segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Prevê tudo : Allan Lichtman: ''a resposta de Trump à pandemia condenou sua reeleição''

Nos Estados Unidos, Allan Lichtman foi apelidado de “nostradamus” das eleições presidenciais: historiador, professor da American University e analista político, ele ganhou notoriedade ao criar um modelo que previa o resultado de todas as disputas na Casa Branca desde 1984. Este ano, Litchman já deu sua previsão: está convencido de que Donald Trump perderá e que Joe Biden será o próximo presidente.


As previsões de Lichtman são baseadas em um modelo de “13 variáveis”, que mede a gestão do partido no poder para determinar se os americanos escolherão ou não uma mudança de curso. Lichtman, um democrata confesso, ignora as pesquisas. Suas “variáveis” são a economia, a política externa, se o presidente será ou não candidato à reeleição, qual partido venceu a última eleição legislativa, se há agitação social e o carisma dos candidatos.

A eleição de 2016 foi uma das mais difíceis de prever. Lichtman antecipou um triunfo para Trump, que mais tarde lhe enviou uma cópia de sua entrevista no The Washington Post quando ele deu sua previsão. “Boa visão”, escreveu Trump, junto com sua assinatura.

Lichtman explica que, neste ano, Trump caminhava firmemente em direção à sua reeleição até a chegada da pandemia do coronavírus no país. Agora, com a recessão, os protestos sociais após a morte de George Floyd e a má gestão da crise por seu governo, Lichtman acredita que ele vai perder, mesmo considerando Biden um candidato sem carisma. “Nunca na história dos Estados Unidos um partido no poder passou por uma mudança tão dramática e repentina de sorte em apenas alguns meses”, descreve ele.

Pergunta: Quem vai ganhar a eleição?

Allan Lichtman: No final de 2019, Trump parecia muito bem no meu sistema de 13 variáveis. São necessárias seis variáveis favoráveis para descartar o candidato do partido no poder. Trump tinha uma vantagem de duas a favor. Mas, neste ano, os Estados Unidos foram atingidos pela pandemia e por reivindicações por justiça social e racial. Em vez de abordar substancialmente essas questões, Trump voltou-se para o manual de 2016, quando ele era o desafiante e pensou que poderia sair falando sobre esses problemas. Claro que não. O resultado foi ruim para o país e ruim para sua reeleição. Perdeu variáveis que estavam jogando a seu favor. A questão da economia de curto prazo, pois agora há uma recessão em ano eleitoral. A questão da economia de longo prazo, porque o crescimento negativo derrubou seus números gerais drasticamente, e a questão da agitação social devido ao que está acontecendo no país. Então, o presidente passou de variáveis contrárias para sete, uma a mais do que o necessário para prever sua derrota em novembro. Nunca na história dos Estados Unidos um partido no poder passou por uma mudança de sorte tão dramática e repentina em apenas alguns meses.

Pergunta: Você está confiante na vitória de Biden?

Lichtman: Sim, meu sistema aponta fortemente para isso. O jeito que funciona é sempre julgando o partido que está na Casa Branca. As variáveis medem a força e o desempenho do partido que está na Casa Branca, portanto, na verdade, prevê uma derrota de Trump. E é claro que isso significa uma vitória do Biden. Mas há algumas coisas fora do domínio das variáveis, ou de qualquer sistema de previsão, que me causam certa desconfiança. Uma delas é a supressão do voto. Vimos Trump atacar seriamente o voto por correspondência, que é uma alternativa absolutamente essencial em meio à pandemia. Vimos o seu homem no serviço postal desmantelar a capacidade de entrega pelo correio com rapidez e eficiência. Ele disse que não vai fazer isso, mas não sabemos se isso é real, ou se vai reverter o que já fez para paralisar os correios. A outra questão é a interferência russa. Os russos estão de volta. Sabemos que aprenderam coisas durante quatro anos. Pode até ser pior do que 2016. E sabemos com certeza que, como em 2016, Trump acolhe e tira proveito de qualquer intromissão russa que ele acha que vai ajudar.

Pergunta: Pode haver um evento antes das eleições que afete seu modelo?

Lichtman: Não acredito. Quer dizer, é sempre difícil dizer. Mas claro, coisas estranhas podem acontecer, mas as variáveis estão focadas no quadro geral. Coisas como economia, agitação social, um escândalo, acontecimentos na política externa e os resultados das eleições legislativas, ou se há outros candidatos. Essas coisas não mudam facilmente.

Pergunta: O recente acordo no Oriente Médio pode influenciar?

