Palestras do presidenciável do PSOL chamam a atenção de grandes grupos de jovens e indicam uma mudança do clima político
Os ventos mudaram de direção, até na República de Curitiba. Perto de 2 mil estudantes, militantes e lideranças políticas transformaram em arquibancada as escadarias do histórico prédio da Universidade Federal do Paraná, palco de protestos marcantes na cidade. De frente para a plateia entusiasmada, braços apoiados em uma pequena mesa, Guilherme Boulos fala da reforma da Previdência, das ameaças à educação, dos riscos às liberdades individuais, da liquidação do País. Os aplausos efusivos marcam a escalada do discurso. “O Boulos acendeu a faísca no Paraná”, resume o ex-governador Roberto Requião, que acompanhou o encontro e foi calorosamente saudado pelos jovens com o coro “Volta, Requião”. “O que o Boulos fez na escadaria foi o mesmo que eu fiz quando derrotei a direita no Paraná”, compara o ex-governador, que comandou diversas atividades políticas no mesmo endereço.
NORTE A SUL. HÁ DOIS MESES, BOULOS RODA O PAÍS PARA PALESTRAS EM UNIVERSIDADES E ENCONTROS COM LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS. NA FOTO, NA UFPR
A cena se repetiria em Natal, com uma plateia ainda mais ruidosa. Havia uma razão adicional. Boulos escolheu a capital do Rio Grande do Norte para acompanhar os protestos de 15 de maio, em defesa da educação, os maiores atos contra o governo Bolsonaro até o momento. “Natal parou porque estava revoltada. Foi a coisa mais linda de se ver”, descreve Aisha Lemos, 20 anos, estudante do primeiro ano de Multimídia do Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Além de ir às ruas, Aisha e cerca de 4 mil estudantes lotaram o ginásio da escola para ouvir a palestra de Boulos. “A aula dele acendeu um pavio que estava quase aceso”, afirma Miranda Júnior, 19 anos, estudante de Geografia. “Ninguém esperava, nem mesmo a organização, aquela quantidade de gente.”
➤ Leia também:
Miranda impressiona-se, mas quem acompanha a caravana do presidenciável do PSOL Brasil afora tem notado uma afluência crescente a suas palestras, principalmente de jovens. Nos últimos meses, Boulos visitou 15 estados. Falou em universidades e nas periferias. Reuniu-se com políticos e lideranças populares. E percebeu uma disposição para o debate político que andava sumida desde o impeachment de Dilma Rousseff. “A juventude está preparada para resistir e lutar contra o projeto que Bolsonaro quer colocar em prática”, avalia. “Por essa razão decidi viajar pelo País. Precisamos de uma oposição que volte a ocupar as ruas, tome iniciativas e recupere o poder de mobilização. Não bastam hashtags na internet ou colóquios. Se perdemos as últimas batalhas é porque, antes, perdemos uma parte da conexão com o povo e a juventude.”
Primeiro destino: Florianópolis
A caravana de Boulos começou dois meses atrás em Florianópolis, capital que deu 65% de votos a Bolsonaro no segundo turno (Santa Catarina brindou o ex-capitão com 75%). A cidade também abriga um dos mais entusiasmados defensores do atual presidente, o empresário Luciano Hang, dono de uma cadeia de lojas espalhadas pelo Brasil, famoso por performances na internet que lhe renderam o apelido de “Velho da Havan” e por ruidosos processos trabalhistas. Inconformado com a presença do coordenador do movimento dos sem-teto no município, Hang, que encenou o enterro do comunismo logo após a vitória de Bolsonaro, tentou mobilizar os “homens de bem” de Florianópolis contra o evento. “Parece piada, mas não é. Boulos dando aula na Universidade Federal de Santa Catarina. O que podemos esperar depois desses alunos? Serão empreendedores? Não. Serão concurseiros que vão para dentro do governo prejudicar os empresários e destruir as empresas”, declarou o comerciante. O presidenciável do PSOL não deixou por menos: “Certamente, não aprenderão a praticar evasão de divisas nem sonegação fiscal. Tampouco a mamar dinheiro do BNDES e a se safar com o Refis. Nisso tudo você é professor sênior, né seu escroque?”
A troca de farpas incentivou as tentativas oficiais e extraoficiais de barrar o discurso de Boulos. Não deu certo. A aula magna em Florianópolis foi vista por 500 alunos no auditório da reitoria e outros 2 mil que acompanharam, por telão, do lado de fora. Àquela altura, o Ministério da Educação era ocupado pelo colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, um atrapalhado discípulo de Olavo de Carvalho, cujo maior feito à frente da pasta foi definir os brasileiros como “canibais”. Ainda não havia sinais de cortes no orçamento das universidades.
“Precisamos de uma oposição que volte a ocupar as ruas, tome iniciativas e recupere o poder de mobilização”
A experiência na caravana aumentou a convicção de Boulos de que o trabalho de base é só o começo. É preciso, diz ele, recuperar a capacidade de encantar os cidadãos. “Uma das razões de a gente ter chegado a esse ponto é que perdemos a capacidade de sonhar. Perdemos a capacidade de despertar sonho e esperança. Foi na desilusão que o Bolsonaro cresceu.”
➤ Leia também:
E a desilusão talvez o desidrate. As manifestações favoráveis ao governo no domingo 26 perderam em tamanho e representatividade para os protestos pró-educação da quinta-feira 15. Os estudantes voltaram às ruas no dia 30, um preâmbulo para a greve geral de 14 de junho. Nas próximas semanas saberemos se as plateias reunidas para ouvir Boulos são um fenômeno isolado e em certa medida festivos ou representam um novo movimento capaz de recuperar as ruas para o chamado campo progressista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário