quarta-feira, 8 de março de 2017

O primeiro 8 de Março depois do golpe contra uma mulher



É evidente que o golpe de estado que depôs da presidência da República uma mulher honrada e de inquestionável compromisso público e republicano atendeu aos interesses estratégicos dos rentistas, do agronegócio, dos grandes conglomerados empresariais e dos grupos monopolistas da mídia brasileira.

No entanto, é inegável que a quebra da ordem constitucional teve também uma nítida dimensão misógina. Durante toda a campanha de sabotagem da qual o governo da presidenta Dilma foi vítima, não faltaram charges e montagens gráficas grosseiras no intuito de desqualificá-la por sua condição de mulher. O machismo a serviço do golpe não mediu esforços para passar aos incautos a imagem de uma mulher autoritária, de difícil trato e pouco afeta ao diálogo. Ou seja, uma desequilibrada, como o machismo costuma pintar as mulheres hoje em dia.

E neste primeiro 8 de Março – Dia Internacional da Mulher depois do golpe, se olharmos para trás, os avanços e conquistas extraordinários das mulheres merecem efusiva comemoração. Contudo, os indicadores alarmantes de violência contra o sexo feminino e toda sorte de discriminação de gênero fortemente presente na sociedade brasileira fazem dessa data um dia de luta.

Luta por isonomia salarial com os homens – na média, exercendo as mesmas funções e com maior escolaridade, elas ganham 70% do recebido pelos homens; luta por empoderamento político – as mulheres, embora sejam 54% da população, ocupam apenas 10% das cadeiras do Congresso Nacional. Algo semelhante acontece nas empresas, no Judiciário, nos governos, em todas as casas legislativas, nas Forças Armadas e demais instituições públicas e privadas.

Mas esse Dia da Mulher deve servir especialmente para denunciar que o Brasil se tornou um dos piores países do mundo para se nascer mulher. A violência contra o sexo feminino não para de crescer em nosso país, conforme consta do relatório sobre violação dos direitos humanos no Brasil em 2016, divulgado pela Anistia Internacional.

Em que pese contar com um arcabouço legal avançado para a proteção das mulheres, como a Lei Maria da Penha, que está completando dez anos, e a Lei do Feminicídio, as taxas de violência física (inclusive letais) e psicológicas registradas ano após ano no Brasil são motivo de vergonha nacional.

Reportagem publicada pela revista CartaCapital desta semana exibe dados estarrecedores: o Brasil é o 5º colocado no ranking mundial de assassinatos de mulheres, com 13 feminicídios por dia, cujas vítimas, em média, têm entre 15 e 29 anos; 50,3% dos homicídios são cometidos por familiares; entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54%; 527 mil estupros acontecem anualmente; 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados, amigos ou conhecidos; em 70% dos casos as vítimas dos estupros são crianças ou adolescentes.

Entidades feministas e de direitos humanos apontam, entre os fatores responsáveis pelo aumento vertiginoso da violência contra a mulher, a dificuldade para a aplicação da lei, fruto da cultura machista presente na polícia, no Ministério Público e no Poder Judiciário. Com frequência, esses operadores do direito, contrariando todas as evidências, se negam a enquadrar agressores de mulheres na legislação específica, optando por considerá-los autores de lesões corporais.

Nenhuma nação que se pretenda civilizada pode conviver com uma realidade como essa. Viva a luta das mulheres!


WADIH DAMOUS
Deputado federal pelo PT/RJ e ex-presidente da OAB/RJ


Brasil 247

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