A “jogada magistral” desta vez foi a declaração de que estaria preparando um projeto para eliminar a correção do salário mínimo
25 de outubro de 2022, 18:04 h Atualizado em 25 de outubro de 2022, 18:04
Nesta reta final da campanha eleitoral para o segundo turno do pleito presidencial, Jair Messias Bolsonaro está encontrando problemas sérios com alguns personagens políticos que ocupam papel estratégico em seu governo e na articulação do bloco de extrema direita que lhe presta apoio. Para além dos tropeços em suas próprias trapalhadas, como o episódio em que deu margem às acusações de pedofilia, o candidato tem gastado muito tempo e energia para apagar os estragos do fogo amigo em suas próprias bases.
O ato terrorista perpetrado pelo dublê de bandido e coordenador informal de sua campanha contra os agentes da Polícia Federal (PF) é muito mais do que uma atitude impensada de um maluco, como alguns analistas tentam justificar nos poucos órgãos da grande imprensa que ainda apostam na continuidade da barbárie por mais um quadriênio. Roberto Jefferson é um agente estratégico nos espaços da extrema direita tupiniquim e a decisão de dar tiros de fuzil e jogar granadas contra os agentes públicos que iam cumprir uma decisão judicial nada mais significa do que colocar em ação as orientações violentas e carregadas de ódio que o bolsonarismo sempre apregoou.
Ocorre que ao cometer tais crimes, a poucos dias do último domingo de outubro, ele colocou o chefe em uma saia justa, a ponto de Bolsonaro ter sido obrigado a condenar publicamente a ação do aliado de todas as horas e mentir de que não teria nenhuma relação com o condenado. No entanto, em razão da cumplicidade política mais do que óbvia existente entre ambos, o Presidente da República ordenou ao Ministro da Justiça que se dirigisse ao local dos fatos, para intermediar a negociação de um criminoso que foi obrigado a se render às forças policiais. Como diria Lula em outros tempos, nunca antes na História deste País!
Roberto Jefferson e Paulo Guedes: muy amigos de Bolsonaro
Mas, durante a mesma semana, a coordenação da campanha pela reeleição viu-se também obrigada a lidar com mais um imbróglio causado pelo superministro da economia, Paulo Guedes. O antes todo-poderoso, responsável pelo monstrengo criado pela junção em 2019 de várias pastas ministeriais estratégicas na Esplanada, foi colocado em modo silencioso pelo chefe, desde que o projeto político-eleitoral pela recondução do capitão para mais um mandato foi colocado em movimento. Afinal, o banqueiro foi muito importante para a vitória em outubro de 2018, quando abriu caminho para que Bolsonaro fosse mais bem aceito pelas elites do financismo. Continuou prestando bons serviços ao governo por manter um canal permanentemente aberto junto às classes dominantes e por tentar levar em frente o projeto de destruição do Estado e de liberalização ampla de nossa economia.
Ocorre que a vida é mesmo muito complicada e Bolsonaro viu-se na necessidade de dar um cavalo de pau no discurso de uma nova forma de fazer política e na pregação da austeridade fiscal a qualquer custo. Com o intuito de evitar o início do processo de “impeachment” na Câmara dos Deputados e facilitar a vida do governo no interior do Congresso Nacional, o candidato à reeleição jogou-se de corpo e alma nos braços do fisiologismo do Centrão, entregando seu principal ministério ao senador Ciro Nogueira (PP/PI), que passou a ocupar a chefia da Casa Civil. Esta foi a senha para que a política de teto de gastos, tão cara a Paulo Guedes e aos representantes do financismo, fosse colocada na geladeira e as despesas orçamentárias explodissem de forma irracional e descontrolada com o projeto eleitoral em curso. Daí para a implementação da escandalosa proposta inconstitucional das emendas secretas e bilionárias do relator foi apenas um passo.
