segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Em meio a incêndios e pestes, inundações e tempestades, ''o pessoal é político'': fora Trump

Créditos da foto: Uma bandeira dos EUA é vista durante o incêndio do Complexo de Iluminação LNU nos arredores de Vacaville, Califórnia. (Stephen Lam/Reuters)

Os norte-americanos enfrentam desafios existenciais. O presidente não fez nada para ajudar e muito para piorar as coisas


Por Robert Reich                                                                                       23/08/2020 14:16

Minha esposa e eu fomos avisados de que talvez tenhamos que evacuar nosso chalé nas colinas ao norte de São Francisco, por causa dos incêndios que devastam a Área da Baía.

As mudanças climáticas são as principais responsáveis por esses incêndios, que aumentam em número e intensidade a cada ano. Também é responsável pelo aumento do número e da virulência dos furacões que atingem o Golfo e o sudeste, inundações repentinas ao longo da costa leste e ventos violentos em toda a América Central.

Duas tempestades tropicais estão se desenvolvendo no Golfo do México. O Golfo nunca teve dois furacões ao mesmo tempo. Ambos estão se movendo em direção à Louisiana.

No início de agosto, Illinois e Iowa foram atingidos por ventos de até 177 kmh. Casas foram destruídas. Pelo menos 10 milhões de acres de plantações foram destruídos. Muitos ainda estão sem energia.

Trump não é o único responsável pelas mudanças climáticas, é claro. Mas ele não fez nada para impedi-las. Na verdade, ele fez todo o possível para acelerá-las.

Na próxima semana, ele se tornará candidato a um segundo mandato. Duvido que ele ou qualquer outra pessoa na convenção republicana mencione a saída, promovida por ele, do acordo de Paris, sua reversão das regulamentações ambientais ou sua generosidade sem limites para a indústria de combustíveis fósseis.

No entanto, estarei pensando sobre tudo isso, e de uma nova forma pessoal. O mesmo acontecerá com muitos outros, incluindo, eu suspeito, alguns que votaram em Trump da última vez, que residem nos estados do Golfo do México, na costa leste e no meio-oeste.

Uma coisa é entender a mudança climática de forma abstrata. Outra é viver dentro dela.

Recentemente, recebi um e-mail de uma mulher que mora na Carolina do Norte, cuja casa foi destruída por uma enchente. Ela se descreve como uma republicana, por toda sua da vida, que agora é uma “ambientalista renascida”. Ela disse que vai votar em Joe Biden.

É quase o mesmo com o coronavírus. Os números brutos contam uma história horrível. Somente na última quinta-feira (20), o vírus matou 1.090 americanos. Apenas cinco morreram do vírus no Canadá no mesmo dia, seis no Reino Unido, 12 na França, 16 no Japão, 16 na Espanha e 10 na Alemanha.

No entanto, nem mesmo esses números nos atingem da mesma forma que acontece quando você conhece alguém que morreu ou quase morreu com essa doença. Eu conheço dois que morreram. Um bom amigo chegou perto. Como eu, um número crescente de norte-americanos está experimentando pessoalmente o coronavírus.

Trump não é o único responsável. O sistema de saúde pública dos EUA nunca esteve à altura da tarefa de lidar com uma pandemia. Mas a torrente de mentiras, negações e recusas de assumir a responsabilidade encenada por Trump permitiu que a doença assolasse o país.

Se ele mencionar a pandemia durante a convenção republicana, provavelmente será para culpar a China e alegar que os números oficiais são exagerados. Muitos de seus seguidores vão acreditar nele. Mas, assim como aconteceu com as inundações, tempestades de vento e incêndios, um número cada vez maior de pessoas que vivenciaram a Covid-19 pessoalmente se tornaram resistentes contra suas mentiras.

O mesmo ocorre com a devastação econômica que surgiu na esteira da pandemia. Dezenas de milhões estão desempregados. Muitos estão ficando desesperados. Quase todo mundo conhece alguém que perdeu o emprego ou cujo salário foi reduzido.

Há um velho ditado que diz que “o pessoal é político”. As pessoas entendem a política mais profundamente quando ela está conectada à sua própria experiência de vida.

Na convenção republicana, Trump e seus auxiliares podem alegar que os democratas querem transformar os Estados Unidos em um estado socialista. Eles vão soar seus apitos dirigidos aos racistas sobre “desordeiros e saqueadores” nas cidades norte-americanas. Eles vão invocar conspirações de “estado profundo”. Eles vão mentir sobre Biden.

Alguns norte-americanos vão acreditar nessa baboseira, mas suspeito que a experiência vivida pela maioria dos outros - incluindo muitos que votaram em Trump em 2016 - será mais convincente.

Depois de quase quatro anos, sentimos, em primeira mão, as consequências de sua presidência podre. Os malefícios de Trump agora são mais palpáveis do que sua propaganda de medo. O pessoal é político.

Robert Reich, ex-secretário do Trabalho dos Estados Unidos, é professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia em Berkeley e autor de Saving Capitalism: For the Many, Not the Few and The Common Good. Seu novo livro, The System: Who Rigged It, How We Fix It,is out now. Ele é colunista do Guardian EUA

*Publicado originalmente em 'The Guardian' | Tradução de César Locatelli


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