sexta-feira, 15 de maio de 2020

O desmatamento e a monocultura disseminam a COVID-19 e outras doenças

Créditos da foto: Os guardas florestais extinguem um incêndio em Seulawah, na Indonésia, após o incêndio ter queimado hectares de pinheiros em 10 de outubro de 2016. As florestas de pinheiros são deliberadamente queimadas anualmente para limpar a terra para plantações de óleo de palma e celulose. (Chaideer Mahyuddin/AFP via Getty Images)

Mais de um ano antes da detecção da COVID-19, os biólogos da Universidade de Varsóvia publicaram "Morcegos, Coronavírus e Desmatamento", um artigo que relaciona a rápida destruição dos habitats naturais dos morcegos à disseminação de coronavírus, como a SARS-CoV e MERS-CoV.


Por Gus Fisher                                                                  13/05/2020 15:14

Publicado em abril de 2018, o artigo descreve como as casas de morcegos nas florestas tropicais do Sudeste Asiático foram reduzidas em 50% nos últimos 70 anos, colocando os animais portadores de doenças em contato, mais próximo do que nunca, com os seres humanos. Em seguida, detalha que 31% dos vírus que os morcegos são capazes de transportar são diferentes formas de coronavírus. O estudo termina com um aviso profético: "O risco de futuras doenças, associadas aos coronavírus que surgiram recentemente, deve ser considerado seriamente".

A quantidade total de surtos de doenças infecciosas em todo o mundo tem aumentado constantemente nas últimas quatro décadas, de acordo com um estudo de 2014 realizado por cientistas da Brown University. Durante esse período, a cobertura florestal do mundo foi reduzida à metade do seu tamanho. A maioria (60%) desses novos surtos foram de origem animal (zoonótica), incluindo o vírus Ebola, SARS-CoV, MERS-CoV, H1N1 "gripe suína", vírus Nipah e muitos outros. Os cientistas da Brown University, portanto, atribuíram esse recente aumento global de doenças infecciosas principalmente ao aumento de "patógenos que transbordam da vida selvagem para seres humanos".

Carlos Zambrana-Torrelio, vice-presidente associado de conservação e saúde da EcoHealth Alliance, analisou mais de 704 surtos de doenças infecciosas entre os anos de 1940 e 2008 e descobriu que medir a taxa de desmatamento em uma determinada área era o indicador número um para determinar onde a próxima pandemia ocorreria. "Os cientistas têm mandado avisos sobre isso há anos", disse Zambrana-Torrelio à Truthout. "Não podemos continuar invadindo os habitats naturais da vida selvagem sem levar em consideração que doenças mortais podem transbordar dessa vida selvagem para os humanos vizinhos".

Regiões da Amazônia, com taxas crescentes de desmatamento, experimentaram simultaneamente taxas crescentes de malária em humanos. À medida que a mudança climática diminui a cobertura contínua das copas das árvores, que atuam como o "teto" da floresta tropical, poças de água estagnada vão se tornando cada vez mais comuns no solo. Os mosquitos, particularmente os que transmitem malária, gostam de se reproduzir nessa água turva. Esse aumento na população de mosquitos, em áreas desmatadas, está praticamente descontrolado, devido aos predadores naturais, principalmente sapos e libélulas, que morrem quando seu habitat é destruído.

"Normalmente, as árvores podem absorver água estagnada por meio de suas raízes", disse à Truthout, Andy MacDonald, ecologista de doenças e cientista ambiental da Universidade da Califórnia, Santa Barbara. "Mas se não houver árvores suficientes por perto, a água estagnada permanece, criando um terreno fértil para os mosquitos". As áreas da floresta onde há mais água parada, disse MacDonald, correspondem às mesmas áreas que os humanos estão invadindo e destruindo as árvores. "Isso cria um potencial mortal para a interação entre pessoas e mosquitos portadores de malária".

Um fenômeno semelhante ocorre nas florestas tropicais do sudeste da Ásia, onde as secas do El Niño estão se tornando cada vez mais intensas devido ao aumento da temperatura global. A seca de El Niño de 1998, por exemplo, ocorreu exatamente no mesmo momento que o surto de Nipah em 1998 na Malásia. “A seca causou incêndios florestais em massa que varreram a região. Esses incêndios criaram uma enorme poluição atmosférica que impedia a frutificação nas plantas”, disse Amy Trittout, professora assistente do Instituto de Patógenos Emergentes da Universidade da Flórida. "Isso forçou os morcegos raposas-voadoras da floresta a migrar para as cidades da Malásia."

Alguns desses morcegos foram para fazendas de porcos da Malásia, onde foram relatados os primeiros casos do vírus Nipah. Os morcegos mordiam as frutas que os porcos comiam, causando a propagação do vírus aos porcos. Os seres humanos pegaram o vírus quando entraram em contato com os porcos.

Atualmente, a maior parte do desmatamento global é impulsionada por empresas multinacionais, incluindo Cargill, JBS e Mafrig, além de seus credores BlackRock, JPMorgan Chase e HSBC. Essas empresas limpam acres de terra para a produção em massa de uma única safra comercial. A Amazônia, por exemplo, está sendo destruída principalmente por produtos que as pessoas nos países ocidentais compram, mas não necessariamente precisam - óleo de palma, cana de açúcar ou vários biocombustíveis, como o etanol.

A monocultura, na qual grandes áreas de terra são dedicadas à produção repetida de uma única colheita, é um fenômeno relativamente novo que esgota o solo (como no caso do Dust Bowl [tempestades de poeira formadas pela conjunção de fortes ventos com enormes extensões de solo despojados de cobertura vegetal] dos anos 30), deixa as culturas vulneráveis a pragas (como na Grande Fome da batata irlandesa) e deixa os seres humanos vulneráveis a doenças, reduzindo a biodiversidade de animais na região circundante (como no caso das populações globais de abelhas).

"As fazendas que produzem uma variedade de culturas atrairão uma variedade de animais selvagens que se alimentam das culturas", disse o biólogo John Swaddle, do College of William & Mary, à Truthout. Por outro lado, quando uma fazenda está produzindo apenas um único tipo de cultura, atrai apenas uma variedade limitada de animais. Se um tipo de animal dessa variedade limitada pegar uma doença, todo o ecossistema estará ameaçado. Essa dinâmica cria o que é comumente conhecido como efeito de diluição: quanto mais tipos de espécies houver em um determinado ecossistema, mais resistente será o ecossistema geral à propagação de doenças.

O vírus do Nilo Ocidental, por exemplo, infecta algumas espécies de aves mais facilmente do que outras. Os patos e os gansos são naturalmente mais resistentes a contraírem e a propagarem o vírus, por isso agem como uma espécie de "amortecedor" contra as espécies mais vulneráveis ao vírus, como corvos e pintassilgos. Se um mosquito portador do vírus do Nilo Ocidental pica um pato ou um ganso, é provável que o vírus simplesmente morra em seu sistema. Para investigar esse fenômeno, Swaddle comparou todos os municípios do leste dos EUA que relataram um caso de vírus do Nilo Ocidental em 2002 (o primeiro ano do surto) com um município vizinho que não o fez. O resultado? Em média, os municípios que relataram casos de vírus do Nilo Ocidental apresentaram uma diversidade significativamente menor de espécies de aves do que os municípios que não tiveram casos. E que fatores afetam a biodiversidade de espécies de aves em uma determinada área? Desmatamento, mudança climática e monocultura.

Da mesma forma, o aumento das monoculturas de palmeiras nas florestas da África Ocidental tem sido um importante impulsionador da propagação do vírus Ebola. Os primeiros casos conhecidos do surto de Ebola de 2013 ocorreram nas aldeias guineenses de Guéckédou e Meliandou, ambas cercadas por áreas desmatadas para monoculturas de palmeiras. Muitas das florestas da Alta Guiné foram reduzidas para 16% do tamanho que eram em 1975. Isso se deve em grande parte à monocultura industrial de corporações apoiadas pelo Ocidente, como a Guinean Oil Palm and Rubber Company, financiada pelo Banco de Investimentos Europeu. À medida que os morcegos portadores do Ebola são expulsos de seu habitat natural, eles migram para lugares como plantações de óleo de palma, onde podem encontrar amplos alimentos e abrigo.

Outra das maiores empresas que impulsionam o desmatamento e, portanto, a disseminação do Ebola na África Ocidental, é a Farm Lands of Africa, Ltd., com sede em Londres. Entre 2010 e 2012, os três anos que antecederam o surto de Ebola em 2013, Farm Lands of Africa adquiriu mais de 1.608.215 hectares de floresta na Bacia do Congo. Essa enorme aquisição de terras forçou o deslocamento de milhares de famílias, transformando as terras, que antes eram usadas principalmente para a agricultura de verduras pelos povos indígenas, em monoculturas comerciais para a exportação, como o óleo de palma. Também deslocou milhares de morcegos portadores de Ebola - muitos dos quais são atraídos pela rica vegetação e abrigo das plantações de palmeiras.

As florestas tropicais do mundo não estão sendo destruídas para alimentar as pessoas. "Existem muitas opções para atender ao suprimento global de alimentos em 2050 sem desmatamento", escreveu o ecologista da Universidade de Klagenfurt Karl-Heinz Erb na revista Nature. As florestas estão sendo desmatadas principalmente para a pilhagem de culturas comerciais que beneficiam principalmente os chefes ricos das empresas multinacionais.

É o caso da PT. Hardaya Inti Plantations, de propriedade do bilionário Siti Hartati Murdaya, que apreendeu mais de 22.000 hectares de terra na Indonésia para monoculturas de óleo de palma. A aquisição deslocou mais de 6.500 famílias, destruindo as fazendas de subsistência e as florestas das quais eles dependiam para viver. Metade dessas famílias acabou trabalhando nas plantações de palmeiras, onde foram cruelmente exploradas por salários de fome. Portanto, é questionável se esse desmatamento está beneficiando a maioria dos indonésios, além de seus bilionários cleptocratas. Além disso, a destruição ambiental resultante está causando um deslocamento em massa da vida selvagem na região, levando à proliferação da malária e da dengue.

Como os cientistas da Universidade de Ferrara declararam em seu artigo de abril de 2020, “A nova pandemia zoonótica da COVID-19: uma preocupação sanitária global esperada”, a atual pandemia da COVID-19 era altamente previsível. Com base nos padrões de desmatamento associados aos dois surtos mais recentes de outros coronavírus, SARS-CoV e MERS-CoV, além de inúmeras outras doenças transmitidas por animais, incluindo Ebola, malária e dengue, existem muitas evidências que sugerem que essa pandemia atual faz parte de uma tendência global maior.

"Se quisermos fazer tudo o que pudermos para impedir que a próxima pandemia ocorra", disse Zambrana-Torrelio, "devemos parar o desmatamento".

*Publicado originalmente em 'TruthOut' | Tradução de César Locatelli

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