terça-feira, 12 de dezembro de 2017

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Em São Bernardo do Campo, mais de 100 famílias com casas destruídas

por Caroline Oliveira — publicado 12/12/2017 00h30, última modificação 12/12/2017 14h14

Enquanto MTST ocupa terreno para exigir a construção de moradias na cidade, habitantes de Vila Moraes perdem o pouco que tinham




Com cinco filhos e o marido, Rosane Soares dos Santos, 32 anos, estudante de Direito, divide há sete anos uma casa de três cômodos, o chão é de terra batida e as portas improvisadas de pano. A família da cabeleireira, que atende os moradores da região na própria casa, faz parte das mais de 400 famílias residentes na Vila Moraes, em São Paulo. 

Algumas estão ali há mais de 40 anos, quando surgiu a comunidade na região de São Bernardo do Campo, em uma área de proteção ambiental e a alguns metros da Represa Billings.

Em 27 de novembro, com o apoio da Guarda Civil Metropolitana, a Prefeitura de São Bernardo obrigou mais de 100 famílias a deixarem a Vila Moraes.

Embora alguns dos moradores estivessem cadastrados na prefeitura ou morassem ali há mais de um ano, o que dá o direito à posse, muitos tiveram suas casas destruídas. Rosane, registrada e com direito à posse, teve parte de sua residência derrubada. Agora, sete pessoas dormem no mesmo cômodo.

O direito à posse prevê a possessão física de um imóvel, como, por exemplo, o caso de alguém que aluga um apartamento. Já o direito à propriedade diz respeito ao dono do terreno ou imóvel.

Nesta segunda-feira 11, a prefeitura retornou à região com a GCM e 4 tratores para demolir mais casas, segundo os moradores. No entanto, um recurso do Ministério Público suspendeu a ação.

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Com grande déficit habitacional, São Bernardo do Campo tem se tornado palco relevante das lutas por moradia. Em setembro, mais de 8 mil famílias ocuparam um terreno na região metropolitana da cidade com o apoio do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Enquanto os Sem Teto tentam garantir moradia na cidade, muitos habitantes da Vila Moraes perderam o pouco que tinham. Antes do despejo, em 23 de novembro, o defensor público Fabiano Majorana solicitou uma liminar contra a retirada dos moradores da comunidade e foi atendido pela Justiça. Ele pediu também a regularização fundiária dos habitantes, mas não teve sucesso.


No dia da confusão, Iranilda Maria Julio foi atingida por estilhaços de bomba e corre o risco de perder a perna (Foto: Caroline Oliveira)


No dia seguinte, o mesmo Ministério Público que impediu a demolição das casas nesta segunda-feira 11 entrou com um recurso e obteve a suspensão da liminar da Defensoria. Logo, permitiu-se a retirada das famílias não cadastradas e residentes ali há menos de um ano. 

Olair Gomes Lourenço residia na Vila Moraes há quatro anos. Ainda assim, assistiu a sua casa ser derrubada pelas máquinas, e foi impedido pela GCM de pegar seus pertences. Entre os objetos estava o seu olho de vidro. Hoje ele olha para os destroços sem esperança de recuperar até mesmo uma roupa. “Estou muito triste, essa moradia era a única coisinha que eu tinha na vida”, afirma.

Na região, cercada de árvores, o frio é parte do cotidiano. Alguns arriscam gambiarras para esquentar a água na hora do banho. Mas mesmo as improvisações requerem muitas vezes um dinheiro inexistente. A poucos metros dali, no Sítio Jandaia, a água quente sempre chegou, ao contrário de qualquer notificação de despejo.

“Nós somos a prova da arbitrariedade da ação deles [da Prefeitura de São Bernardo do Campo] aqui. Do outro lado estão as mansões, os empresários. Se a prefeitura alega que a área é de manancial, porque não notificaram lá também?”, questiona Rosane.


O quarto dos filhos de Roseane foi demolido pela prefeitura, apesar de ter o direito de posse (Foto: Caroline Oliveira)

Para ela, o maior medo “é prevalecer a vontade de uns e esquecer que aqui existem seres humanos". "Somos todos trabalhadores e não estamos nesse lugar porque queremos."

A única prova de que foram retiradas famílias com direito à posse são os relógios de água, os quais já estão sendo retirados pela prefeitura, segundo os moradores.

José Maria Rodrigues, 38 anos, pai de uma criança que teve AVC, apenas uma das seis vítimas do acidente em apenas uma rua da região, mora há três anos na Vila Moraes. Ele afirma que a comunidade propôs à Prefeitura um projeto agroecológico de replantar as árvores que foram derrubadas para dar lugar às casas.

“Nós precisamos de uma resposta. Estamos morando aqui há muito tempo, precisamos de um cuidado melhor e não temos para onde ir”, afirma José.

Procurada desde terça-feira, dia 5 de dezembro, a Prefeitura de São Bernardo do Campo não respondeu às solicitações da reportagem. O espaço continua aberto para posicionamentos.

Déficit habitacional

Em 2016, um estudo realizado pela Universidade Federal do ABC em parceria com do Comitê do Programa Habitacional Intermunicipal da região apontou um déficit habitacional de mais de 230 mil moradias, sendo qualitativas ou quantitativas, na região do ABC.

As primeiras perfazem cerca de 130 mil moradias que precisam ser corrigidas, como é o caso da Vila Moraes, por estar em um terreno inapropriado. Já o déficit de moradia quantitativo é de aproximadamente 100 mil casas, que precisam ser construídas.

O estudo foi comandado pelo prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB), e também apontou 376 assentamentos precários.

De acordo com o site da prefeitura, desde 2009 há um investimento no setor dez vezes maior do que a média nacional, 0,7%. Em sete anos, foram entregues 4.911 moradias e 4.696 títulos de regularização.

Comunidade Vila Moraes

A comunidade existe há mais de 50 anos e surgiu após os moradores serem despejados de uma outra comunidade chamada “Matão”. Ao redor das casas estão chácaras, condomínios com casas de alto padrão e sítios.

Atualmente, os moradores têm uma associação. “Quando chegamos aqui usávamos luz de vela, não tinha água e aqui era muito difícil de viver, mas com o tempo estamos conseguindo colocar as coisas no lugar”, conta Mônica Melchiades Leonardo, 45 anos, vice-presidente da associação, em entrevista à equipe da organização Teto Brasil, que trabalha na região.


Carta Capital



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