ganho individual, da possibilidade de se defender em uma eventual agressão, Paes destaca outro resultado coletivo e positivo do Piranhas. “Nossa presença na academia significa romper um espaço que é tradicionalmente vedado a pessoas LGBT. Aqui, criamos um espaço coletivo em que sabemos que não passaremos por nenhum constrangimento”, afirma. O grupo já treina desde agosto de 2016.
O Piranhas Team com o dono do CT Tori, Leandro Davi
Além dos problemas de discriminação, Paes acredita que limitações econômicas acabam contribuindo para a exclusão das pessoas trans, em especial, desses locais. "Uma de nossas colegas de turma, travesti, disse que não poderia continuar porque ficou desempregada e o acesso dela ao mercado de trabalho é muito difícil. Decidimos, então, ratear o valor da mensalidade para que ela continuasse conosco", afirma.
Infelizmente, lamenta ele, a crise econômica acabou fazendo com que ela acabasse se mudando do Rio de Janeiro. "Como a dificuldade delas é muito grande, incentivamos a presença delas, rateando o valor entre os demais alunos", afirma, explicando que, nesses casos, os alunos cisgênero dividem entre si o valor que seria pago pela pessoa trans (cisgênero ou 'cis' é a pessoa que atende a expectativa social de coerência da matriz de gênero).
A existência de uma turma LGBT em uma academia de artes marciais também traz ganhos positivos para os demais frequentadores do local. “Isso faz com que esse espaço se reinterprete e passe a enxergar essas pessoas de outra maneira. Fazemos as aulas no mesmo horário de outras turmas, então os alunos convivem com travestis e transsexuais. Isso, de alguma maneira, contribui para a melhor convivência e integração entre as pessoas”, comemora.
Carta Capital
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