sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Remédios: só agora percebi que os meus pais não estavam doentes



Eles guardavam o arsenal dentro da primeira gaveta da cômoda, gaveta que filho nenhum podia mexer


Eu ainda usava calças curtas, nem passava brilhantina, e ficava impressionado com a quantidade de remédios que os meus pais tomavam, todos os dias.

Logo de manhã, ele enfileirava uns quatro comprimidos, um ao lado do outro, cada um de uma cor, no pratinho onde comia mamão com açúcar.

Ele dava uma golada no Ovomaltine e engolia dois de uma só vez. Descascava o mamão, arrumava os cubos no pratinho, distante dos comprimidos que ainda faltava ingerir.

Comia uns dois pedaços e vinha a segunda dose de comprimidos, dessa vez com água e limão, recomendação médica.

A minha mãe era mais desorganizada do que o meu pai, mas tinha uma caixinha de prata onde guardava seus comprimidos que também tomava todos os dias.

Eu espiava aquela cena e ficava pensando, desde pequenininho, que meus pais eram doentes. Por isso, tomavam tantos remédios.

Era remédio pra controlar a pressão.

Remédio pra baixar o colesterol.

Remédio para dores musculares.

Remédio pra fortalecer a memória.

Remédio pra gripe

Remédio pros ossos.

Remédio pra diabetes, que o meu pai tinha, mas o mamão com açúcar de manhã, ele não abria mão. Bem como a goiabada cascão com queijo canastra, depois do almoço.

Eles guardavam esse arsenal dentro da primeira gaveta da cômoda, gaveta que filho nenhum podia mexer.

Além desses comprimidos, meu pai não tirava do bolso o Mistol com efedrina, que pingava no nariz de tempos em tempos, até ser proibido pelo Ministério da Saúde, para desespero dele, viciado.

Minha mãe era o Melhoral. Ela engolia um comprimido de Melhoral pra qualquer mal que sentia. Levava a sério o slogan Melhoral, é melhor e não faz mal.

Os remédios das crianças eram poucos, alguns nem eram chamados de remédio. Emulsão Scotch, óleo de fígado de bacalhau, Biotônico Fontoura e Anti-Cárie Xavier.

Na nossa caixinha de remédios, minha mãe guardava também o Enteroviofórmio pra dor de barriga, o basilicão que esquentava e pingava nos meus furúnculos, a cera do Doutor Lustosa pra dor de dente, o mercúrio cromo pros esfolados, o colírio Moura Brasil, a pomada Minancora, o tubo de Anaseptil e um vidro de Maracugina, que minha mãe dava na colher quando estávamos da pá virada.

Os remédios dos meus pais faziam parte da nossa vida. Quando entrávamos no Jeep Willys pra viajar, a primeira coisa que um perguntava pro outro era:

– Tá trazendo os remédios?





Quando íamos na casa dos meus avós, eu percebia que eles também tomavam muitos comprimidos. O meu avô tinha um calendário colado na parede da cozinha com o nome dos remédios e os horários para serem tomados. Ele ia tomando e fazendo um X ao lado.

Minha avó era muito esquecida e ouvia, todo dia, aquela ladainha: Zizinha! O remédio! Se dependesse dela, a Bayer e a Pfizer tinham falido. Ela odiava remédio.

Só agora percebi que os meus pais não estavam doentes, estavam sim, velhos. Como eu agora, em volta das minhas caixinhas de Puran 25 mg, Reconter 15 mg, Plenance 10%, Ezentrol 10%, Plaquinol 15mg, sem contar o Verutex, o Advil, o Dorflex e os homeopáticos.

E olha que estou ótimo!

Este texto não reflete necessariamente a opinião de CartaCapital.

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