O apoio a Lula não surgiu de forma espontânea e descomprometida. O que se indaga é justamente qual será o desenrolar dessa retomada de relações entre os dois
20 de setembro de 2022, 18:04 h Atualizado em 21 de setembro de 2022, 10:37
A sabedoria popular diz que, em época eleição, todo apoio é bem-vindo. Afinal, toda manifestação em favor de uma determinada candidatura tende a se converter em um saldo positivo de votos no dia do pleito. Ocorre que esse movimento pode ser interpretado também como alguma forma de aliança política, onde as declarações podem estar acompanhadas de compromissos com determinadas políticas, propostas ou mesmo ocupação de cargos no futuro governo.
A coordenação da campanha de Lula tem sido bastante competente na articulação de uma ampla frente em torno da chapa do ex presidente e de Geraldo Alckmin. Aliás, a própria presença do ex governador tucano no cargo de vice já é uma ótima sinalização no sentido da necessária ampliação do arco de forças em torno mudança. Por outro lado, o momento atual é de reforçar a onda em favor do voto útil já no primeiro turno, com o objetivo de reduzir as opções das tentativas golpistas de Bolsonaro. Ao que indicam as últimas pesquisas, essa estratégia tem sido bem aceita pelo eleitorado.
O evento organizado pela coligação “Vamos Juntos pelo Brasil” com os ex presidenciáveis expressa de forma bastante cristalina a amplitude dos apoios que ela tem recebido nesta reta final da campanha. Ali estavam personalidades políticas de quase todo o espectro partidário, com figuras como Luciana Genro e Guilherme Boulos (PSOL), Marina Silva (Rede), Fernando Haddad (PT), Cristovam Buarque (Cidadania), João Goulart Filho (PCdoB), Henrique Meirelles (União Brasil), além do próprio Alckmin, atualmente no PSB. As ausências notadas de Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aécio Neves expressam a dificuldade que parte das lideranças do PSDB ainda encontram para concretizar uma declaração em prol da civilização e contra a barbárie.
Meirelles se soma ao “todo mundo com Lula”
A presença de Meirelles merece uma atenção especial. Em 2002, ele havia concluído uma bem-sucedida carreira profissional no interior do financismo local e global. Ele resolveu se aposentar quando ocupava o importante posto de presidente internacional do Bank of Boston e retornou ao seu país de origem. Decidiu ingressar na política e foi eleito deputado federal pelo PSDB/GO, obtendo a maior votação para o cargo naquele estado. No entanto, abriu mão do mandato quando recebeu o convite de Lula para dirigir o Banco Central (BC), com promessa de autonomia em sua missão de conduzir a política monetária e a regulação do sistema financeiro.
Meirelles permaneceu 8 anos à frente do órgão, tendo sido beneficiado desde o início por uma Medida Provisória que equiparou o seu cargo ao status de ministro. Data desse período a política de austeridade, com geração de expressivos superávits primários e e a manutenção da taxa SELIC nas alturas. Antonio Palocci no Ministério da Fazenda e Meirelles no BC representaram uma dupla que conseguiu superar o grau de conservadorismo da política econômica dos tempos de Pedro Malan, sob a presidência de FHC.
Seu retorno à Esplanada deu-se justamente na onda da aventura golpista perpetrada por Michel Temer contra Dilma Roussef em 2016. Com a aprovação do impeachment pelo Congresso Nacional, o vice ocupa o Palácio do Planalto e convida Meirelles para o posto de Ministro da Fazenda. No entanto, esta segunda passagem do banqueiro pela área econômica federal foi bem mais desastrosa do que a anterior. Nesse período o governo encaminhou e o legislativo aprovou a Emenda Constitucional n° 95, que estabelece a Novo Regime Fiscal e a política do teto de gastos.
