por Deutsche Welle — publicado 11/04/2017 00h19, última modificação 10/04/2017 15h50
Com discurso eurocético, anti-Otan e elogios a Putin e Chávez, candidato aparece nas pesquisas como ameaça cada vez mais plausível a Le Pen e Macron
Jean-Luc Melenchon durante discurso em Deols, em 2 de abril. Ele vem mudando a campanha |
A duas semanas das eleições, a campanha presidencial francesa foi chacoalhada pelo que a imprensa local trata como um fenômeno em ascensão, capaz de mudar o cenário do segundo turno: Jean-Luc Mélenchon, candidato da extrema esquerda, de discurso eurocético, que vem atraindo multidões a seus comícios e subindo nas pesquisas.
Após um desempenho forte em dois debates na TV e de um evento ao ar livre em que reuniu dezenas de milhares de seguidores em Marselha, no domingo 9, ele ultrapassou François Fillon nas pesquisas de intenção de voto, alcançando entre 18% e 19% (dependendo da fonte).
Com isso, o político de 65 anos apoiado pelo Partido Comunista desponta logo atrás dos dois candidatos mais cotados, o centrista Emmanuel Macron e a populista de direita Marine Le Pen.
"Todos os indicadores estão a favor do líder da [coalizão] França Insubmissa: boas sondagens, comícios lotados, um candidato socialista que deslancha, um contexto marcado por escândalos em que, segundo ele, seu conceito de 'degagismo' vai ganhando sentido completo."
Essa opinião é da jornalista do Le Monde Raphaëlle Besse Desmoulières, que cobre a campanha de Mélenchon. O termo "degagismo", cunhado durante a assim chamada Primavera Árabe, de 2011, descreve o desejo de um esvaziamento do status quo político, através da deposição dos detentores de poder.
No calcanhares de Macron e Le Pen
Com a presente guinada à esquerda, torna-se ainda mais dramática a montanha-russa de uma campanha presidencial imprevisível. A revista de orientação esquerdista L'Obs comenta que "a súbita emergência de Jean-Luc Mélenchon entre os quatro candidatos, com cerca de 20%, extrapolou todas as previsões, semeando dúvida entre os favoritos".
Segundo observadores políticos, é mais difícil do que de costume fazer previsões sobre este pleito em dois turnos; entre outros fatores, um número inusitadamente alto de votantes anuncia que pretende se abster ou que ainda está indeciso.
Tomando-se como base as enquetes atuais, que mostram Macron e Le Pen pau a pau, com 23% a 24% das intenções de voto, ambos estariam qualificados para concorrer ao segundo turno em 7 de maio. Neste – embora os analistas prefiram guardar a cautela em suas previsões –, as chances maiores seriam para o candidato centrista de 39 anos.
Melenchon durante comício em Marselha: ascensão da esquerda na reta final (Foto: Anne-Christine Poujoulat / AFP)
Discursando em Marselha, contudo, Mélenchon lembrou que os eleitores têm alternativas tanto à extrema direita – "que condena nosso grande povo multicolorido a se odiar" – e aos fãs do livre mercado "que transforma sofrimento, miséria e abandono em ouro e dinheiro".
O que pensa Mélenchon?
Nascido em 1951 no Marrocos, Jean-Luc Mélenchon é um político veterano que abandonou o Partido Socialista em 2008, após 30 anos de militância, para liderar seu próprio movimento, o França Insubmissa (FI).
Conhecido por sua agressividade e língua afiada, ele pode ter abrandado sua retórica para esta campanha, mas não renunciar inteiramente ao talento para tiradas ácidas e chistes desconcertantes – como os disparados durante o debate televisivo da última terça-feira, sobretudo contra a ultradireitista Marine Le Pen.
Segundo seu ex-correligionário socialista Julien Dray, Mélenchon "inventou a stand-up comedy política, se transformou num showman". Desde o início da campanha, ele tem também cultivado um núcleo fiel de adeptos no Twitter e em seu canal na plataforma de vídeo YouTube. Desse modo, contorna a mídia tradicional, que acusa de ser tendenciosa.
Seu radical programa eleitoral de taxações e gastos públicos inclui um plano de incentivo de 100 bilhões de euros e as reduções da jornada semanal de trabalho, das atuais 35 para 32 horas, e da idade de aposentadoria, para 60 anos.
O ultraesquerdista francês propõe um aumento do salário mínimo e o reforço da seguridade social, em parte através de impostos progressivos, taxando em 100% todo rendimento acima de 33 mil euros mensais. Ele promete, ainda, abandonar a energia nuclear, responsável por cerca de 75% da eletricidade nacional, assim como re-estatizar o grupo nacional de energia EDF, parcialmente privatizado.
Admirador declarado do ex-dirigente venezuelano Hugo Chávez, na política externa Mélenchon quer retirar a França tanto da União Europeia quanto da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
E, ao mesmo tempo em que manifesta apoio à intervenção militar do presidente russo, Vladimir Putin, na Síria e na Ucrânia, o líder do FI compara a chefe de governo alemã, Angela Merkel, ao beligerante homem de Estado prussiano Otto von Bismarck. "Sou o candidato da paz", assegurou, durante o comício marselhês do domingo, enquanto tirava um ramo de oliveira do bolso do casaco.
AV/afp/ots
Carta Capital
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