terça-feira, 1 de outubro de 2019

Um olhar espírita sobre o suicídio: você não está sozinho


A religião pode ser parte da solução, mas, às vezes, é ela quem gera o sofrimento, proibindo ser quem se realmente é


“A calma e a resignação adquiridas na maneira de considerar a vida terrestre e a confiança no futuro dão ao Espírito uma serenidade que é o melhor preservativo contra a loucura e o suicídio.” Allan Kardec (O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. V, it. 14)

A Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra, em várias publicações, que o suicídio tem aumentado nas últimas décadas, crescendo significativamente em todos os países, envolvendo todas as faixas etárias e, também, vários contextos socioeconômicos. Pode-se dizer que o suicídio está entre as dez principais causas de morte, ou seja, mais de um milhão de pessoas tiram a própria vida todos os anos no mundo. A cada 45 minutos, em média, um/a brasileiro/a se suicida e nós deveríamos estar falando sobre isso em todos os lugares: nos ambientes de trabalho, nas escolas, nos lares e nas comunidades de fé.

Trata-se de um problema social de grande relevância para a saúde pública. No entanto, infelizmente, apesar dos avanços, ainda há bastante tabu, preconceito e vergonha nessa luta. Morte por suicídio toca em questões de escolhas, crenças e barreiras sociais.

A população LGBTI é uma das que mais sofrem com essa epidemia silenciosa. De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, LGBTIs têm cinco vezes mais chances de cometer suicídio do que heterossexuais cisgêneros e a depender do ambiente que está inserido, esse número pode subir até 20 vezes. Quem se suicida é porque está doente e/ou vive em um ambiente adoecido.

“Do outro lado da linha, uma voz suave e firme atendeu ao meu chamado. Passava das duas da manhã. A insistência afetiva da atendente me encorajou a dizer as primeiras palavras: não está tudo bem! Você gostaria de conversar sobre o que te aflige? Disse ela. Chorei. Lembro que fiquei quase uma hora chorando e ela, pacientemente, me ouvindo. De vez em quando dizia que estava ali para me acolher e que eu podia confiar nela. A voz da atendente lembrava a voz da minha mãe, motivo, inclusive, do meu sofrimento. Sabe, disse tentando conter o choro, sempre fui um bom filho, mas minha mãe não aceita o fato de eu ser gay. Ela disse que sente vergonha de mim e por isso estou pensando em me matar, para ela não ter mais que sentir vergonha de mim. Ela me fez desistir da ideia.” Relato de um amigo amparado pela atendente do CVV

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O Brasil é o segundo país em casos de depressão no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos.

A religião pode ser parte da solução, mas, às vezes, é ela quem gera o sofrimento, demonizando identidades de gênero, criminalizando corpos dissidentes, sufocando desejos e proibindo ser quem se realmente é. Tudo isso afeta a saúde mental das pessoas, em especial daquelas que não se encaixam nos padrões heteronormativos-brancos-cisgêneros.

Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, em 2017, das 445 mortes de LGBTIs no Brasil, 58 foram suicídios.

O ser humano é o único animal que possui consciência da morte e do morrer.

Pessoas com tendência ao suicídio têm algum tipo de sofrimento mental e precisam de atendimento médico de emergência seguido de tratamento de saúde por uma equipe multidisciplinar – psicólogos/as, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais.

Os comportamentos suicidas podem ser contextualizados como um processo complexo, que pode variar desde a ideia de retirar a própria vida, que pode ser comunicada por meios verbais e não verbais, até o planejamento do ato, a tentativa e, no pior dos casos, a morte.

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Uma grande questão vinculada ao suicídio é que a prevenção é possível. Essas ações requerem uma ampla articulação em rede, envolvendo famílias, poder público, comunidades de fé saudáveis e sociedade como um todo, além de uma escuta ativa, que deve sempre estar presente nesses diálogos.

Como espírita, sinto-me mais à vontade para falar dessa realidade no meio no qual cresci. Nesse meio a cobrança para a uma vida de retidão é imensa e o medo do “umbral” (ou planos espirituais inferiores) são, quase sempre, a moeda de troca em diversos ensinamentos.

Para o espiritismo, o suicídio é uma triste ilusão porque somos seres imortais, e a vida continua, absolutamente, além da morte do corpo físico.

Ao mesmo tempo que a doutrina espírita prega uma certa compaixão por aqueles/as que resolveram interromper a própria existência física, acaba atuando como outras religiões cristãs, afirmando que tal ato contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e perpetuar a própria vida.

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Precisamos falar de vida, precisamos falar de esperança!

Durante todo o mês de setembro aconteceram diversas ações pelo Brasil, em um movimento chamado de Setembro Amarelo, para chamar a atenção da população ao problema.

Acolher, aceitar, não julgar, compreender, respeitar! Para o CVV (Centro de Valorização da Vida), o suicídio é um assunto complexo, pois ninguém se mata por um único motivo, mas a prevenção é possível e algumas ações podem ser feitas por todas as pessoas. Permitir que as pessoas desabafem e falem sobre seus sentimentos sem receber críticas é um meio de evitar que se pense na morte como solução para as dores.

Se você perceber que a pessoa não se sente à vontade para se abrir, deixe claro que você estará disponível para conversar em outras oportunidades. Você também pode indicar os serviços oferecidos pelo CVV, disponível em www.cvv.org.br, que trabalha para promover o bem-estar das pessoas e prevenir o suicídio, em total sigilo, 24h por dia.

O importante é perceber que não está sozinho/a e que podemos ajudar.

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É psicólogo, educador, militante pelos direitos humanos e um dos idealizadores do movimento de espíritas pelos direitos humanos.

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