Temer & Meirelles: um desastre para o Brasil
Foi também desse momento a implementação a primeira etapa da Reforma Trabalhista, com a retirada de direitos dos assalariados e a incorporação das mazelas da precariedade e da informalidade. Temer e Meirelles anunciaram um ambicioso calendário de retomada da privatização das estatais federais, com destaque para o setor elétrico. Essa reafirmação de um programa conservador e liberal pretendia recuperar as diretrizes do programa “Ponte para o Futuro”, apresentado pelo PMDB ainda em 2015. Entre outros objetivos, pretendia ser uma plataforma para o lançamento de uma candidatura do partido nas eleições seguintes. Meirelles foi o candidato da agremiação em 2018 e obteve pouco mais de 1% dos votos no primeiro turno.
No entanto, as medidas adotadas pelo governo Temer & Meirelles serviram como base para o aprofundamento do desastre a partir do ano seguinte, com a chegada de Bolsonaro e Paulo Guedes. A essência da política econômica monetarista e liberal foi mantida, com a manutenção da austeridade fiscal proporcionada pela obediência cega aso teto de gastos. Além disso, a herança benigna veio com a aceleração da agenda privatista e o encaminhamento das reformas destruidoras de direitos e de benefícios sociais, como a trabalhista e a previdenciária.
Lula tem reafirmado a todo os momentos suas críticas justamente ao teto de gastos, à reforma trabalhista e à privatização. Ora, diante desse quadro, como entender a presença de Meirelles no ato a favor de sua candidatura? Para o campo democrático e progressista, sua presença é positiva e pode colaborar para a vitória da chapa ainda em 2 de outubro. Com a desistência de Luciano Bivar, presidente nacional do União Brasil, de disputar o Palácio do Planalto, os candidatos do partido aos diversos cargos espalhados pelo País podem escolher com quem se aliar. Meirelles não vai disputar cargo eletivo nenhum neste ano, mas já fez sua opção por Lula e Alckmin.
Economia: Meirelles continua o mesmo
Há pouco mais de um mês ele foi contratado por uma das maiores empresas de criptomoedas no mundo, a Binance, para fazer parte de sua direção e implementar espaços para atuação no mercado brasileiro. Com certeza, o apoio a Lula não surgiu de forma espontânea e descomprometida. O que se indaga é justamente qual será o desenrolar dessa retomada de relações entre os dois a partir do ano que vem, caso Lula seja vitorioso nas urnas e tome posse no começo de janeiro.
Existem ainda muitas dúvidas e incertezas a respeito de qual será a direção da política econômica em um eventual terceiro mandato. Da mesma forma permanecem as especulações acerca dos perfis e dos eventuais nomes a serem escolhidos para Ministro da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento e Indústria, por exemplo. Mas as manifestações públicas de Lula sobre o tema não parecem deixar muito espaço para Meirelles recuperar algum resquício de sua irresponsável e equivocada passagem pelo governo Temer.
Ao contrário do que ocorria na passagem de 2002 para 2003, Lula conta hoje com a experiência de oito anos à frente do governo e do acompanhamento íntimo do que se passava com o governo de sua sucessora. Uma eventual participação de Meirelles agora muito provavelmente não contaria com o grau de autonomia que a ele foi concedida há duas décadas atrás. Lula sabe que o fim do teto de gastos, a revogação da reforma trabalhista e a interrupção da agenda de privatizações são elementos chaves para o sucesso de um governo que pretenda reverter o quadro generalizado de desgraças deixadas por Bolsonaro e Guedes.
Ao que tudo indica, se o apoio atual de Meirelles estiver condicionado a um convite para voltar à Esplanada, é bem provável que isso implique em uma autocrítica, ainda que não formalizada verbalmente, da sua gestão durante o governo Temer. Aliás, caminhando na direção contrária, o banqueiro segue com a tese da redução do Estado, sugerindo no dia seguinte à manifestação de apoio a Lula que o Brasil precisa fazer uma reforma administrativa vigorosa e fechar suas empresas estatais. Todos sabemos que a fila de pretendentes aos cargos é grande e Lula certamente conta com nomes alternativos para cumprir o mesmo papel e com menos tendência a buscar um voo solo e conservador. Aguardemos, pois.
Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.
Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário