Havia uma multidão espalhada por toda a orla de Copacabana naquela manhã de domingo. Muita gente havia passado a noite em vigília. Não apenas lá, mas em várias partes do Rio, como no Centro, no Flamengo e em Santa Teresa, era enorme a expectativa para ver a chegada do famoso dirigível Graf Zeppelin LZ 127, que saiu da Alemanha em 18 de maio de 1930, fez uma escala em Recife, no dia 22, e partiu para o Rio, chegando à Cidade Maravilhosa em 25 de maio. Noventa anos após o acontecimento que levou à criação do primeiro voo comercial entre Europa e Brasil, o Blog do Acervo refaz a crônica daquele dia. O carioca parou tudo para observar a passagem da estranha aeronave de 240 metros de comprimento que, apesar de gerar encantamento, não cruzou os céus por muito tempo. Em 1937, os dirigíveis saíram de cena após uma tragédia que deixou 50 mortos em Nova Jersey, nos Estados Unidos.
Facebook 22/05/2020
Contruído pela empresa de Ferdinand Von Zeppelin, o balão de superfície rígida se deslocava a 110km/h, levando até 25 passageiros e 40 tripulantes. A estrutura se baseava numa carcaça de alumínio, revestida por uma tela recoberta por lona de algodão. Dentro, havia 60 balões inflados com gás hidrogênio, com cinco motores de 12 cilindros. Na área dos passageiros, havia suítes, salas de estar e de jantar. Um hotel "flutuante" que, em agosto de 1929, completou um voo ao redor do mundo em 21 dias. Para atracar esse mastodonte em terra firme, eram necessários até 150 funcionários. A tripulação no alto lançava cordas ao chão, dando início a uma sequência de amarrações e escaladas nos cabos, o que rendeu àqueles homens o apelido sagaz de "aranhas". A cidade de Recife preserva até hoje a Torre do Zeppelin, usada para atracar o dirigível em 1930 e nos voos que aconteceram entre 1933 e 1937.
Ex-funcionário do hangar do Zeppelin volta ao local na festa de 80 anos
O Zeppelin chegaria ao Rio no sábado, mas o comandante Hugo Eckener recebeu aviso de que o paulista Júlio Prestes, então recém-eleito presidente do Brasil pelo Congresso, estava a bordo do navio Almirante Jaceguay, rumo aos Estados Unidos. Num gesto de diplomacia, o alemão desviou o curso para sobrevoar a flotilha que seguia o político, para só depois retomar seu trajeto rumo à capital federal.
O domingo mal tinha amanhecido quando uma multidão já se dirigia, a pé, de carro ou ônibus, para o Campo dos Afonsos, na Zona Oeste, local escolhido para receber a aeronave. Eram milhares querendo ver a chegada. O espaço local foi dividido entre geraldinos, que não tinham convite para o evento; as cadeiras de segunda classe, onde ficaram os jornalistas; e a primeira classe, com oficiais do exército e outras autoridades. Cerca de 2 mil soldados faziam a demarcação entre as classes. "Praças de cavalaria galopavam, correndo na penumbra da manhã indecisa, transmittindo ordens e dando caça impiedosa aos que tentavam melhorar de classe", descreve a crônica do GLOBO na edição do dia 26 de maio de 1930. De acordo com o jornal, a cena era digna de um quadro do francês Édouard Detaille, o pintor por retratar cenas de grandes batalhas militares.
Entre as personalidades presentes, estava o então prefeito do Distrito Federal, Antonio da Silva Prado Júnior, que por pouco não teve seus assistentes barrados por um alemão com cara de poucos amigos que controlava o acesso ao interior da aeronave. Os jornalistas, impedidos de entrar, ficaram revoltados. Restou a eles entrevistar passageiros como o engenheiro e escritor Vicente Licínio Cardoso, que, apressado para rever sua família, disse apenas que a viagem "foi maravilhosa". A equipe do GLOBO que cercava a movimentação também ouviu dois gaiatos conversando enquanto olhanvam admirados para o dirigível. Um deles viu o código LZ 127 em grandes letras na aeronave e perguntou o que queria dizer aquela sequência. "O comandante mandou pintar quando chegou a Pernambuco. É um palpite para o jogo do bicho", respondeu o outro, antes de a dupla cair na gargalhada.
Em 12 de fevereiro de 1942, seis meses antes de o Brasil declarar guerra aos países do Eixo, o aeroporto foi transformado na Base Aérea de Santa Cruz, ainda hoje uma das mais importantes da Força Aérea Brasileira (FAB).
Nenhum comentário:
Postar um comentário