Segundo episódio do filme sobre a vida cotidiana no regime de extrema direita alemão mostra crianças usando armas com naturalidade, assassinatos de reputação de ''inimigos internos'', ocupação de sindicatos e cercos policiais a bairros pobres
Assim como a primeira parte da pequena grande série intitulada Minha Vida na Alemanha de Hitler, do francês Jérôme Prieur, atualmente em exibição no Canal Curta em várias sessões*, o segundo episódio também é baseado nos depoimentos, nas anotações, diários e documentos daqueles que conseguiram fugir a tempo da barbárie nazista que se anunciou de 1930 a 1933.
Esses papéis, que se encontravam esquecidos e arquivados na biblioteca da Universidade de Harvard e ganharam luz com o documentário de Prieur, significam alerta e cautela às populações de hoje que embarcam na propaganda neofascista extraída da cartilha nazista como ocorre hoje em alguns países. Brasil inclusive.
Os autores dos apontamentos históricos, alguns estarrecedores, com cenas do dia-a-dia da população no período, conseguiram se exilar em outros países europeus antes da guerra infectar o continente e foram parar também na China, em Chicago, em Hollywood, Palestina, Londres, em Cuba, Rio de Janeiro.
Se no episódio anterior de Ma vie dans l’Allemagne d’Hitler a tônica era a frivolidade da população alemã incrédula em relação à permanência de Hitler no poder, nesta segunda parte do documentário o eixo é o que Goebbels chamava de o ajuste da sociedade. Hábitos e costumes da população, praticados antes de Hitler, deveriam, (como foram) ser apagados, esquecidos e destruídos porque uma nova ordem era anunciada através da mídia daquele tempo: os programas radiofônicos ancestrais dos noticiários manipuladores da nossa TV de hoje.
Mantras como estes martelavam a cabeça dos ouvintes diuturnamente: "O povo alemão está acordando!" e "O indivíduo é propriedade do estado; ele não se pertence a si mesmo." Ou: "Hitler é o futuro!"
A "reconstrução" da sociedade e da Alemanha estavam em marcha.
Multiplicavam-se os assassinatos de reputações e as calúnias públicas contra "inimigos internos" - judeus, comunistas, padres, pastores protestantes, sociais democratas e os marxistas acusados de conspirações em série (inclusive a do incêndio do Reichstag). O lazer passava a ser planejado coletivamente, os esportes eram culto obrigatório e as aulas de moral e civismo faziam parte do currículo das escolas.
A frequência de judeus nas piscinas públicas era proibida e nos colégios os alunos deviam limpar as cadeiras nas quais ex-colegas judeus tinham se sentado, antes deles.
As mulheres inteligentes não eram bem vistas. Nas escolas aprendia-se que o indivíduo tinha obrigação de sacrificar tudo pelo estado - os pais ocupavam posição secundária na prioridade afetiva.
"Os professores caíam como árvores na tempestade," anota uma alemã nesses documentos de Harvard. Ela se refere às centenas de demissões nas universidades, escolas, empresas e fábricas, e não só de judeus, mas de todos os que não pertenciam ao partido nazista, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães; esses eram tidos como suspeitos.
Um homem registra o que foi voz geral entre intelectuais alemães da época: "Heidegger ficou louco! Aceitou ser o reitor da Universidade de Freiburg!"
Passa a ser natural, neste período de 1933/38 as crianças brincarem com armas e é proibida a leitura e a posse de livros em geral. Poderia se enquadrar em crime de lesa pátria.
Muitos volumes foram queimados apressadamente nas lareiras das casas e dos apartamentos, escreve outro homem. Para a gigantesca operação de hipnose em massa e em andamento era importante a existência de uma população ignorante que não pensava. Apenas repetia o que seus novos senhores mandavam.
Importante ressaltar que neste período que não houve qualquer empenho por parte do estado em estimular o aprendizado científico nem o interesse pelas artes. Os jovens deveriam ser apenas bons soldados e Hitler era recebido como o "enviado de deus". O que nos remete ao país do atual presidente instalado no Planalto e o seu bordão: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos." A mesma simbiose de misticismo, religião e política.
Este segundo episódio do documentário produzido há dois anos tem início com a proclamação do Terceiro Reich em 21 de março de 1933 e a partir daí os acontecimentos se precipitam em alta velocidade: a grande queima de livros de 10 de maio de 1933, a Noite das Facas Longas, em 34, a proclamação de Hitler como führer, o restabelecimento do serviço militar (abolido com o Tratado de Versailles e a derrota do país na primeira Guerra Mundial), incêndio do Reichstag, o prédio do Parlamento, as prisões em massa de opositores políticos, e a Noite dos Cristais, a Kristallnacht, em novembro de 38, quando 30 mil homens judeus são presos, deportados para campos de concentração e dezenas de milhares de outros são forçados ao exílio.
O processo que começara, menos de dez anos antes como caricatura, piada, e com a omissão, complacência e silêncio da população alemã, prosseguia ferozmente com a ocupação de sindicatos, com o cerco da polícia fortemente armada aos bairros populares, pobres (lembrem-se das favelas brasileiras), com milhares de advogados presos e com um sistema judiciário subjugado e submetido a Hitler.
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