Submetido a esse tipo de constrangimento público, Guedes aceitou de forma covarde e oportunista o tapa na cara dado pelo próprio chefe na frente de todas as forças políticas do País. Na verdade, ele continua apostando todas as suas fichas nas promessas de Bolsonaro de que continuaria a ocupar o mesmo cargo em eventual segundo mandato. Talvez tenha sido esse o motivo pelo qual ele tenha decidido romper o voto de silêncio e vindo a público com mais uma de suas tiradas desastradas. Parece que se sentiu empoderado e resolveu arriscar alguns cacifes. Porém, mais uma vez, deu-se mal.
Proposta de Guedes é ruim e antiga
A “jogada magistral” desta vez foi a declaração de que estaria preparando um projeto para eliminar a correção do salário mínimo, bem como patrocinar a desvinculação dos valores dos benefícios pagos pela previdência social de tal obrigação constitucional. Com isso, as aposentadorias, as pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) também sofreriam diminuição em seu poder de compra. A notícia caiu como uma bomba nas hostes bolsonaristas, justamente no momento em que Lula colocava em pauta a necessidade de promover a volta da política de reajuste no salário mínimo acima da inflação, tal como era a regra em seu governo.
A favor de Guedes, devemos ao menos recordar aqui sua coerência fiscalista, sua obsessão liberaloide e sua obstinação pela eliminação de direitos dos mais pobres. Afinal, lá nos idos de 2019, ele já anunciava sua disposição em levar a cabo sua estratégia dos chamados 3 Ds; i) desconstitucionalizar; ii) desvincular; e, iii) desobrigar. A questão do salário mínimo caía como uma luva em tal operação. A redução dos direitos em geral e do poder real de compra dos rendimentos dos assalariados já estava em movimento por meio da reforma trabalhista. No entanto, a inclusão em normal legal e constitucional de dispositivo desobrigando a política de reajuste do salário mínimo pela inflação teria um efeito ainda mais grave. Além da consequência direta sobre as condições de vida dos trabalhadores, atingiria também a sobrevivência dos beneficiários, diretos e indiretos, da previdência social. Finalmente, seriam prejudicados todos aqueles servidores públicos federais, estaduais e municipais que tivessem sua remuneração fixada em um salário mínimo ou a ele vinculada.
Ora, esta proposta de Paulo Guedes não é exatamente uma novidade. No entanto, ao trazer a medida equivocada, elitista e impopular para o centro do debate, em um momento de grandes dificuldades enfrentadas por Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto, Guedes provoca mais um sincericídio. Assim como as granadas e os tiros de Roberto Jefferson, a artilharia do superministro termina por atingir a imagem do próprio chefe, que luta desesperadamente por votos para superar a distância que ainda o separa de Lula.
Sincericídio de Guedes: pá de cal em Bolsonaro?
O banqueiro sempre teve por hábito soltar suas bravatas aos quatro ventos, principalmente depois que foi apresentado pelo capitão como sendo o principal responsável pelo comando da economia e pelo anúncio de medidas da área. Assim, foram as declarações a respeito de privatizar todas as empresas estatais, a proposta de eliminação do modelo histórico de previdência do INSS e sua substituição por contas de capitalização a serem geridas pelo sistema financeiro privado, além do preconceito destilado contra os setores da base da pirâmide da injustiça social, como as empregadas domésticas.
No caso concreto, pouco importa se o anúncio de Guedes foi uma decisão pensada e planejada, ou se a declaração saiu como mais uma de suas conhecidas manifestações destrambelhadas. O fato é que ela reflete exatamente o que pensam setores expressivos de nossas elites, principais responsáveis pela manutenção de um modelo econômico e social profundamente injusto e desigual, a verdadeira herança secular de uma sociedade escravista e colonial. Em uma só tacada, Guedes exprimiu o ódio que as classes dominantes sentem pelos que vivem de seu trabalho e a raiva que manifestam pelo pouco que ainda sobrou de um ensaio de modelo de Estado de Bem-Estar Social tupiniquim.
Mas é possível que, por mais um destas obras da ironia da História, o mais recente exercício de sincericídio do aprendiz de liberal e admirador da ditadura sanguinária de General Augusto Pinochet no Chile venha a se converter em uma das muitas pás de cal a serem utilizadas para enterrar o cadáver putrefato do regime bolsonarista.
Paulo Kliass
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal
Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.
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