'Mesmo na noite mais triste/em tempo de servidão/há sempre alguém que resiste/há sempre alguém que diz não'. Manuel Alegre, do livro Praça da Canção, 1965
Por Léa Maria Aarão Reis
Uma geração de jornalistas cultos, civilizados e inteligentes está ficando mais velha e está indo embora. Paulo Henrique Amorim, tão moço nos seus 77 anos, é um deles, o que me deixa emocionada e particularmente triste.
Mesmo tendo convivido pouco com Paulo Henrique, profissional e pessoalmente – e embora conhecesse sua menina, Maria, colega e amiga do meu João Francisco desde o colégio dos dois pequenos –, a sua energia me contagiava e estimulava, e o seu humor inteligente sempre me compensava, se é possível falar em reparação, da burrice, da mediocridade, da omissão, cinismo e canalhice do noticiário que manipula as manhãs do cidadão leitor brasileiro sério ao reportar, com desonestidade, o vai e vem dos protagonistas toscos e brutos que infestam e envenenam a atmosfera do país atualmente.
Paulo Henrique, no meu imaginário, era daqueles personagens que não morrem nunca tal a sua vitalidade e a extroversão permanente que talvez disfarçasse um pingo de tristeza e desilusão que eu via no fundo do seu olhar.
Um grande observador do gênero humano como deve ser todo bom jornalista. Nunca um ressentido, como tantos outros por aí.
E o seu humor ferino com que sempre denunciava os canalhas e os cínicos de ocasião, das nossas falsas elites. Sempre me identifiquei com Paulo Henrique no seu horror a elas, e como detestou e desprezou as elites dos pseudojornalistas, dos cães de guerra dos donos da mídia; dos donos do dinheiro e senhorios da política, dos justiceiros contratados lá fora, e dos covardes pomposos do universo da justissa, assim mesmo, com os dois SS, como ele fazia questão de escrever para sublinhar a ignorância desmedida da casa-grande.
Sabia ver e mostrar o ridículo abissal dessas falsas elites.
Amorim morreu com elegância e com discrição - duas das suas mais expressivas marcas pessoais –, de infarto, em casa, e sem dar trabalho maior. Era um austero que acreditava em atingir as cabeças mais duras do povo através dos risos e das gargalhadas com que nos brindava todo dia quando abríamos o seu Conversa Afiada ilustrado pelo Bessinha.
Tenho pensado que a situação política deste país, cada vez mais complexa, por si mesma, mata. Não só os pobres e os miseráveis e as crianças que desfilam com arminhas nas mãos, como ocorria na Alemanha de Hitler; os mais indefesos e vulneráveis.
A política também mata a atual geração dos grandes velhos – outro dia foi-se João Gilberto. Em particular os artistas, os mais sensíveis, os que ainda pensam e refletem, e os que não imaginavam, em seus piores pesadelos, que voltariam a ver o país arrasado e colonizado como nele viveram quando eram moços. Morrem de dor no coração.
Vai em paz, Jornalista Paulo Henrique Amorim. Você gostaria dos versos do poeta, político e um dos fundadores do Partido Socialista português Manoel Alegre, de 83 anos:
Levam sonhos / deixam / mágoas / ai rios do meu país / minha pátria à flor das / águas / para onde vais? / Ninguém diz.
Carta Maior
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