Lichtman: Nem um pouco, ao menos até agora. Foi uma notícia recebida com um bocejo coletivo incrível por aqui, e houve uma série de análises mostrando que nada realmente muda. Pelo que posso ver, não tenho certeza do que terá um efeito mais significativo. Mas claro, não se trata apenas da minha opinião, é a forma como ela é recebida. E, até agora, foi vista com indiferença. Quase não penetrou na consciência de ninguém aqui nos Estados Unidos, embora tenho certeza de que darão muita importância a este tema a partir da próxima gestão. A outra coisa é que, como você sabe, um dos bens mais preciosos que alguém tem como presidente é a credibilidade, e Trump a destruiu 60% ou mais da população norte-americana, o que se pode ver em várias pesquisas, que dizem como as pessoas não confiam nele. Então, acho que isso vai ser descartado como uma manobra política, não é sincera.

Pergunta: Uma das suas variáveis é a economia. Será que a recuperação do mercado de ações e do emprego não dão essa questão como favorável a Trump?

Lichtman: Não, eu não vejo isso. A questão é: há recessão em ano eleitoral? E sim, há uma recessão em um ano eleitoral. A recessão pode acabar, mas duvido que ela acabe antes das eleições. Seria necessário um milagre econômico para que isso acontecesse. Enquanto houver recessão em ano eleitoral, essa variável será contra o partido que está no poder.

Pergunta: Então, é correto dizer que a pandemia condenou a reeleição de Trump?

Lichtman: É meio correto. A pandemia, e também a resposta do governo à pandemia. Se Trump tivesse entendido que o importante é governar, e não fazer campanha, ele poderia ter respondido de forma substancial, em vez de tentar superar a pandemia com palavras. Você pode convencer seus vizinhos no Senado a absolvê-lo do impeachment. Não pode convencer um vírus. Não funciona. Portanto, é a combinação de pandemia e uma resposta incrivelmente falha. Somos o país mais rico e cientificamente mais avançado do mundo. Lideramos o mundo em prêmios Nobel. No entanto, temos uma das piores e mais patéticas respostas ao coronavírus em qualquer lugar do mundo. Trump não causou a pandemia, assim como Herbert Hoover não causou a Grande Depressão dos Anos 1930, mas a resposta falha de Trump é, em grande parte, o que causa os seus problemas. O mesmo aconteceu com a resposta fracassada de Hoover à Grande Depressão.

Pergunta: Outra de suas variáveis é o carisma. Trump é uma figura muito popular no Partido Republicano, não é o suficiente?

Lichtman: Certo. Você tem que olhar para a maneira de definir a questão, e ser um daqueles candidatos carismáticos, inspiradores e únicos em uma geração, como Ronald Reagan nos Anos 80, que trouxe todos aqueles “democratas Reagan”, ou Barack Obama em 2008. Trump é um grande showman, mas sua figura atrai uma parcela muito pequena do eleitorado. Normalmente, seu índice de aprovação geral é maior em pessoas acima dos 40 anos, e seu índice de aprovação acaba ficando entre 25% e 30%. Acho que mencionei que 60% ou mais dos norte-americanos não o acham honesto e confiável, e 60% ou mais dos norte-americanos não gostam dele pessoalmente. Ele não é um candidato atraente, de uma forma geral. Mas também não dou variável a favor de Biden, é claro.

Pergunta: Você já pensou em fazer ajustes e alterações no seu modelo?

Lichtman: Grande pergunta. Não mudei o modelo, mas mudei a maneira como interpreto o modelo. Quando eu o desenvolvi, realmente não havia divergência entre o voto popular e o colégio eleitoral. Mas, então, tivemos uma divergência em 2000, e na época eu demonstrei porque tínhamos uma divergência. Enquanto George W. Bush aparentemente venceu na Flórida por 537 votos, Al Gore na verdade venceu na Flórida devido à supressão do voto afro-americano, dezenas de milhares de votos afro-americanos deveriam ter sido contados e Gore deveria ter vencido. No entanto, isso levantou alguns problemas sobre a previsão do voto popular versus a previsão do colégio eleitoral. Não foi um problema em 2004 e 2008. Foram eleições muito claras. Isso se tornou um problema em 2012, por dois motivos. Número um, os democratas agora têm uma vantagem embutida no voto popular de 5 a 6 milhões de votos em apenas dois estados, Califórnia e Nova York. E esses 5 a 6 milhões de votos contam como zero no Colégio Eleitoral. Então, a linha de base é alterada. A linha de base costumava ser a igualdade no voto popular, a igualdade no Colégio Eleitoral. Mas agora, os democratas começam com a vantagem de vários milhões de votos. Então, eles ganharão qualquer eleição apertada. E 2016, foi a previsão mais difícil que já fiz.

*Publicado originalmente em 'La Nacion' | Tradução de Victor Farinelli

Carta Maior

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