Por Joaquim Ernesto Palhares
13/06/2018 15:57
Um vídeo absolutamente dantesco está circulando nas redes sociais. Um menino, dez anos no máximo, pobre e negro, é impedido de comer em um shopping de Salvador, Bahia. Um cliente que havia se oferecido a pagar a refeição da criança é hostilizado pelo segurança que afirma: “aqui ele não come”, chegando ao ponto de agredir o garoto, segurando-o pelos braços. Outros seguranças foram chamados e somente após muita humilhação, o menino conseguiu seu prato de comida. Confiram o vídeo aqui.
Onde estamos?
Além da agressão a um menor de idade, impressiona que, com exceção de duas mulheres, ninguém ousou interceder em favor do garoto ou de seu defensor, também, negro. Sentados em suas mesas, saboreando o fast food, as pessoas permaneceram alheias e em silêncio. Levantassem todos naquele momento, o segurança não teria como impedir o garoto de se alimentar. O abuso de poder poderia ser contido caso todos reagissem. Certamente, o desfecho do vídeo foi positivo porque o episódio estava sendo gravado. Havia o “olho do povo” contendo a violência. Onde esse olho não existe, sabemos muito bem o que acontece.
O vídeo provoca dois sentimentos imediatos. Por um lado, a revolta ante a violência servil dos jagunços (seguranças) e total indiferença dos demais. De outro lado, a esperança ante a coragem do cliente que saiu, sozinho, em defesa do menino. O que se vê nessas imagens é o retrato instantâneo da sociedade brasileira: o fascismo. Não iremos combater o fascismo de braços cruzados.
Diante de situações como essas, nós precisamos nos manifestar. Toda vez que nos sentirmos intimidados por um fascista, o fascismo vencerá. Se pensarmos que Lula detém 30% das intenções de voto, a pergunta mais óbvia é: onde estão essas pessoas? Se todas fossem às ruas, estaríamos falando, em média, de 60 milhões de brasileiros expressando sua indignação contra o sequestro de seu voto, seu candidato (Lula) e contra a destruição do país. Não podemos mais nos dar ao luxo de ficarmos em casa quando as ruas precisam falar.
A nossa voz e a nossa presença são decisivas neste momento histórico. O que estamos enfrentando não é pouca coisa. O que está em jogo neste 2018 é a perpetuação disso como uma política de Estado ou a garantia dos direitos humanos e sociais conquistados pelo povo brasileiro nas últimas décadas. Devemos honrar os brasileiros que foram às ruas em 1961, 1964, 1968; os que lutaram pelas Diretas Já; os que morreram por este país, os que estão desaparecidos e foram vítimas das mais bárbaras torturas comandadas pelos generais com apoio da Rede Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e por mais de 60 empresas.
Eleitores de Jair Bolsonaro não têm a menor ideia do que foi a ditadura. Não sabem o impacto daquilo que defende seu candidato: Estado Mínimo, venda de estatais nacionais, armamento da população (a bancada da bala agradece), redução da maioridade penal, fim da demarcação de terras indígenas, venda de terras a estrangeiros, fim da universidade pública. E o que dizer da animosidade em relação aos países latino-americanos? Ou outros tantos absurdos defendidos por essa sujeito homofóbico, racista e misógino que, queiramos ou não, tem base social.
O deputado candidato é contra a taxação de grandes fortunas, contra a taxação de lucros e dividendos e a favor da PEC 95, aquela que mantêm congelados os investimentos em educação, saúde e segurança por 20 anos. Engana-se quem pensa que a Globo é contra ele. No que mais importa (o tripé acima mencionado), eles estão juntos. Querem inclusive entregar o país e vender a Petrobras – Globo, Bolsonaro, Temer, Alckmin, Parente e cia. São todos iguais.
Durante pelo menos duas décadas, os veículos dessas empresas no exterior e aqui no Brasil, repetiram à exaustão a mesma ladainha de exaltação do Estado Mínimo, do livre mercado, das privatizações, da desregulamentação dos mercados, da necessidade de flexibilizar as relações trabalhistas, a legislação ambiental, da urgência de uma reforma da Previdência.
Em 2008, porém, quando esse modelo afundou, saíram todos correndo para bater nas portas no Estado: mais de 1 trilhão de dólares foi a cifra dada pelo Tesouro Americano para salvar sistema financeiro global. Os lucros milionários dessas décadas foram apropriados por alguns poucos afortunados, os prejuízos foram socializados com o conjunto da população e a mídia fez de conta que não havia dito o que disse durante décadas.
Nenhum desses meios de comunicação veio a público assumir sua parcela de responsabilidade diante da crise de 2008. No Brasil, inclusive, fortaleceram o discurso, defendendo que o mercado se acalmaria, os investimentos retornariam, a incompetência seria substituída pelo “Dream Team” e a corrupção seria contida se Dilma Rousseff fosse afastada em 2015.
A realidade conta outra história. Em “A Ficha Caiu”, artigo publicado no Valor, em 11 de junho, o professor Fernando Limongi (DCP/USP), aponta que “os liberais se eximem de culpa e a única solução que enxergam para a crise é a radicalização de seu programa”. A única saída do neoliberalismo é a sua radicalização.
Não à toa, a Globo finge ser contra um candidato como Bolsonaro. Aliás, esse é um fenômeno que acontece em todo o mundo. O papel da Comunicação seria justamente o oposto disso: caberia a seus veículos, antes de mais nada, duvidar e colocar em debate o pensamento hegemônico (leia-se neoliberal), dando voz a todas as correntes de pensamento. Isso sim seria uma comunicação democrática.
Ao contrário da mídia neoliberal, Carta Maior sempre se anunciou como um portal de esquerda e, há mais de 17 anos, vem garantindo a presença do contraditório silenciado pela mídia hegemônica. É de fundamental importância a guerrilha diuturna que realizamos; mas é a formação política que nos possibilitará enfrentar o fascismo no campo das nossas certezas. Não aceitar passivamente a agressão a uma criança faz parte dessa formação.
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Boas leituras
Joaquim Ernesto Palhares
Diretor da Carta Maior
Carta Maior
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